O "Ciência e ideias" pôs a casa nas costas e se mudou. Foram três bons anos no Blogger, em que nos deleitamos contando o que nos chamava a atenção.
A vontade de falar sobre ciência, sobre outros assuntos e repartir inspirações continua e encontrou novos companheiros. Foi justamente aqui que encontramos os fundadores do Lablogatórios, que recentemente virou Science Blogs Brasil.
É lá que estaremos. Felizes por ter como vizinhos gente que compartilha esses interesses. Juntos, espero conseguirmos mostrar a cada vez mais gente - curiosos que procurem algo específico ou que simplesmente estejam de passagem e parem para dar uma espiadinha - como é fascinante o mundo da ciência. Este mundo em que vivemos.
Não custa reiterar: siga este linque e chegará à nova casa do velho Ciência e ideias.
Caloplaca obamae é o nome do líquen ao lado (foto de J. C. Lendemer), descoberto em 2007 na ilha de Santa Rosa, na Califórnia. O descobridor, Kerry Knudsen, escolheu o nome como homenagem ao apoio do então candidato a presidente dos Estados Unidos à ciência e à educação.
Conta Knudson, curador de líquens no herbário da Universidade da Califórnia em Riverside, que descreveu a nova espécie em meio ao furor mundial que rodeava as eleições norte-americanas e terminou o rascunho final no dia da posse. O artigo está na edição de março da revista Opuscula Philolichenum.
C. obamae cresce no solo e por pouco não se extinguiu antes mesmo de entrar para a história. Na notícia do Eurekalert, Knudson declara: "Essa espécie mal sobreviveu ao gado, alces e veados que pastavam na ilha Santa Rosa. Mas agora o gado foi removido, e ela começou a se recuperar. Com a futura remoção dos alces e dos veados – ambos introduzidos na ilha – ela deve se recuperar completamente."
Não sei se ele pensou nisso como metáfora para o que se espera do novo presidente. E mais: Knudson não tem nenhuma formação em ciência. Até 2000, quando se aposentou, ele trabalhava em obras. Um peão sem saber o que fazer com as mãos, descobriu que gostava de líquens, que são uma simbiose entre fungo e alga. Se apresentou como voluntário no herbário, onde já formou uma coleção de mais de 10 mil líquens, publicou mais de 70 artigos científicos e descreveu mais de 25 líquens e fungos que crescem em líquens.
Já indiquei aqui um vídeo sobre a missão para consertar o telescópio Hubble. Agora a missão - a última nesses moldes - está se preparando para decolar em maio. O site do New York Times traz uma bela apresentação de imagens do Hubble, fotografias feitas por ele e sobre a preparação para consertá-lo. A apresentação é narrada pelo astronauta John Grunsfeld, o mecânico oficial do Hubble. Para ele, esse telescópio virou o queridinho do público porque põe maravilhas do Universo diante dos nossos olhos.
Vale a pena mesmo sem a narração, as imagens são estonteantes. (A foto acima, da NASA, eu peguei no New York Times)
E por falar em vídeos, volto a reiterar: os filminhos de que falei ontem merecem ser vistos!!! Não se preocupem: não são indecentes, ninguém vai estragar o casamento ou perder o emprego por causa disso. Como disse Isabella na entrevista, a linguagem não é mais explícita do que aparece em documentários da National Geographic.
Isabella Rossellini remete a filmes como "Veludo azul". Pois a bela atriz italiana anda envolvida em projetos bem diferentes: ouvi hoje uma entrevista na NPR (em inglês, assim como tudo o que vou recomendar aqui) em que ela conta sobre o "Green porno" (clique no título para ver os vídeos).
"Sempre gostei de comportamento animal", diz ela. Mas como as pessoas têm preferência por um aspecto do comportamento - o sexo - ela resolveu usar esse tema para uma série de filmes sobre animais marinhos e invertebrados.
Prepare-se para ver Isabella andando em meio a uma floresta de pênis gigantes feitos de papel, com diversas cores e formas, explicando sobre o encaixe necessário com vaginas específicas; vestida de baleia macho com uma ereção de dois metros; como estrela-do-mar que dá origem a outras isabellas ao perder um braço e uma perna (por isso não precisa de pênis); como uma craca que se transforma de macho em fêmea e vice-versa (foto); um peixe de águas profundas, narigudo para farejar a fêmea na qual se finca e se transforma num apêndice sexual. Essa é a segunda temporada, a marítima.
Na temporada terrestre ela aparece como um aranho cheio de olhos que se aproxima com todo cuidado da teia para evitar ser devorado; uma mosca que escapa com facilidade de uma jornalada, cospe na comida para digerir antes de sugar e admira suas larvas crescendo num cadáver, uma minhoca hermafrodita que copula em posição 69, um caramujo sado-masoquista armado de vagina, pênis e dardos e um zangão que não faz nada até precisar lutar pela abelha.
Nessa maravilhosa série que merece alguém que lhe ponha legendas, Isabella Rossellini põe a serviço da divulgação de ciência todo o seu talento, sua malícia, sua sensualidade. Cansada do ecopoliciamento, ela prefere maravilhar e divertir as pessoas a ponto de que, quem sabe, queiram proteger a natureza.
Ouvi ontem uma entrevista interessante com o médico norte-americano John Abramson, autor do livro Overdosed America - the Broken Promise of American Medicine. Durante sua experiência clínica no estado de Massachusetts, ele se deu conta de que a busca por medicamentos não está a serviço dos pacientes, mas da indústria. Tem a ver com o que o Karl escreveu no Ecce medicus um tempo atrás.
Frustrado, Abramson deixou de clinicar para escrever o livro, direcionado para as vítimas potenciais - os médicos, segundo ele, ainda não estão prontos para ouvir que também estão sendo enganados.
Ele conta que boa parte da pesquisa para desenvolver medicamentos é financiada pela indústria farmacêutica. O mesmo vale para boa parte dos periódicos científicos especializados - a fonte de informação supostamente isenta e fidedigna para pesquisadores e médicos. Além disso, os Estados Unidos são dos poucos países que permitem a propaganda de remédios diretamente ao consumidor - que já chega ao consultório pedindo por um remédio, solicitação a que os médicos tendem a aceder. Com isso tudo, tanto médicos como pacientes acabam sendo enganados e acabam recorrendo a medicamentos mais caros e menos adequados (algo que a Tara Parker-Pope, do New York Times, também denunciou).
Ao fazer a pesquisa para o livro, Abramson examinou registros de testes clínicos publicados e não publicados. Viu que a publicação dos resultados não segue as regras da ciência, mas as da economia: remédios mais lucrativos são mais divulgados, resultados negativos de remédios lucrativos são varridos para baixo do tapete.
Ao fim, o médico denuncia o foco excessivo da sociedade moderna em remédios, a opção aparentemente cômoda por encontrar pílulas que resolvam tudo. Ele lembra que nada como um bom estilo de vida - dieta mediterrânea, exercício, boas horas de sono - para ser mais saudável. Para ele, se uma paciente chega ao consultório pedindo um exame para medir os teores de colesterol - e em busca de estatinas para controlá-lo, o médico tem que interpretar o pedido. Se o que ela quer é reduzir as chances de ter problemas cardiovasculares, medir o colesterol não é necessariamente a melhor opção.
A entrevista, em inglês, está no podcast "Berkeley groks".
A Pesquisa de abril já está saindo do forno e ainda não pus aqui nenhum destaque do que andei fazendo para março.
E tem coisa legal: as bromélias de tanque, essas que acumulam água numa poça formada pelas folhas (ao lado, na foto de Lisa Chaer), conseguem aproveitar a ureia deixada pelas pererecas - que ali se abrigam e depositam ovos - como fonte de nitrogênio.
A descoberta é do grupo da botânica Helenice Mercier, que foi minha professora na USP, em experimentos de laboratório. A comprovação de que funciona mesmo na natureza está por vir, numa colaboração com Gustavo Romero, da Unesp de São José do Rio Preto.
Por enquanto, Gustavo já mostrou que fezes de aranhas também podem ser uma fonte importante de nitrogênio para bromélias.
Foi um desafio falar de xixi de perereca e cocô de aranha e manter o bom gosto que a revista exige... O resultado está aqui.
Para quem é da área, artigos:
-Cambuí, Camila A. et al. 2009. Detection of urease in the cell wall and membranes from leaf tissues of bromeliad species. Physiologia Plantarum, online.-Inselsbacher, Erich et al. 2007. Microbial activities and foliar uptake of nitrogen in the epiphytic bromeliad Vriesea gigantea. New Phytologist, 175 (2): 311-320. -Romero, Gustavo Q. et al. 2006. Bromeliad-living spiders improve host plant nutrition and growth. Ecology, 87 (4): 803-808. -Romero, Gustavo Q. et al. 2008. Spatial variation in the strength of mutualism between a jumping spider and a terrestrial bromeliad: Evidence from the stable isotope 15N. Acta Oecologica, 33 (3): 380-386. -Takahashi, Cássia A. et al. 2007. Differential capacity of nitrogen assimilation between apical and basal leaf portions of a tank epiphytic bromeliad. Brazilian Journal of Plant Physiology, 19 (2): 119-126.
Morreu hoje o biólogo Crodowaldo Pavan, um pioneiro da genética no Brasil. Não o conheci e não tenho nada a adicionar ao que está sendo escrito por aí. O Reinaldo José Lopes fez um bom texto para o G1, contando como alguns pesquisadores veem a perda e a contribuição de Pavan.
Deixo aqui recomendada também uma entrevista que Pavan concedeu em 1998 a Ricardo Zorzetto, hoje meu chefe na revista Pesquisa.
Caminhar no escuro longe das luzes urbanas é uma experiência mágica. A imensidão escura com incontáveis pontos brilhantes de cores e tamanhos diversos (mas há quem os conte, por lazer ou profissão). São planetas, são estrelas que às vezes riscam o céu muito mais depressa do que um desprevenido consegue formular um desejo.
Um céu imenso que, nas noites mais escuras, chega a parecer um manto sólido que reduz uma pessoa à sua devida insignificância. Em certas situações, andando na escuridão completa, já tive a sensação de diminuir até quase desaparecer. Recomendo, de preferência depois de um reconhecimento de terreno que permita eliminar preocupações terrenas como a de cair num buraco ou pisar nalgum bicho noturno.
No entanto, o dia-a-dia urbano nos rouba o céu. Iluminação exagerada que rouba o negro do céu e ofusca as estrelas, poucas caminhadas noturnas, poucos jardins onde se possa deitar à noite e simplesmente olhar para o alto.
As 100 horas de astronomia buscam remediar um pouco disso. De hoje a domingo, uma série de atividades estimularão os passantes apressados a pararem para olhar o céu. Mais informações aqui. Veja também a coluna do astrofísico Augusto Damineli, da USP, no site da revista Pesquisa.
O escritório onde Darwin trabalhava tinha equipamentos modestos se comparados à parafernália de um laboratório atual. Microscópios de cobre, lupas, tubos de ensaio, livros. Mas a ferramenta mais importante não aparece na foto: a curiosidade.
Entre aulas e leituras, tenho a impressão de ter convivido longamente com Charles Darwin, e de quase conhecê-lo. Claro, o meu Darwin é com certeza diferente do das outras pessoas. É dele que falo aqui. Do menino de 10 anos que contava flores no jardim, como conto aqui, do jovem que se deslumbrou na viagem à América do Sul e do homem que se manteve maravilhado pela vida afora.
Para mim, é da atenção que ele prestou a tudo o que era da natureza que vêm suas grandes contribuições à ciência. Como, senão, explicar a diversidade dos temas que abarcou? O livro Darwin's Garden - Down House and the Origin of Species, por Michael Boulter (que deve sair no Brasil ainda este ano) traz belos relatos. Conta dos besouros que Darwin coletava, da revisão taxonômica de cracas que empreendeu como maneira de dominar a variabilidade entre espécies, dos pombos que criava e nos quais admirava as fantásticas plumagens, das minhocas de seu jardim cuja população estimou, assim como seu efeito sobre a terra remexida. Nesse livro aprendi também que ele deu atenção às plantas carnívoras do gênero Drosera, sobre as quais inferiu (corretamente) que capturavam insetos para suprir uma deficiência de nitrogênio no solo. E foi também pioneiro em estudar a psicologia do ponto de vista do desenvolvimento, ao observar atentamente o crescimento de um de seus filhos. Tudo isso detalhado com minúcias e publicado (veja aqui).
Essa curiosidade e a propensão a maravilhar-se está nas crianças - Darwin sabia e envolvia os filhos pequenos em seus experimentos, em brincadeiras como espalhá-las pelo jardim para desvendar os voos das abelhas. Se mais pessoas mantivessem a chama acesa, talvez a história da ciência fosse mais coalhada de lampejos.
Aproveito o ensejo para recomendar o novo livro do Marcelo Leite: Darwin, para a coleção Folha Explica. O livro começa com a polêmica atual entre criacionismo e evolução, na qual ambas disciplinas disputam a cadeira de ciência. Controvérsia que, desconfio, causaria desgosto ao velho Charles. Marcelo Leite parece concordar, mais adiante escreve: "Seria um despropósito, no entanto, interpretar sua obra e seu pensamento como peças de propaganda ateísta, como até hoje - 150 anos depois de Origem das espécies - alguns fundamentalistas ainda a avaliam. Para sustentar sua interpretação da natureza, Darwin poderia tanto acreditar como não acreditar em Deus, pois a rigor essa questão é irrelevante para seu pensamento".
Marcelo Leite foi bem sucedido no desafio de resumir a vida e da obra de Darwin no pouco espaço que a coleção exige. Não posso deixar, porém, de gritar com o espinho que ele deixa no final, quando chega ao que considera maus usos das ideias evolucionistas. "O caráter um tanto tosco de iniciativas como a sociobiologia dos anos 1970 [...] de fato não autoriza entusiasmo para com essa perspectiva. O que ele chama de tentativas canhestras - me refiro unicamente ao marco fundador da sociobiologia, o livro de E.O. Wilson de 1975 - não tiveram nada de tosco. Wilson fez naquele momento a primeira demonstração de sua capacidade ímpar (até darwiniana) de reunir ideias e sintetizá-las num corpo teórico coerente. Sim, a organização social dos animais é resultado de uma imensa conjunção de fatores biológicos que incluem ecologia, fisiologia, genética de populações e mais.
Não vejo bem a discordância entre o que Wilson discutiu em seu livro (na pequena fração que dedica às pessoas) e o trabalho de Peter Singer que Marcelo Leite sintetiza ao fim do livro: existe natureza humana, saber mais sobre ela ajuda a lidar com ela, e ela não justifica ações condenáveis por serem naturais.
Outra dica: a revista Pesquisa de março traz artigos por quatro pesquisadores que comentam a influência das ideias de Darwin em suas respectivas áreas de pesquisa. São eles Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP, Cesar Ades, da Psicologia da USP, Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego e Ana Carolina Regner, da Filosofia da Unisinos.
Tirei a imagem daqui, a fotografia é da exposição Darwin em Chicago, a mesma que esteve no Brasil e sobre a qual escrevi na revista Pesquisa.
Este texto é parte da discussão de março no roda de ciência. Comentários, por favor, aqui.
“O estado da economia demanda ação pronta e ousada, e agiremos – não apenas para criar emprego, mas para construir novos alicerces para o crescimento. Construiremos estradas e pontes, as redes elétricas e digitais que alimentam o nosso comércio e nos unem. Recolocaremos a ciência no lugar que lhe é devido, e usaremos as magias da tecnologia para melhorar a qualidade do atendimento de saúde e reduzir os seus custos. Convocaremos o sol, a terra e o vento para abastecer os nossos carros e as nossas fábricas. E transformaremos as nossas escolas e universidades para responder aos desafios de uma nova era. Tudo isto podemos fazer. Tudo isto iremos fazer!”
Barack H. Obama[1]
Palavras inspiradoras são as de Barack Obama, grande candidato a farol-guia do mundo em crise. Mas chegarão para nos levar a porto seguro? A julgar pelo recente livro de Judy Estrin [2], discursos inspiradores de grandes líderes são um ótimo princípio para instilar confiança na comunidade e exortá-la a responder aos desafios do momento. Esses são conhecidos de todos, e ao contrário do que muitos pensam não se resumem à crise económica global. São muito maiores os desafios da sustentabilidade da nossa existência, no uso de recursos naturais e seus impactos no planeta que nos acolhe ainda. Mais prementes são os desafios da produção de energias limpas e o controle das alterações climáticas. Para a autora (tal como para Obama), o símbolo do desenvolvimento sustentável teria um potencial catalizador de inovação científica e tecnológica no século XXI, comparável ao que o programa espacial norte americano teve no sistema de pesquisa e inovação daquele país nas duas décadas após a segunda guerra mundial, levando à consumação definitiva da liderança global dos EUA. Mas haveria algo errado com o sistema de inovação científico-tecnológica para que os EUA e o mundo pareçam tão atrasados na luta contra os desafios que há tanto tempo se anunciam? O que houve, principalmente nas duas últimas décadas, foi um sistema demasiadamente focado na eficiência e na produtividade em decorrência das pressões da sociedade e de seus líderes. Segundo Estrin, um sistema desse tipo funciona esgotando a energia dos indivíduos em atividades produtivas, não sobrando aquela essencial para a atividade criativa, o verdadeiro pilar da inovação científica e tecnológica. É então importante que a mensagem que chega dos líderes seja de um outro tom, inspiradora e que estimule a inovação. Mas uma sociedade no caminho da inovação depende acima de tudo de indivíduos com determinadas capacidades, que seriam as de: questionar, ser aberto a novas ideias, correr riscos, ser perseverante e autoconfiante. Será possível uma educação para a inovação? Aqui, J. Estrin critica o sistema educativo atual dizendo que ele produz indivíduos com capacidade de seguir manuais de instruções, mas não de questionar e muito menos enquadrar devidamente as questões. A saída para as próximas gerações é, não tanto ensinar inovação como disciplina na escola mas alterar o modo como se lecionam todas as disciplinas, incentivando o questionamento das matérias e os debates em que a criança ou adolescente seja protagonista. Assim se despertam as capacidades de liderança necessárias para uma atividade criativa. A educação dentro da família teria um papel tão ou mais importante, no sentido de permitir à criança ter a autoconfiança necessária para, ao longo de sua vida, questionar de forma construtiva entidades que representem o poder do conhecimento autoritário, sejam parentes, professores, orientadores ou superiores hierárquicos. Essa empresa, a da promoção da inovação para atender aos desafios da nossa era, extravasa o papel das universidades como instituições promotoras de ciência e inovação, pois é na verdade um projeto de sociedade. À semelhança dos mecenas da Itália renascentista, o Estado, fundações e indivíduos filantrópicos têm papel essencial na promoção da criatividade e da inovação. Sem o investimento incondicional na educação e nas carreiras de jovens com potencial inovador, claramente não será possível vencer os desafios da nova era. O apoio a museus, exposições interativas e atividades curriculares que estimulem a curiosidade e perspectivem uma carreira de exploração científica são também imprescindíveis para aguçar o espírito inovativo. A cumplicidade da imprensa nesse empreendimento é essencial. Um exemplo que vale recordar, de Portugal, é o concurso Ciência Viva que leva jovens em idade universitária a instituições de pesquisa como o Centro Espacial Europeu e o carinho que esse tipo de iniciativas desfruta na mídia local [ver 3]. Quantas vezes esse carinho é dedicado pela grande mídia brasileira a programas de interação entre jovens e pesquisadores em grandes centros de ciência no Brasil. O que ficou por exemplo da expedição espacial brasileira, divulgada no meio de várias polêmicas que apenas realçaram o seu lado negativo? Quantos jovens terão ficado inspirados pelos textos escritos e lidos na imprensa, naquele ano de 2006? Muitos terão ficado maravilhados com o feito do astronauta Pontes, mas com certeza não através da contribuição de muita da imprensa escrita. É necessário um novo ambiente na nossa sociedade que acarinhe a boa ciência e a tecnologia realmente inovadoras. As grandes questões do nosso tempo e do nosso futuro deveriam dominar a mídia, de forma mais inspiradora e menos conspiradora, constituindo um verdadeiro ideal de nação e de mundo. Infelizmente, tanto por culpa da imprensa como de nossos líderes, grandes questões são abordadas de forma burocrática e desestruturada, não permitindo ao público ter uma noção de rumo. Um bom exemplo é a autossatisfação da nação brasileira com a autossuficiência no abastecimento de petróleo e a liderança mundial na produção de biocombustíveis. Se esses feitos da tecnologia brasileira são sem dúvida invejáveis, parece faltar alguém que pergunte: biocombustíveis para hoje, e o que para daqui a 20-50 anos? Poucos alertam para o caráter paliativo desses feitos pois nem os combustíveis fósseis nem os biocombustiveis são sustentáveis a longo prazo para suprir o consumo brasileiro e mundial. Parafraseando Obama, convoquemos o sol, a terra e o vento para garantir a nossa sobrevivência, mas é bom ter cuidado com a terra pois apenas o sol e o vento são absolutamente renováveis. E o uso destes depende absolutamente de indivíduos inovadores inspirados e motivados por sociedades estimulantes. A desculpa de que o Brasil é um país ainda emergente, afogado em problemas civilizacionais muito mais básicos, não será suficiente para explicar às próximas gerações por que motivo o país não foi protagonista nas grandes revoluções do século XXI. Esperemos que não seja por falta das palavras: “Sim, nós podemos” mudar o Brasil e o mundo! Rumo a um porto seguro que sirva de base para explorar outros destinos.
1. Tradução própria de extrato do discurso de posse do presidente dos Estados Unidos da América Barack H. Obama, em 20 de Janeiro de 2009. 2. Estrin, Judy (2008). Closing the Innovation Gap: Reigniting the spark of creativity in a global economy. McGraw-Hill, 300p. [http://www.theinnovationgap.com/] 3. Teresa Firmino (2006). Concurso do Ciência Viva: Desafios de física levaram duas alunas a centro de testes de satélites. Jornal Público, Quinta-feira 16 de Março de 2006. Matéria completa reproduzida no blog Ciência e Ideias.
Texto de candidatura ao Curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo científico do Labjor-UNICAMP.
Rendeu frutos a ótima iniciativa dos biólogos Carlos Hotta e Atila Iamarino, que reuniram o melhor dos blogues brasileiros de ciência no portal Lablogatórios. Quem hoje tentar entrar no Lablogatórios para acompanhar novidades em ciência será automaticamente direcionado para o Science blogs Brasil, na prática ainda a mesma coisa: 23 blogues brasileiros (e em português) que versam sobre diferentes áreas da ciência.
Mudou a cara e, sobretudo, o reconhecimento da iniciativa. O Science blogs é a maior comunidade de ciência na internet, com mais de 130 blogues em inglês. Faz parte do Seed Media Group, que publica a sensacional revista Seed (não há ainda notícias da Seed Brasil, infelizmente).
Parabéns aos fundadores e aos participantes do Lablogatórios, o reconhecimento é para lá de merecido.
Na índia, estima-se que em 2001 o fogo matou 163 mil mulheres - 68 mil em zonas urbanas e 95 mil em zonas rurais. A estimativa está em artigo que saiu este mês na revista médica The Lancet. O número é seis vezes mais alto do que informa a polícia. "Acreditamos que a maior parte dessas mortes pode ser prevenidas com regulamentos efetivos, mas precisamos de pesquisa e ação para usar imediatamente a informação disponível da melhor maneira", dizem Prachi Sanghavi, Kavi Bhalla e Veena Das, que estão, respectivamente, em Cambridge na Harvard Initiative for Global Health (Universidade Harvard) e no departamento de antropologia da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
O artigo analisa os registros de todas as mortes causadas por fogo e mostra que 65% delas são mulheres - 57% destas entre 15 e 34 anos de idade. Os motivos sugeridos pelo artigo seriam acidentes de cozinha, auto-imolação e homicídios relacionados a violência doméstica. Um indício chama atenção: a taxa de acidentes com fogo subitamente cai depois dos 34 anos - sugere que tem a ver com idade reprodutiva mais do que acidentes de cozinha.
Os números mostram que o problema é sério e as autoras concluem: a Índia precisa de um serviço de vigilância de ferimentos. Mas como custa dinheiro, não deve acontecer tão cedo.
O artigo chamou minha atenção - e causou um grande incômodo - porque quando fui à Índia, há já mais de dez anos, era comum ver nos jornais relatos de mulheres incendiadas. A suspeita era sempre a mesma: "dowry crime", crime do dote. Na tradição local, quando uma mulher se casa ela passa a pertencer à família do marido. Muitas vezes algo como uma escrava. O termo "crime do dote" se refere a quando o pai da noiva não paga o combinado para que a nova família a aceite, mas pode ser também porque surgiram conflitos de outros tipos.
No artigo, as autoras são muito cuidadosas em suas sugestões, desconfio que porque, além de estarem fora do país, preveem que a melhor chance que têm de fazer algo é não pisar nos calos de muita gente. Mas me pergunto que medidas e regulamentos podem mudar práticas tão arraigadas numa cultura.
Que tal um festival de música, daqueles cheios de palcos e gente e animação, todo inspirado em ciência? É a proposta do britânico geek pop, que começa hoje... como bom produto geek, todo online.
No site está o mapa com os palcos, basta passear pelo festival e ouvir a música ou baixá-la no seu computador ou tocador de mp3. Mas é também um evento social, com grupo no facebook e twitter.
Os músicos de 2009 já estão todos a postos, mas quem quiser se inscrever para a seleção do ano que vem pode pôr cabeça e mãos à obra. Traduzindo livremente do site: "Se você acha que pode escrever um clássico químico, uma balada biológica ou uma canção física; se você consegue dedilhar um violão/bater numa bateria e apreciar a Tabela Periódica dos Elementos ao mesmo tempo; se você tem uma voz de anjo e a barba de um professor maluco, seus talentos são necessários. Não queremos saber se você tem um contrato com a EMI ou um doutorado em ciência atômica, ou ambos - desde que a música seja boa e, claro, devidamente científica".
03 março 2009
Praias paradisíacas da costa do Dendê, ao sul da capital baiana, são praticamente desertas mas não por isso imaculadas. Um estudo liderado pelo oceanógrafo Isaac Santos, agora na Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos, averiguou a origem do lixo encontrado nessas praias. Aqui, nota sobre isso que fiz para a Pesquisa.
A linda foto ao lado é de Fabiano Barretto, da Global Garbage. Ele me indicou vídeos com depoimentos maravilhosos de moradores da região, vale a pena.
A quaresmeira é uma árvore nativa da Mata Atlântica, comum na região Sudeste brasileira. É muito usada em zonas urbanas, é inclusive planta-símbolo de Belo Horizonte. Essa da foto está no meu jardim e este ano floriu pela primeira vez.
O nome vem da época da floração, próxima ao período da quaresma - que vai da quarta-feira de cinzas até a páscoa.
Da família das melastomatáceas, tem flores roxas ou rosas, conforme a variedade, e folhas ásperas com grandes nervuras praticamente paralelas. Os frutos são pequenos e não comestíveis, liberam sementes que são dispersas pelo vento.
Continuo em festejos darwinianos. Recentemente ouvi o geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e fundador/diretor do Laboratório Gene, dizer que a cultura e a medicina já puseram os seres humanos acima da evolução.
Fiquei com vontade de comentar, mas fui adiando por falta de tempo para reunir argumentos. Hoje vi que está feito: no ótimo texto do geneticista/neurocientista/evolucionista Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, em sua coluna "espiral", no portal G1. Ele faz uma pequena revisão de trabalhos recentes e mostra que nossos genes estão sim sofrendo alterações em resposta a pressões ambientais. E não só: essas mudanças levam a que se acumulem novas diferenças entre povos diferentes.
Raças? Não importa, e o Alysson não entra nessa discussão. Mas sem querer voltei ao Sérgio Pena, que costuma usar argumentos mal-sustentados pela lógica e pela ciência para afirmar que não existem raças, por isso não deveria haver racismo. O cordel sobre essas ideias noticiado na Ciência Hoje On-line não me permite deixar de lembrar o debate sobre raças e racismo no Congresso de Genética de 2008 (de que Sérgio Pena não participou, embora tenha ido ao congresso). Acho que foi o geneticista da USP Paulo Otto quem disse que não se deve ser racista por princípios morais, e não pelo que diz a genética. Enquanto raças e racismo forem tratadas como sinônimos, fica difícil conviver numa espécie felizmente tão diversa.
Correção: a ideia parece ter feito sucesso e a organização decidiu adiar o cortejo para 14 de março. Veja mais no JC e-mail.
“Hoje é o primeiro dia de Carnaval, mas Wickham, Sullivan e eu não nos intimidamos e estávamos determinados a encarar seus perigos. Esses perigos consistem principalmente em sermos, impiedosamente, fuzilados com bolas de cera cheias de água e molhados com esguichos de lata.” Foi assim que Charles Darwin registrou em seu diário a passagem pelo carnaval baiano em 1832.
Como na Bahia carnaval é coisa séria, este ano de celebrações darwinianas incluirá um bloco em homenagem a esse inesperado carnavalesco do século XIX. Segundo o Jornal da Ciência, o cortejo sairá do Campo Grande, em Salvador, às 10h de amanhã, sábado 28 de fevereiro.
Organizado pelo Grupo Defesa e Promoção Sócio Ambiental, o bloco terá alas simbolizando a Mata Atlântica, plantas, flores, animais e os tripulantes do navio Beagle. No farol da Bahia, um grupo do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, encenará uma peça inspirada em Darwin.
Por favor, alguém vá e me conte!!
A foto, da comissão de frente do desfile da Vila Isabel em 2007 (representando a transmutação da espécie humana) é da fototeca da prefeitura do Rio de Janeiro.
Poucos ambientes foram tão importantes para a cultura brasileira quanto o carnaval carioca. Foi a partir dele que a música que Assis Valente, Batatinha e Dorival Caymmi tocavam na Bahia deu origem ao que hoje chamamos de samba, através dos blocos carnavalescos. No ano de 1928, a fundação do bloco Deixa falar, por Ismael Silva, no bairro do Estácio, foi um marco no que diz respeito à história do samba carioca. O Deixa falar foi o primeiro bloco dedicado à dança e a evolução ao som do samba.
Data de 1929 o primeiro concurso de sambas, realizado na casa de Zé Espinguela, onde saiu vencedor o Conjunto de Oswaldo Cruz, atual Portela, e do qual também participaram a Mangueira e a Deixa Falar. Alguns consideram este como sendo o marco da criação das escolas de samba. Em 1932, patrocinado pelo jornal Mundo Esportivo, surgiu o desfile das escolas de samba, na Praça Onze, vencido pela Estação Primeira de Mangueira. Em 1935, as agremiações carnavalescas cariocas foram obrigadas a tirar um alvará na "Delegacia de Costumes e Diversões" para poderem desfilar. O delegado titular, Dulcídio Gonçalves, decidido a dar um aspecto de maior organização aos desfiles de escolas de samba, negou-se a conceder o alvará para associações com nomes considerados esdrúxulos, razão pela qual a Portela teve que mudar para o nome atual, ao invés do anterior Vai Como Pode.Portanto, a partir daí, as escolas passaram a adotar a denominação de Grêmio Recreativo e Escola de Samba.
No ano de 1941, o desfile saiu da Praça Onze e passou a ocorrer nas principais avenidas do centro da cidade, como a Avenida Rio Branco. Em 1984, durante o governo de Leonel Brizola, foi construído o sambódromo, sob projeto de Oscar Niemeyer.
Com o tempo, as Escolas de Samba se popularizaram e se multiplicaram, fazendo com que os blocos tomassem formas parecidas com as das escolas de samba, e perdessem importância. Porém, com o aumento da exploração do desfile das escolas de samba como uma grande máquina de produzir receita, e não apenas alegria, os blocos voltaram às graças dos cariocas, aí então passando a se multiplicar.
Não há como desligar determinados músicos de suas escolas de origem. Noel Rosa/ Vila Isabel, Cartola/ Mangueira, Martinho/ Vila Isabel, Silas de Oliveira/ Império Serrano, Monarco/ Portela, Nelson Sargento/Mangueira, Paulinho da Viola/ Portela, Dona Yvonne Lara/ Império Serrano, João Nogueira/ Portela, Ismael Silva/ Estácio de Sá, Clara Nunes/ Portela, Neguinho/ Beija-Flor, entre outros binômios.
Hoje em dia, a produção musical carnavalesca é bem pobre, tanto nos blocos, quanto nos bailes ou nas escolas de samba. Recentemente, para estimular um gênero que estava praticamente extinto, foi criado o Concurso de marchinhas, realizado todo ano na Fundição Progresso, na Lapa. Diante disso, boa parte das marchinhas ou sambas entoados nos milhares de blocos e bailes espalhados pela cidade, são uma ode ao passado.
Em 2009, fim da primeira década do século XXI, pôde ser observado o quanto o carnaval do Riotem crescido e atraído turistas, além de manter os cariocas na cidade. Os blocos são inúmeros e vivem o dilema de crescerem, e aí superlotarem seus cordões, perdendo assim suas identidades. Diante dessa situação, blocos dissidentes surgem dos maiores provocando uma hereditariedade contínua dos mesmos, iniciando a folia carioca mais cedo e encerrando mais tarde. Concentrações divulgadas ao grande público com horários incorretos são uma tática adotada pelos grandes blocos para evitar a superlotação.
Já as Escolas de Samba tem se profissionalizado cada vez mais, principalmente com o fluxo de mão-de-obra. Não à toa, o Paulinho Mocidade é o intérprete da Imperatriz Leopoldinense, e o Dominguinhos do Estácio puxava a Viradouro. Neste ano, os grandes campeões da sempre contestada disputa do carnaval foram os Acadêmicos do Salgueiro, tradicional escola do Morro do Salgueiro, na Tijuca, com o enredo “Tambor”, finalizando assim uma hegemonia da Beija-Flor de Nilópolis, que, entretanto, manteve força, sendo a vice-campeã com uma apresentação perfeita tratando do “Banho”. O Império Serrano, mais uma vez foi maltratado pelos jurados, caindo novamente, e de forma injusta, ao grupo de acesso, de onde vem a tradicional, e há algum tempo ausente, União da Ilha do Governador. Como diria o estudioso do samba, e salgueirense, Haroldo Costa: “Quando o Salgueiro mexe com África, sai de baixo!” E assim o foi, tanto que o Salgueiro encerrará o desfile das campeãs, sábado, que terá também a Mangueira, Grande Rio, Vila Isabel, Portela e Beija-Flor.
Hoje minha avó Marina Corimbaba Guimarães faria 109 anos. Uns 30 anos atrás, meu avô Fábio (na foto com ela) já tinha morrido e eu às vezes dormia na cama dela. Ganhava o copo de leite que ela deveria tomar e ela contava histórias (lembro da Dona Baratinha) em capítulos. E coçava minhas costas, com umas unhas longas pintadas de vermelho que faziam um barulhinho delicioso quando roçavam a pele. Ela morreu pouco depois.
"A vida dela era os outros. Por isso, sozinha desde os 17 anos, num mundo sem lugar para ela, projetou-se no trabalho, no amor, na família e em todos com que entrava em contato. Uma perfeita mulher do século XIX e, ainda assim, sem preconceitos, discriminações, distâncias", resume meu pai. Aos 17 anos, Marina ficou órfã. Foi então trabalhar. Virou professora e tomou as rédeas da própria vida. Só conheceu meu avô quase 20 anos depois, porque foi morar numa pensão mantida pela família dele. Ela tinha 36 anos, ele 30. Se casaram e ela ainda conseguiu ter 3 filhos - sorte a minha que ainda deu tempo, meu pai é o caçula.
Determinada, ela estimulou o marido a estudar e até a fazer doutorado nos Estados Unidos. Ele acabou se tornando um geógrafo de destaque, um dos pioneiros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (veja aqui notícia que escrevi há uns anos).
Foi essa determinação que minha mãe usou em fevereiro de 1978, quando estava já cansada do calor da gravidez. Perguntou à sogra quando o nenê nasceria. "Amanhã", foi o veredito. Meu irmão nasceria no dia seguinte.
Minha avó materna sempre contava que Marina ensinava todas as empregadas do prédio, em Copacabana, a ler e escrever. Dizem também que havia sempre uma grande população flutuante na casa, tanto na sala (amigos diversos) e na cozinha (protegidos diversos). Minhas próprias lembranças são cenas e imagens vagas.
Hoje também seria aniversário de Charles Darwin, como qualquer pessoa que viva neste planeta internético já terá ouvido dizer. Se ele pudesse ter vivido 200 anos, hoje estaria certamente impressionado com tudo o que se aprendeu nos 150 desde que publicou A origem das espécies. Aposto como acompanharia todos os avanços e continuaria tentando sintetizar novas teorias. Faltam hoje pessoas que, como ele, tenham a paciência, a determinação e os meios para se isolar e pensar, pensar, pensar. E fazer experimentos, e escrever, e juntar pecinhas de um quebra-cabeças infinito.
Darwin e Marina são pessoas que fazem falta no mundo.
Lagartas das simpáticas borboletas Maculinea rebeli (ao lado, tirei a foto daqui), da Europa Ocidental, são boas de disfarce. Ainda pequenas, são carregadas pelas formigas-vermelhas Myrmica schencki para dentro do formigueiro. Ali acontece 95% do seu crescimento, sob os cuidados prestimosos das formigas.
Pesquisadores de Turim, na Itália, e de Oxford, no Reino Unido, explicam na última edição daScience: as taturanas imitam o som produzido pela formiga rainha, assim induzem as operárias a cuidar delas como se fossem integrantes essenciais da colônia.
Soube desse artigo pela edição de hoje do meu podcast favorito, "the naked scientists". No site, além do podcast, está a transcrição (em inglês) do programa e até os sons produzidos pela formiga monarca e pelas larvas de borboleta. Com gravações, os pesquisadores verificaram que as operárias reagem de maneira similar aos dois sons, embora nossos ouvidos detectem a diferença.
Parece familiar? Não estou escrevendo duas vezes sobre a mesma coisa nem me enganei antes. Há umas duas semanas mencionei um texto do Fernando Reinach sobre lagartas que imitam o cheiro das formigas. Nesse caso eram outras espécies, bastante aparentadas, tanto da formiga como da borboleta de que falo hoje. Os autores do artigo mais recente (diferentes do artigo anterior, também publicado na Science) sugerem que as taturanas M. rebeli devem usar os dois mecanismos: cheiro para atrair as formigas e som quando já estão dentro do formigueiro.
Febre, dor de cabeça, dor no corpo, prostração. Quando soube do trabalho do veterinário Marcelo Labruna, da USP, eu estava com esses sintomas. São os da febre maculosa, mas também de um bom resfriado comum.
A primeira doença é transmitida por carrapatos, sobretudo o carrapato-estrela (Amblyommacajennense), o da foto ao lado tirada pelo próprio Labruna (repare que ali estão cinco fases de vida do bicho, desde o minúsculo micuim até o carrapatão alimentado). Se diagnosticada cedo, basta um antibiótico. Caso contrário, surgem manchas na pele (as tais máculas), extremidades começam a necrosar e o paciente pode perder dedos e até morrer, em até 40% dos casos.
Não há motivo para pânico porque a doença é rara. Labruna e seus alunos andam pelo mato à busca de carrapatos infectados, deixam-se picar à vontade (o que não é o amor pela ciência...) e investigam o próprio sangue todos os anos em busca de sinais da doença. Nunca encontraram.
Mas se você (como eu) frequenta lugares onde há mato e carrapatos associados a cachorros ou capivaras, melhor ficar de olho. Eu estava só resfriada e sobrevivi, como previu o médico que eu, morrendo de vergonha da minha hipocondria, consultei.
Isso foi antes de eu ir conversar com o Marcelo dos carrapatos, como é conhecido na faculdade de Veterinária, e escrever a matéria que saiu na edição de janeiro de Pesquisa FAPESP. Agora acho que eu não teria tanta vergonha de tirar os sintomas a limpo.
O Carl Zimmer pediu ajuda dos leitores de seu blogue The Loom para preparar uma lista de textos memoráveis de divulgação de ciência. Deu preferência aos disponíveis na internete. Ponho aqui não só como dica (li um ou outro), mas também para ter à mão para sempre que tenha um tempinho.
Quem lembrar de outros, não deixe de avisar nos comentários. Quem sabe não fazemos uma lista ainda mais completa, quem sabe com textos em português também?
A comunidade científica anda preocupada com a possibilidade de cortes importantes no financiamento do governo para ciência. Alguns blogues que se manifestaram: o Brontossauros e o 100nexos.
Se os cortes se concretizarem, muitos dos pós-graduandos perderão suas bolsas e muita pesquisa ficará inviável. Se quiser juntar-se ao protesto, está aqui uma petição.
Tem pouca coisa mais inebriante do que um jasmineiro em flor. Aquele cheiro que enche a noite e atrai mariposas polinizadoras.
A matéria de capa da Pesquisa de janeiro foi justamente sobre o olfato. Bettina Malnic, do Instituto de Química na USP, dedica sua vida profissional a entender como as moléculas odoríferas são detectadas pelos receptores olfativos e como essa informação chega ao cérebro. Não vou tentar reformular, já deu trabalho que chegue escrever o texto.
Vale também ler a resenha que o Carlos Hotta fez sobre o livro da Bettina, O cheiro das coisas, publicado no ano passado pela Vieira & Lent. Que, aliás, também recomendo.
A Bettina será também uma das entrevistadas no programa "Pesquisa Brasil", que vai ao ar pela Eldorado AM no sábado às 11h. Dá para ouvir pela internete.
E, falando em cheiros, esta semana a coluna do Fernando Reinach no Estadão está sensacional: conta como uma lagarta engana formigas para faturar proteção e cuidados. Tudo com base em cheiros! Veja aqui, reproduzido no Jornal da Ciência online.
Ouvi recentemente, no podcast "Berkeley Groks", uma entrevista bem interessante com a psicóloga Lara Honos-Webb, autora do livro The Gift of Adult ADD [O dom do DDA adulto].
Foi nos Estados Unidos que ouvi falar pela primeira vez em distúrbio de déficit de atenção, acho que em 1998. Naquela época não se falava muito no assunto aqui no Brasil, mas lá descobri que era praticamente uma epidemia. Soube que muitas crianças eram medicadas para ficarem mais concentradas e sob controle, e que algumas escolas inclusive separavam essas crianças em ônibus e turmas especiais, para que não importunassem - ou contaminassem - as "normais".
Mas minha convivência não foi com crianças. Eu era monitora de uma matéria de graduação e, quando chegou a hora da primeira prova, uma aluna me apresentou um documento da universidade dizendo que ela tinha déficit de atenção e tinha direito a condições especiais para fazer provas: uma sala só para ela e o dobro do tempo. Exigências que deveriam valer para todos, porque as provas lá eram um exercício de velocidade no manejo da caneta. Tempo para pensar, de jeito nenhum.
Pois essa tal aluna era brilhante. Estava sempre tendo ideias, toda aula tinha perguntas inteligentes e interessantes. Que saíam do óbvio. Era isso, pensei, que definia o tal déficit de atenção. A pessoa não consegue se concentrar numa coisa só porque o cérebro está vendo mil coisas e tendo mil ideias ao mesmo tempo. Me pareceu um desperdício tentar "curar" aquela moça.
É exatamente isso que o livro fala. Pessoas com déficit de atenção têm talentos: parece que o distúrbio é comum entre bombeiros, que têm que tomar decisões drásticas e arriscadas muito depressa, e jornalistas, que a cada dia têm que mergulhar num assunto completamente novo. O conselho dela para essas pessoas na verdade vale para qualquer um: em vez de tentar ser como todo mundo, ganha-se muito mais em reconhecer os talentos e gostos de cada um e investir naquilo.
O tema deste mês no roda de ciência - que começou no mês passado mas só agora consegui espiar - vem da minha curiosidade sobre quais são os grandes temas atuais na ciência.
Em biologia muito das últimas décadas se concentrou em genomas. Obter seqüências e mais sequências (estou tentando embutir a reforma ortográfica nos meus dedos, nem sempre com sucesso), sem falar nas discussões sobre reducionismo: será que esses sequenciadores acham que tudo vai se resumir aos genes? Doenças, gostos, bebês sob medida...
Eis que, alegria dos que temem o reducionismo, nos últimos anos ficou bem claro que os genes no fundo mandam pouco. Há uma infinidade de pequenas moléculas, como os RNAs (veja aqui matéria que fiz sobre isso), que controlam a ação do material genético. Duas pessoas podem ser geneticamente idênticas, como gêmeos univitelinos, e ter diferenças físicas devido a esses mecanismos de regulação, por sua vez influenciados pelo ambiente. Dois animais podem ter sequências muito parecidas em seu DNA, mas serem diferentes pelo mesmo motivo. Chimpanzés e humanos são mais diferentes do que a pouca diferença genética poderia fazer supor.
E tem a epigenética, de que o João já falou neste blogue, que mostra como o ambiente afeta diretamente a expressão dos genes - e isso pode passar de uma geração para outra (sim, herança de caracteres adquiridos, para quem já estudou a teoria evolutiva de Lamarck).
O que já se sabe sobre esses mecanismos é ainda muito pouco. Não sei se será uma revolução ou, como disse o Osame comentando o João Carlos, uma evolução. Mas gostaria de ver o dia em que geneticistas conseguirão finalmente entender como tudo isso se integra e funciona. Não sei se é possível.
Em astronomia, o João Carlos já mencionou: a busca pela matéria escura e pela energia escura, que compõem a maior parte do universo, parece ser o santo graal do momento.
E tanto se falou do acelerador de partículas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, o Grande Colisor de Hádrons. Quando finalmente for (re) posto em ação, físicos pretendem encontrar partículas que só existem na teoria.
E os químicos, o que procuram? E os paleontólogos?E os...? Será que é possível prever uma revolução? Ou por definição essas quebras de paradigma da ciência só acontecem de surpresa?
Cadê os filósofos???
Estas ideias jogadas são parte da discussão do roda de ciência. Comentários aqui, por favor.
Uma mata fragmentada como essa que fotografei no interior de São Paulo - sobrou alguma coisa nos topos dos morros, ilhados por cana-de-açúcar - não padece só por falta de espaço.
Os pequenos trechos de mata não têm como sustentar certos tipos de plantas e animais e se tornam empobrecidos não só em termos de espécies, mas também em processos ecológicos.
Leia o texto que escrevi e saiu na Pesquisa Fapesp de novembro.
O ciclo de palestras complementar à exposição Einstein, promovido pela revista Pesquisa Fapesp em parceria com o Instituto Sangari, está em seu penúltimo fim de semana.
No dia 6 de dezembro, sábado, às 15h, o físico e pesquisador da Unicamp Yurij Castelfranchi falará sobre "Quando Einstein falhou: a luta contra os moinhos de vento quântico", e Cássio Leite Vieira, físico e jornalista (RJ), sobre "Os gostos e desgostos de Einstein".
No domingo, dia 7, às 11h, será a vez Luiz Davidovich, físico e professor da UFRJ, com a palestra "Einstein, a luz e a matéria".
Castelfranchi vai falar da batalha intelectual de Einstein, ao lado de alguns dos maiores cientistas da época, em busca de uma teoria unitária do funcionamento do universo. Ele pretendia demonstrar que "Deus não joga dados", como ele dizia, e que a física quântica, da qual ele mesmo tinha sido um dos pioneiros, era na verdade uma descrição incompleta, provisória e incoerente do mundo. "Einstein perdeu a batalha contra a física quântica, mas deixou um legado admirável de coerência, honestidade intelectual e paixão", acentua Castelfranchi.
Cássio Leite Vieira mostrará que Albert Einstein, em paralelo à grandiosidade de cientista, era também uma pessoa comum, que gostava de velejar, comer lentilhas com salsicha, fumar cachimbo e de não usar meias. Era também um amante da música, que tocava violino, que só deixou de lado porque disse que não agüentava mais ouvir a si mesmo. Einstein amava Mozart. Seu maior temor era a idéia de um dia ter que prestar o serviço militar. Tinha acesso de raivas e num deles acertou a cabeça da irmã com uma bola de boliche. Já adulto, um de seus maiores temores era um conflito nuclear em escala mundial.
No domingo, dia 7, Davidovich mostrará que as idéias de Einstein resultaram em aplicações hoje rotineiras como o laser. Einstein também ajudou a moldar concepções revolucionárias e contra-intuitivas sobre a luz e a matéria. Ele vai contar de algumas das principais contribuições de Einstein para o entendimento das características quânticas da luz e da matéria: a dualidade onda-corpúsculo, o fenômeno do emaranhamento e o processo de emissão de luz por átomos, cuja compreensão foi fundamental para a invenção do laser.
Para quem estiver em São Paulo, recomendo vivamente ir ver o trabalho da Angela Leite. Ela representa a fauna brasileira em gravuras e desenhos lindíssimos. Veja um pouco aqui.
O ciclo de palestras complementar à exposição Einstein, promovido pela revista Pesquisa Fapesp em parceria com o Instituto Sangari, prossegue no próximo dia 29 de novembro, sábado, às 15h, com as palestras de José Luiz Goldfarb, físico, historiador da ciência e professor da PUC-SP, "Albert Einstein e Mario Schenberg nas fronteiras da ciência no século XX", e de Maria Cristina Abdalla, física e professora da UNESP, sobre o filme "O discreto charme das partículas elementares", que será exibido em seguida.
No domingo, dia 30, às 11h, Arthur Miller", professor emérito de história e filosofia da ciência do University College, Londres, conduzirá a palestra "Como Einstein e Picasso inventaram o século XX".
José Luiz Goldfarb destacará os principais pontos do percurso científico, filosófico, artístico e político do físico brasileiro Mario Schenberg, que Einstein conheceu no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Estados Unidos. Para Goldfarb, Schenberg representa o pensador brasileiro que mais se aproxima de Einstein, não apenas por suas contribuições científicas, como o efeito URCA (confundido como Ultra Radiation Catastrophe, na verdade referência ao Cassino da Urca do Rio de Janeiro), mas também por suas reflexões sobre os fundamentos da ciência e por suas convicções políticas. Além de grandes cientistas, Einstein e Schenberg são dois grandes pensadores e humanistas, preocupados com os destinos da humanidade e do impacto das aplicações do conhecimento científico. Maria Cristina Abdalla vai contar como seu livro O discreto charme das partículas elementares, publicado pela Editora Unesp em 2006, transformou-se em um filme homônino.O filme apresenta as partículas elementares como os quarks e os léptons, aproximando-as das grandes estruturas do Universo, tem 44 minutos de duração e será exibido em seguida.
Arthur Miller mostrará que o fato de Albert Einstein ter chegado à Relatividade e Pablo Picasso ao cubismo quase simultaneamente, na primeira década do século XX, decorre da vida freqüentemente turbulenta de cada um deles, da busca incessante por idéias novas e da inspiração, vinda de fontes incomuns, que levou a saltos criativos. Miller, que escreveu um livro sobre a genialidade de Einstein e de Picasso, vai também explorar as similaridades da criatividade entre artistas e cientistas.
O ciclo de palestras complementar à exposição Einstein, promovido pela revista Pesquisa Fapesp em parceria com o Instituto Sangari, prossegue hoje, às 15h, com as palestras de Lino de Macedo, professor de psicologia do desenvolvimento da USP, "Piaget, Einstein e a noção de tempo na criança", e de Carmem Prado, física e professora da USP, "Movimento browniano, Caos e fractais". Amanhã, dia 23, às 11h, George Matsas, físico e professor da Unesp, falará sobre "Buracos negros: rompendo os limites da ficção".
Sábado:
Macedo conduzirá a palestra com base em três objetivos. Primeiro, apresentar problemas sobre tempo (o da espera, do interesse, do esforço e outros) e, por meio deles, refletir sobre significados do tempo e como as crianças os compreendem. Segundo, analisar porque Piaget confirma experimentalmente idéias de Einstein sobre a relatividade do tempo. Terceiro, propor atividades para alunos da Educação Infantil e da Escola Fundamental. Foi Einstein que sugeriu algumas das idéias que Piaget tratou no livro "A noção do tempo na criança".
Carmem Prado apresentará de forma simples e intuitiva o que são os objetos geométricos chamados hoje de fractais, exemplificados pela trajetória descrita por uma molécula em movimento browniano, estudado por Einstein. Ela contará como os fractais saíram do mundo imaginário e nada intuitivo dos matemáticos para entrarem de vez no mundo real, onde estão ligados à idéia de caos. Ela também mostrará como, na evolução dos conceitos científicos, as idéias têm o seu tempo, vão e voltam, reinterpretadas e recolocadas à luz de cada novo contexto experimental e teórico.
Domingo:
Matsas abordará, também de forma descomplicada, o que são, como se formam, quão grandes são e de que são feitos os buracos negros. O que acontece quando algo penetra em seu interior? Podem ser uma ameaça à Terra? Ele também explicará por que buracos negros podem se tornar a porta de entrada para a chamada cidade proibida da física teórica: a gravitação quântica, que deve compatibilizar a relatividade com a física quântica e sobre a qual muito se especula, mas quase nada se sabe.
Entrada franca.
Pavilhão Armando de Arruda Pereira (antigo prédio da Prodam), Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo, SP