21 dezembro 2006

Falar simples na roda de ciência

Simples,

o quê? para quem?

...para o leigo,

informado?
intelectual?

conformado?
alienado?

digital?

operário?

eficiente?

suficiente?

camponês?

sem-terra?

transgénico?

clonado?

eleito?

povo?

néscio?

o leigo? [agora de baixo para cima,e para baixo outra vez!]


Simples para muitos,

e ainda complexo para a maioria.

Para este, duas frases cifradas

para aquele, o cosmos,

ou o caos.

Àqueloutro, simplificar a história da
grande explosão,

ou do grande salto em frente,

do camarada Mao,
e do bom Adolfo.
Haverá sempre aqueles que,
uma, outra vez, e sempre,
quererão ouvir a história da criação

deus salva, é fiel e fala simples,
ao coração,
É bom de concluir,

quem ganhará a parada!?
Mas então,
não haverá salvação,
do destino traçado na escritura fatal?
Mas sim, mas sim,
curiosamente,
anunciada de forma simples,
em várias escrituras fatais,
bíblias, origens das espécies,
e outras que tais:
procriai-vos, replicai-vos!
No vosso rebanho,
induzí a fala simples,
do pensamento complexo,
e o inverso como exercício lúdico,
o culto ao símbolo,
e seus propágulos,
sentidos múltiplos,
múltiplos leitores,
multi-formato,
leitor múltiplo,
verso e reverso,
evoluído,
de Alexandria para Thistledown,
pois está na boa tradução,
a alma da solução.

Excerto do manifesto do Movimento pelo Bolsa-Ciência do Brasil (MCBC).

Para fazer algum comentário ou para ler outros textos do debate "Falar e escrever simples...", rebole-se aqui na
Roda de ciência.


15 dezembro 2006

Mamíferos descobertos

Extinções são uma grande preocupação hoje em dia, com as cidades tomando o lugar das florestas em boa parte do mundo.
Muitas vezes perdemos animais e plantas que nem chegamos a conhecer, ainda há muito a descobrir.
Novas espécies são descobertas o tempo todo, notícia boa mas alarmante também - é difícil proteger o desconhecido.
Acaba de sair um novo número da revista Pesquisa Fapesp, que traz um texto meu sobre novas espécies de mamíferos. Ele pode ser lido aqui, mas vale a pena dar uma olhada na revista impressa - é mais gostoso de ler e o tratamento gráfico é de primeira.

10 dezembro 2006

DNA e sensacionalismo

Não canso de me impressionar como tudo o que diz respeito ao material genético - o humano, sobretudo - ganha proporções exageradas, vira manchete de jornal, assunto para a hora do café no trabalho. "Você viu? Descobriram que o DNA não é nada como se pensava!", e por aí vai. É muito fácil afastar-se rapidamente do que realmente dizem os artigos científicos.

O assunto do mês passado, que deu origem à capa ao lado no jornal britânico The Independent, foi a descoberta de uma variação inesperada no DNA de humanos. A informação vem de dois artigos, um deles na Nature de 23 de novembro.

Os pesquisadores responsáveis pelos artigos reanalisaram as seqüências obtidas no Projeto Genoma Humano e encontraram uma variação imensa que não vem de substituições na seqüência do DNA, mas de repetições ou deleções de partes do material genético. Uma mutação do tipo "clássico" transformaria um gene com seqüência AATGCCTGACTGAGGGTT em
AATGCCTGTCTGAGGGTT, por exemplo. O que se viu, ao contrário, foi algo do tipo AATGCCTGACGACGACGACTGAGGGTT. Esse tipo de alteração foi detectado em 12% dos genes, e pode representar uma diferença de milhares de bases (cada uma dessas letras) entre uma pessoa e outra. Os geneticistas sugerem que, como vários dos genes com esse tipo de variação estão ligados a doenças, talvez venha a se verificar que o número de repetições tenha algo a ver com propensão a desenvolver tais enfermidades. Pus o itálico para chamar atenção para a cautela expressa nos artigos científicos, que parafraseei livremente.

A revista Pesquisa Fapesp de dezembro traz na seção "Laboratório" de sua edição de dezembro um resumo para lá de sumário do artigo da Nature. A decisão por apresentar o achado numa pequena nota foi consciente. Afinal, a descoberta é importantíssima, pois abre caminho para vasculhar o material genético com mais discernimento e tentar compreender como ele funciona, mas passa muito longe de representar "o livro da vida reescrito", como apresentou o Independent.

A culpa pelo sensacionalismo não é totalmente da imprensa. A Nature e outros organismos de apoio a jornalistas produzem textos já mastigados, muitas vezes simplesmente reproduzidos em meios de comunicação. No mínimo servem de guia. Esses releases destacavam a diferença entre pessoas, que pode ser maior do que se esperava, e a importância para manifestação de doenças. A imprensa repetiu esses destaques, às vezes com certo exagero como no caso do Independent.

Procurei nos artigos originais qual seria então a semelhança entre eu e você, se não é 99,9%. Não encontrei. Porque não era mesmo o ponto central. Esse número é ainda mais interessante porque na semana anterior as revistas Science e Nature tinham publicado artigos sobre o genoma seqüenciado do homem de Neandertal, a espécie extinta mais aparentada à nossa. Aí sim, um dos pontos centrais era a semelhança entre eles e nós, 99,5%. Segundo o Estado de São Paulo, o artigo da Nature de 23 de novembro estabelece essa mesma semelhança entre dois humanos atuais. Será então que o neandertal era a mesma espécie, na verdade? O espaço para especulações é imenso. Na brincadeira com os números, a diferença entre eu e você chegou a 12% em algum jornal - uma transposição selvagem da variação que foi encontrada em 12% dos genes.

Quanto à questão da propensão a doenças, ela ainda é mera especulação. Aposto que se passará muito tempo ainda até que se descubra como - e se - essa variação se manifesta no funcionamento do genoma, e mais ainda até que se avalie seu impacto na saúde das pessoas. Marcelo Leite, em sua coluna na Folha de São Paulo (reproduzida no blogue Ciência em dia - texto "Bíblia de araque", 3 de dezembro de 2006), aproveitou o assunto para reforçar sua cruzada anti-determinismo. Claro, ainda temos muito a descobrir sobre o que há entre a seqüência do DNA e suas manifestações no organismo; mas não há aí nenhuma munição para dizer que o genoma na verdade não tem tanta influência assim sobre nós.

É preciso mais cuidado, ao escrever sobre genes e afins. É muito fácil desinformar. Não consigo deixar de comentar uma notinha na Folha de São Paulo de hoje. Uma análise do DNA em uma amostra de sangue teria provado que o motorista responsável pela morte da princesa Diana tinha bebido muito mais do que o permitido pela lei francesa. Fiquei fascinada: de onde tiraram uma amostra de sangue a esta altura?!?!? E acima de tudo, desde quando o DNA traz informações etílicas?!!! Ufa, o João achou a notícia na BBC: a análise foi feita na época, mas contestou-se que o sangue seria do motorista. Parece que foi isso que a análise mostrou, o sangue era dele mesmo. Já estava preocupada com a cervejinha de ontem à noite escrita nos meus genes...


07 dezembro 2006

Aves da Mata Atlântica


Será lançado hoje em São Paulo o livro acima, na livraria Cultura do Shopping Villa Lobos. Ainda não vi o livro, mas as fotos de Edson Endrigo são sempre lindas e revelam aos olhos esses animais que encantam tanta gente mas são tão difíceis de ver... A riqueza da Mata Atlântica é imensa e merece ser explorada.


05 novembro 2006

Ciência e Saúde com poesia

Quem lê as colunas de Drauzio Varella na Folha de São Paulo já sabe o que esperar desta coletânea de ensaios que acaba de sair pela Companhia das Letras. Quem não lê, terá o prazer adicional da surpresa.

A maravilha desses textos é que eles são absolutamente informativos a respeito de temas científicos e médicos, mas são também muitas vezes de um lirismo que embala a alma.

"A vida na Terra é um rio que começou a correr há quase 4 bilhões de anos, e chegou até você e eu no meio de uma diversidade espetacular: leões, mosquitos, coqueiros, bactérias, algas marinhas e dezenas de milhões de outras espécies". Assim começa o livro, e é por esse rio que Drauzio Varella nos conduz ao longo das mais de trezentas páginas que se seguem.

Alguns textos são cheios de poesia, outros mais pragmáticos descrevem mazelas de saúde e afins. Todos aumentam nosso conhecimento sobre o mundo, sobre o nosso dia-a-dia, sobre o funcionamento do corpo humano. E muito mais.

Tive a sorte de organizar o volume, o que quer dizer que li e reli todos os textos. O mundo ficou mais claro, e seus mistérios mais bonitos. Junto minha voz à do autor: "Com todo o respeito pelos que acreditam ter sido o homem criado por um sopro transcendental, a visão de que a vida surgiu aleatoriamente, há quase 4 bilhões de anos, a partir de moléculas capazes de fazer cópias de si mesmas e que, através da seleção natural, formaram seres tão díspares quanto bactérias, árvores e mamíferos encerra mais mistério e poesia."

Como este texto tem a ver com o tema em discussão na Roda de Ciência, por favor deixe comentários aqui.

01 novembro 2006

1421

Finalmente foi publicado no Brasil o livro 1421 – O ano em que a China descobriu o mundo (Ed. Bertrand Brasil). Da autoria de um oficial reformado da marinha britânica, Gavin Menzies, a obra revoluciona o que se pensava saber sobre as viagens marítimas do séc XV. Para aguçar o apetite basta dizer que talvez não tenha sido james Cook o primeiro a chegar até à Austrália, nem Pedro Álvares Cabral o primeiro a navegar até ao Brasil e muito menos Colombo até...onde mesmo? É muito provável que os chineses tenham chegado primeiro, nas suas viagens de exploração e descoberta ao redor do mundo, entre 1421 e 1423. A Revista Época poupa-me o trabalho de vos contar mais detalhes da investigação detetivesca de Gavin Menzies, publicando este mês uma excelente matéria sobre o livro que pode ser lida aqui.

Já tinha lido o livro há algum tempo, na sua edição lusitana (Dom Quixote, 2004) e é pena que apenas agora esteja disponível no Brasil, sendo o tema relevante para a sua história. O livro poderá ser polémico, mas com certeza fascinante. No final, aceitando a hipótese de 1421, fica a pergunta de como o mundo teria sido diferente se a China não tivesse resolvido abandonar as Viagens devido a várias fatalidades que atingiram o império logo após a armada ter zarpado.

É que a China do então imperador Zhu Di não parecia ter intenção de colonizar, o seu fim era o conhecimento do mundo à sua volta e o estabelecimento de uma rede de comércio mundial mais ou menos “livre”. Pois eu diria que já vamos com quase seis séculos de atraso!

21 outubro 2006

Arte e ciência na roda

Este texto faz parte da discussão de outubro na Roda de ciência: a relação entre ciência e arte.

Entre as muitas abordagens possíveis, acabei chegando ao que busco no meu caminho profissional: falar de ciência com arte, e quem sabe até mesmo falar de arte com ciência.

Me lembrei de um dia de trabalho de campo, quando eu era bióloga em tempo integral. Estava na Patagônia, andando de um lado para o outro com uma antena que captava sinais de coleirinhas instaladas em tuco-tucos - uns roedores subterrâneos de charme inigualável. De vez em quando um deles espiava para fora da toca, dava um grito pra me avisar que estavam de olho em mim. Aquela paisagem fantástica, os bichos que rondavam - lebres, cavalos, guanacos, raposas... e eu ali tentando entender a relação dos tuco-tucos com a natureza. Me ocorreu que o que me fazia ser bióloga era a poesia embutida na vida. Descobri que vinha daí uma certa sensação de peixe fora d'água, não chega a ser um motivo muito acadêmico pra se fazer ciência. Acho que começou aí a estrada que me fez continuar perto da biologia, mas olhando de fora o fazer científico.

Li um texto que adorei na revista piauí, cujo primeiro número está nas bancas. Se chama "A primeira menina do mundo" e conta a história de Salem, que morreu aos três anos de idade há mais de 3 milhões de anos, e teve seu esqueleto encontrado recentemente. O texto é literário. E o texto é científico. É saboroso, conta como se fosse ficção. Mas está tudo ali, todo o contexto e significado científico da descoberta. Fiquei extasiada, pensando que é por aí que quero caminhar.

Não é caminho fácil. Quando me embrenho num assunto científico, volta e meia o texto fica seco e acadêmico. E se tento fugir disso, tem logo ali o precipício da imprecisão. Não é fácil. Mas é delicioso.


Mais sobre o tema no Roda de Ciência
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15 outubro 2006

II Mostra de Ciência no Cinema em Campinas

O Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), a Faculdade de Educação (FE) e o Museu Exploratório de Ciências da Unicamp convidam para a II Mostra de Ciência no Cinema, entre os dias 16 e 22 de outubro. Neste ano, a Mostra acontecerá em três locais na cidade de Campinas, cada qual com suas sessões: no Museu de Imagem e do Som (MIS), na NanoAventura e no Planetário do Parque Taquaral. A mostra faz parte das atividades da III Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e vai abordar questões ligadas à biotecnologia como clonagem humana, melhoramentos genéticos, da transformação do corpo, entre outros. Após cada sessão, haverá um espaço para discussão, com um palestrante convidado. Contamos com a sua participação!

Confira a programação:

Museu de Imagem e do Som (MIS)
De 17 a 19 de outubro
Rua Regente Feijó, 859 - Centro
Sessões às 16h30

*Dia 17 (Terça-feira): Tudo sobre minha mãe. Palestrante convidada: Carolina Cantarino (Labjor-Unicamp).
*Dia 18 (Quarta-feira): A batalha dos vegetais. Palestrante convidada: Susana Dias (Olho/Labjor-Unicamp).
*Dia 19 (Quinta-feira): Código 46. Palestrante convidada: Germana Barata (Labjor- Unicamp).

NanoAventura
De 16 a 20 de outubro
Localizada no antigo Observatório a Olho Nu (Obonu)/ Unicamp
Sessões às 17hs
*Dia 16 (Segunda-feira): Curandeiro da Selva. Palestrante convidada: Senilde Guanaes (Faculdade de Jaguariúna)
*Dia 17 (Terça-feira): Código 46. Palestrante convidada: Marta Kanashiro (CteMe/Labjor-Unicamp).
*Dia 18 (Quarta-feira): Os doze macacos. Palestrantes convidados: Wagner Geribello (PUC-Campinas) e Cristina Bruzzo (Olho/FE-Unicamp).
*Dia 19 (Quinta-feira): A batalha dos vegetais. Palestrante convidada: Flávia Natércia (Labjor-Unicamp).
*Dia 20 (Sexta-feira): Tudo sobre minha mãe. Palestrante convidado: Wencesláo Machado de Oliveira Júnior (Olho/FE-Unicamp).

Planetário/Taquaral
De 21 e 22 de outubro
*Dia 21 (Sábado):
14hs - X-Men 2. Palestrante convidado: Gazy Andraus (ECA-USP).
17hs - A mosca. Palestrante convidado: Edgar Franco (PUC-Minas Gerais).
*Dia 22 (Domingo):
14hs - A batalha dos vegetais. Palestrante convidado: Elenise Andrade (Olho/FEUnicamp).
17hs - Código 46. Palestrante convidado: Antonio Carlos Amorim (Olho/FE-Unicamp).

13 outubro 2006

Visite o passado na Fazenda Pinhal

"A Fazenda Pinhal é um milagre de beleza", me disse Helena Carvalhosa. É verdade, o lugar é mágico. Helena é bisneta do conde e da condessa do Pinhal, que fizeram da fazenda o que ela foi e o que ainda é, e tem a sorte de poder passar lá o tempo que quiser.

Mas a fazenda é também um hotel, onde vale a pena passar nem que seja um fim de semana. O pomar é sensacional, com suas aléias de jabuticabeiras centenárias. A comida deliciosa, com ingredientes em grande parte produzidos ali mesmo. O cuidado com receber se assemelha ao que um livro (disponível nos quartos, para deleite do hóspede) descreve a respeito dos tempos da condessa: travesseiros "optimos", lençóis bordados do melhor algodão. Nada ostensivo, mas um luxo total. No bom sentido.

Enfim, mas não é esse o assunto. A fazenda Pinhal está na origem da fundação de São Carlos, dali saiu a procissão que fundou a cidade. O conde foi quem estabeleceu a ferrovia que passa por ali e foi fundamental para o progresso do interior de São Paulo. É patrimônio histórico tombado pelo Iphan, e faz isso muito bem. Com o intuito de preservar a memória viva para fins de pesquisa e ensino, a fazenda tem associação com diversas universidades e pesquisadores.

Escrevi uma reportagem sobre a maquinaria de beneficiar café, que foi restaurada este ano. Ver funcionar aquela gigantesca máquina do século XIX, feita de madeira e ferro, é emocionante. Tive que ir atrás de saber um pouco mais.

Leia a matéria na Ciência e Cultura.

06 outubro 2006

Olha o passarinho!


Reprodução: Aves brasileiras, Tomas Sigrist

Os amantes de aves estão bem servidos. Há nas livrarias uma proliferação de guias com os quais podem deleitar-se e reconhecer os emplumados que encontram rua afora.

Veja mais no novo número da revista Ciência e Cultura.

18 setembro 2006

As cidades do século XXI

Faz um tempo escrevi sobre transporte sustentável, o que causou uma discussão acalorada com o João Carlos do "Chi vó, non pó".

Estou de férias (daí o sumiço, mas voltaremos), e pelo visto o assunto está muito em pauta aqui na Europa. Fica aqui só um comentariozinho.

Paris está toda em obras. Grande parte delas visa aumentar a área para pedestres em detrimento das ruas, num conceito similar ao defendido por Enrique Peñalosa para Bogotá. Para desespero dos motoristas - o trânsito não está fácil, mesmo. Foram instaladas ciclovias em alguns eixos da cidade, tenho amigos que fazem praticamente tudo de bicicleta. Áreas verdes, corredores de ônibus e um bonde fazem parte do grande projeto de reurbanização.

Li que nos próximos meses 500 voluntários parisienses serão divididos em grupos de trabalho para discutir opções de sustentabilidade para a cidade. Envolve transporte, moradia, uso de energia, reciclagem e tratamento do lixo. No início do ano que vem as propostas surgidas desses fóruns de cidadãos serão analisadas e integradas no plano de ação.

Portugal está estudando formas de impor custos maiores ao uso de carros particulares. Se houver mais pedágios urbanos ou impostos, o deslocamento individual deve tornar-se mais comedido.

O João Carlos achou que eu estava sendo maniqueísta quando escrevi sobre isso, e essas medidas podem parecer autoritárias e inviáveis. Eu mesma tenho um carro e muitas vezes ando nele sozinha. Mas acredito que inviável mesmo é o imenso desperdício (o que é diferente de uso, necessidade) de energia e recursos por parte de cada um de nós. A modernidade possibilita a individualização, que por sua vez virá a tornar nossa vida neste planeta insustentável.

Não sei qual é a solução, mas vou ficar de olho nessas iniciativas. Com certeza haverá algo a aprender com as experiências dos outros países.

20 agosto 2006

Calder no Brasil

Adoro móbiles.

Agora, os do Calder... são um deleite total. São delicados, flutuam de uma forma que parece mágica. Giram, espiam, envolvem. Posso ficar muito tempo olhando, uma conversa.

Como não sou entendida em arte, nas vezes em que vi esses móbiles me limitei a olhar extasiada. E empurrar com a pontinha do dedo nas ocasiões mais especiais, contribuir praquele movimento. Nunca questionei, será arte ou será brinquedo? Quem era esse homem que ganhava a vida fazendo isso?

Agora tenho uma nova perspectiva graças ao livro Calder no Brasil, organizado por Roberta Saraiva e publicado pela Cosac Naify, que será lançado na Pinacoteca de Estado de São Paulo no próximo sábado, dia 26 de agosto. Mas o livro não vem sozinho. A ocasião marca também a abertura de uma exposição de obras de Calder elaborada a partir do trabalho da organizadora do livro.

O livro reúne um texto escrito por Roberta, que pesquisou as passagens de Calder pelo Brasil. O contato do artista norte-americano com este país durou de 1939 a 1975. Adorou o Rio de Janeiro, sobretudo o samba. Fez exposições, fez amigos, foi bem recebido, foi a festas, vendeu trabalhos. Influenciou e foi influenciado.

Essas influências e as discussões que rodearam aquela inusitada expressão artística aparecem em textos da época recolhidos por Roberta. Há diversos, deliciosos, escritos pelo crítico de arte Mário Pedrosa. Aparecem também, entre outros, Jean-Paul Sartre, Henrique Mindlin, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar.

Vale a pena ler o livro antes de ir à exposição. Ou, melhor, sentar nalgum banco da Pinacoteca para ler. Nada mais delicioso do que acompanhar as análises de como Calder utilizava o espaço e inventou uma arte que envolve também o tempo, podendo espiar para fora do livro e ver um móbile flutuar logo ali. Contando sua história também.

O lançamento do livro e abertura da exposição são no dia 26 de agosto, das 11 às 14h.
A exposição fica na Pinacoteca até 15 de outubro.
De terça a domingo, das 10 às 18h.
Praça da Luz, 2 - São Paulo

17 agosto 2006

É possível fazer bom jornalismo de ciência?

O tempo anda escasso, mas a roda tem que girar! E essa pergunta anda como pedra no sapato, queria recolher opiniões sobre ela.

Não tenho dúvidas quanto à importância de se divulgar ciência para o grande público. É muito comum as pessoas, ao saber o que faço (agora jornalismo de ciência, mas era igual quando fazia pesquisa em biologia), me fazerem alguma pergunta sobre uma profunda curiosidade. Algo que viram, algo que pensaram, algo que leram e deixou uma pulga atrás da orelha. As pessoas querem sim saber sobre ciência.

Este ano assisti a uma palestra do biólogo (aposentado) da USP José Mariano Amabis, que falou lindamente (como sempre faz) sobre "O papel do biólogo na educação científica da população". Ele citou Jacob Bronowski, no livro Ciência e valores humanos (1979, Editora Itatiaia): "Qualquer pessoa que abdique do interesse [pela ciência] caminha de olhos abertos para a escravatura".

Segundo Amabis, o biólogo tem papel fundamental em dar acesso ao conhecimento científico e derrubar estereótipos falsos sobre o funcionamento da ciência e sobre a imagem do cientista. Esse papel é desempenhado sobretudo por professores do ensino médio e fundamental. Ele mencionou três ganhadores do prêmio Nobel - Arthur Kornberg (medicina em 1959), Paul Berg (química em 1980) e Jerome Karle (química em 1985), que tinham um ponto comum em sua biografia: uma professora no colégio secundário!

Fora da escola, muito da transmissão do conhecimento científico se dá através de jornais, revistas e televisão. O papel fundamental aí é do jornalista de ciência, seja qual for sua formação.

A meu ver, a formação não é o que mais importa. A maior parte dos jornalistas de ciência em atividade no Brasil se formaram em jornalismo. Por interesse ou circunstâncias, foram atrás de cursos ou leituras para obter embasamento que permitisse escrever sobre ciência. Hoje em dia há cursos de especialização em jornalismo científico, que acolhem pessoas com as formações mais diversas para produzir profissionais capazes de divulgar ciência. Eu acabo de terminar o curso do Labjor, na Unicamp, onde comecei a aprender essa nova profissão. Ainda há muito a aprender, como sempre na vida.

Mas o que é um bom jornalista de ciência? A meu ver, um bom texto é aquele em que a gente bate o olho e precisa ler, os olhos correm e a mente devora aquela informação; que traz idéias e fatos que acrescentem algo ao conhecimento do leitor; que faz o leitor pensar, ter idéias, questionar; com conteúdo equilibrado entre os diversos lados de uma questão. Com certeza pensarei em outros aspectos, mas estes são os que me ocorrem como mais essenciais.

Agora, quantas vezes a gente lê um texto assim? É mais freqüente sermos atraídos pelo título e depois ver no corpo do texto que não era bem assim; ou pior ainda, ir atrás do artigo original e perceber que a mensagem principal foi alterada,
de uma forma ou doutra; ou não passar da terceira linha.

E fico pensando nos erros que eu mesma fatalmente cometi e cometerei. Me entusiasmar por um aspecto da pesquisa e não enxergar o todo; ser convencida por um pesquisador persuasivo e não ver que a discussão envolve outros lados, quem sabe mais corretos; dar mais ênfase do que deveria a algo. Por aí vai. Tá, todo mundo erra. O Marcelo Leite é um dos jornalistas de ciência mais competentes do Brasil, e vez e outra estou eu (e outros) lá no blogue dele protestando porque acho que ele escreveu algo incorreto. Como fazer?

Os blogues têm essa vantagem de permitir a participação de outros, leigos e especialistas. Por isso acredito que tenham um valor imenso em divulgação de ciência - é um espaço onde podemos aprender uns com os outros, e onde leigos vêem através das discussões que não há necessariamente uma verdade única em ciência. Que o conhecimento avança às custas de muitas discussões, de erros e de busca incessante.

Mas não basta. Os leitores de blogues representam uma fração ínfima da população. E mesmo neles, é preciso escrever algo que tenha credibilidade, senão melhor calar-se. Ser bióloga me dá a vantagem de entender com mais facilidade o que leio ou escuto de pesquisadores, dentro da minha área. Por outro lado, quando conheço o tema é difícil não ter opinião - o que pode me levar a ser parcial quando não deveria.

Todos os dias aprendo e busco me aproximar de um bom trabalho. Tenho que acreditar que é possível fazer um bom jornalismo de ciência. Mas tem dias em que o caminho parece tão pedregoso!

Leia mais sobre o tema aqui
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Evolução a sério

Uma dica para quem está em São Paulo. Hoje, entre 4 e 6 da tarde, uma mesa redonda discutirá os "Caminhos da teoria da evolução ontem e hoje: conhecimento científico e expectativa social".

Os palestrantes serão Aldo Mellender de Araújo (UFRGS), Charbel Niño El-Hani (UFBA) e Nelio Bizzo (USP). Não conheço todos, mas promete ser interessante. Confira no convite o tema de cada apresentação.

O debate será na Universidade Presbiteriana Mackenzie: Rua da Consolação, 930.

16 agosto 2006

História da Aids no Brasil

Nos anos 1980 surgiu uma nova epidemia, que veio a ser considerada a maior do século XX. Era a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ou Aids.

A mídia teve a função de apresentar a doença à população num momento em que ainda se conhecia muito pouco sobre suas formas de transmissão e características. A bióloga, jornalista de ciência e historiadora Germana Barata estudou 26 programas em que o "Fantástico" expõe a Aids a seus espectadores.

Germana mostra que o programa refletiu preconceitos e medos que já prevaleciam no inconsciente coletivo, postos em palavras muitas vezes pelos próprios médicos entrevistados. Declarações e imagens reforçaram o preconceito contra a doença que atacava homossexuais e dependentes de drogas, além de exacerbar o medo quanto à transmissão da doença.

A dissertação "A primeira década da Aids no Brasil: o Fantástico apresenta a doença ao público (1983 a 1992) está disponível no banco digital de teses da USP.

08 agosto 2006

Mesa à brasileira

Agora é possível saber a composição nutricional da comida brasileira. A informação está na tabela produzida sob a coordenação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Unicamp.

Foto: Miguel Boyayan
Mais na reportagem que acaba de sair na revista Pesquisa Fapesp.

05 agosto 2006

Ciência e raças humanas

Comento o artigo de opinião do médico, geneticista e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais Sérgio Danilo Pena, sobre “Ciência, bruxas e raças”, na Folha de São Paulo (com acesso aberto no Jornal da Ciência) da passada quarta-feira 2 de agosto.

Interessou-me especialmente a ciência prometida pelo título, mas o seu peso no texto era frustrante: 56 de um total de 716 palavras! Esclareço previamente que li com prazer a quase totalidade das restantes 660 palavras do artigo que não concernem à ciência, e que não comentarei. O artigo começa assim:

“Do ponto de vista biológico, raças humanas não existem. Essa constatação, já evidenciada pela genética clássica, hoje se tornou um fato científico irrefutável com os espetaculares avanços do Projeto Genoma Humano. É impossível separar a humanidade em categorias biologicamente significativas, independentemente do critério usado e da definição de "raça" adotada. Há apenas uma raça, a humana.”

Verifiquei, lendo o resto do texto, que Sérgio Pena pretendeu usar uma verdade científica para “instruir a esfera social”, estabelecendo uma analogia com a perseguição da bruxaria nos sécs. 16 e 17. Lê-se no sétimo parágrafo da edição impressa:

“Analogamente [à revolução científica no séc. 17, que tornou impossível a crença continuada em bruxaria], o fato cientificamente comprovado da inexistência das "raças" deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais.”

Penso que esta afirmação encerra uma armadilha perigosa que tento revelar com a pergunta que deixo no final do texto.

O tema da realidade biológica das raças humanas é complexo e, ao contrário do que Sérgio Pena afirma, não existe uma opinião consensual sobre a questão na comunidade científica. O debate está longe de estar encerrado. O facto concreto que consubstancia a minha afirmação é sumariamente relatado abaixo.

Em 2003, realizou-se um encontro no National Genome Center at the Howard University em Washington D.C. com o título “Human Genome variation and ‘Race’: The State of the Science”, congregando peritos nas áreas de sociologia, antropologia, história e genética, para quebrar um ciclo de décadas de discussões emocionais e pouco científicas sobre a conexão entre genética e raças humanas.

Francis Collins assinou em 2004 um artigo na revista Nature Genetics 36, Supplement com algumas conclusões resumidas desse encontro em 2003. Todos os outros artigos deste suplemento especial da revista são interessantes e estão acessíveis no link acima. Transcrevi um excerto do artigo de Collins entitulado “What we do and don’t know about ‘race’, ‘ethnicity’, genetics and health at the dawn of the genome era”. Transcrevo os seguintes trechos:

"Is race biologically meaningless?

First, it is essential to point out that ‘race’ and ‘ethnicity’ are terms without generally agreed-upon definitions. Both terms carry complex connotations that reflect culture, history, socioeconomics and political status, as well as a variably important connection to ancestral geographic origins. Well-intentioned statements over the past few years, some coming from geneticists, might lead one to believe there is no connection whatsoever between self-identified race or ethnicity and the frequency of particular genetic variants [1,2]. Increasing scientific evidence, however, indicates that genetic variation can be used to make a reasonably accurate prediction of geographic origins of an individual, at least if that individual’s grandparents all came from the same part of the world [3]. As those ancestral origins in many cases have a correlation, albeit often imprecise, with self-identified race or ethnicity, it is not strictly true that race or ethnicity has no biological connection. It must be emphasized, however, that the connection is generally quite blurry bacause of multiple other nongenetic connotation of race, the lack of defined boundaries between populations and the fact that many individuals have ancestors from multiple regions of the world.

In that vein, the National Human Genome Research Institute convened a Roundtable on Race, Ethnicity, and Genetics on 8-10 March 2004, which was attended by a wide range of thought leaders in genetics, anthropology, sociology, history, law and medicine. A report of that meeting is being prepared for publication. The National Human Genome Research Institute is also sponsoring a consortium of funded investigators, known as the Human Genetic Variation Consortium, which is striving to address many of these unanswered questions.
"

Recentemente fui convidado por uma jornalista a expressar a minha opinião de especialista (biologia evolutiva) sobre a realidade biológica das raças humanas. Hesitei porque a diversidade biológica das populações humanas não é o meu objeto de estudo. O meu conhecimento científico dessa realidade resulta mais da leitura crítica de bibliografia científica e material de divulgação sobre a matéria. Por outro lado, a minha especialidade é exatamente o estudo da diversidade biológica (genética e fenotípica) e da sua distribuição (filo)geográfica, das interações genéticas e ecológicas entre populações diferenciadas (hibridação sensu lato e miscigenação), e de processos de especiação. Aceitei o convite.

Decidi aplicar os mesmos critérios de análise biológica que tenho aplicado a outros objetos biológicos (anfíbios) a dados de diversidade genética e fenotípica conhecidos para populações humanas. Explicitarei o meu pensamento detalhado noutra altura. Aqui apenas quero afirmar que não foi fácil chegar a uma conclusão dada a complexidade da realidade biológica. Os dados tanto podem ser usados para apoiar a realidade biológica de raças humanas como usados para concluir que a divisão da humanidade em raças não é a melhor forma de descrever a distribuição da sua diversidade genética. No final, escolhi este último caminho como aquele que é mais coerente com o meu percurso científico conceptual. Só que o meu percurso, a minha forma de ver o mundo como um conjunto de continuidades mais ou menos descontínuas está apenas a um passo de outra forma de ver o mundo, como um conjunto de descontinuidades mais ou menos contínuas. É um simples problema de iluminação de gradientes e de fractais. Lembram-se do fractal? Pois aí está, essa minha visão de mundo resulta da análise de gradientes espaço-tempo em realidades quasi-fractais.

A minha frustração com a comunicação de ciência do cientista Sérgio Pena resulta da aparente leveza da sua abordagem, dando a entender que a verdade anunciada é natural e insofismável perante os dados disponíveis. Mas a análise dos dados disponíveis sobre a diversidade genética humana levanta mais questões do ponto de vista biológico do que aquelas que permite responder. Claramente é necessária mais informação para iluminar os vários debates que se desenham no futuro. Estamos longe ainda de qualquer verdade científica! Assim sendo, penso que a comunicação da ciência à sociedade deveria ser, ou pelo menos parecer, mais rigorosa e cuidadosa.

Termino com uma pergunta a Sérgio Pena. Se surgisse algum dado novo que fizesse pesar o prato da balança em favor da realidade biológica das raças humanas, de que modo deveria essa verdade científica “instruir a esfera social”? Ou não deveria?

Proponho que se debata este tema um dia na(o) Roda de ciência.


Os desenhos do Mazen

Beirute não chorará

Outro dia mencionei o Kerblog, que a cada dia me impressiona. Ontem (que lá já era hoje) ele escreveu um texto que me deixou sem fôlego - sua resposta a um jornalista israelense que queria entrevistá-lo.

Nos comentários, dezenas e dezenas de pessoas do mundo todo manifestam carinho e desejo de fazer algo. Parece que há mensagens de ódio também, que ele apaga. Não vi.

Achei linda uma iniciativa que vi nos comentários. Paul Keller, do blogue "meanwhile...", imprimiu os desenhos de Mazen em folhas A4 e saiu colando por Amsterdam. Veja aqui as fotografias.

Imagino as pessoas em sua vida normal, dando de cara com as imagens no caixa eletrônico. Deve surtir algum efeito. Keller tem em seu blog um linque para quem quiser baixar os desenhos e seguir seu exemplo.

04 agosto 2006

Está no ar o roda de ciência!

Caros amigos, membros ou não do "Roda de ciência" - o novo blogue já está no ar e pronto para começarmos. Para quem chegou agora e não sabe do que se trata, veja aqui.

Está lá um texto de apresentação, temos agora que decidir qual será nosso primeiro tema. Cabeças e mãos à obra!

03 agosto 2006

Roda de ciência

É interessante como a possibilidade de juntar mentes gera novas idéias. É o que acontece com a pequena mas crescente comunidade bloguística lusófona (eu ia pôr brasileira, mas tem o Caio de Gaia que freqüenta estas paragens) para assuntos científicos e afins.

Há um tempo atrás, a Ana Cláudia do Via Gene deu uma sugestão que achei interessantíssima, mas que até onde sei ficou esquecida. Vou copiar o que ela escreveu numa janela de comentário de seu blogue:

…enquanto o tal “super-blog” não é uma realidade, poderíamos combinar alguns “dias temáticos”, tipo assim: a gente elege um tema (“fuga de cérebros” por exemplo) e cada um “viagene”, “semciência”, “ciência&idéias”, “its equal but…”, “gluon”, “pordentrodaciência”, etc) publica um “post-livre” sobre o assunto (experiência própria, opinião, entrevista, perspectiva, prós e contras (estilo SIM e NÃO - da Folha de SP), crítica de algum artigo/opinião, etc.). Parecido com seus fóruns (era em referência ao Osame), mas um formato diferente: poderia ser 1 tema por semana ou a cada 15 dias (de quarta-feira, por ser o dia de maior acessos de blogs/internet). Imagino que isso seria uma inovação (eu acho, se bem que já devem ter feito de tudo em termos de internet e blog…) e ao mesmo tempo uma maneira de aproximar nossos blogs de ciências elegendo um dia-temático.

A idéia ficou no ar. Hoje a Silvia do Pitáculos em Ciências me sugeriu que eu escolhesse um tema e levasse adiante o projeto da Ana. Conversei então com o João, o deste blogue, e ele lapidou ainda mais a idéia.

Seria assim: a gente faz um outro blogue, que sugerimos que se chame "Roda de ciência". Ele concentrará o simpósio da semana, da quinzena, do mês ou o que decidirmos. Cada um dos participantes porá nesse blogue
uma chamada (um resuminho) com linque para seu próprio blogue, onde estará o texto completo sobre o tema escolhido. Assim organizamos o simpósio e ao mesmo tempo reunimos essa rede blogueira.

O que vocês acham - Ana Cláudia, S
ilvia, Osame (que anda misteriosamente sumido), João Carlos, Daniel, Suzana, João Giovanelli, Caio... e outros blogueiros que eu tenha esquecido ou que freqüentam esta praia sem se identificar?

Vamos fazer assim: ponham nos comentários o que acham da idéia, além de sugestões para o primeiro tema de debate. E vamos lá!
(A imagem eu peguei aqui)

Imagens do Líbano

Imagens de guerra estão todos os dias nos jornais.
Estas imagens são outras. Mazen Kerbaj, do Kerblog, põe em desenhos seus sentimentos. E põe os desenhos em seu blogue
, diretamente de Beirute - quando há luz.
O primeiro texto é de 14 de julho. Diz que há dois anos enrolava para começar seu blogue. Quando Israel começou a bombardear seu país, restou pouco além de blogar.
Os desenhos são fortes, o (pouco) texto também. Os comentários, inúmeros.
Ele diz que seu blogue não é político, mas sua intenção é acordar o mundo, para que mais e mais de nós digamos não à guerra.

29 julho 2006

Evolution in Four Dimensions

Novas descobertas da biologia molecular desafiam a visão genicêntrica da teoria neo-Darwiniana segundo a qual a adaptação ocorre apenas através da seleção natural de variação aleatória do DNA.

Você tem consciência de que o pensamento sobre a hereditariedade pode passar atualmente por uma mudança revolucionária? Não? Pois então deveria ler o livro de Eva Jablonka e Marion Lamb Evolution in Four Dimensions (The MIT Press, 2005)! Se já tiver lido com prazer The Century of the Gene de Evelyn Fox Keller (Harvard University Press, 2000), não se arrependerá! Veja o breve comentário que Keller inscreveu na quarta capa do livro:

"With courage and verve, and in a style accessible to general readers, Jablonka and Lamb lay out some of the exciting new pathways of Darwinian evolution that have been uncovered by contemporary research."

Desenho da quarta capa do livro, de Anna Zelogowski.

Lamarck, Darwin e neo-darwinismo
A princípio, Jablonka & Lamb situam o leitor na batalha travada entre biólogos da evolução na primeira metade do séc. XX para construir a Síntese Evolutiva. Para compreender a Síntese Evolutiva, as autoras precisam de nos levar a Lamarck, a Darwin e às discussões do seu tempo (séc. XIX). Recapitulam-se aqui as teorias da hereditariedade até chegarmos à Origem das espécies. Depois surgem, entre outras, as leis da hereditariedade de Mendel e finalmente a grande revolução com a descoberta da molécula de DNA como veículo de informação hereditária.

Com a Nova Síntese, as disciplinas da Embriologia e Desenvolvimento perdem sua importância no estudo da Evolução. Os biólogos da escola americana tinham ganho a batalha aos biólogos da escola russa. Uma premonição do que se viria a passar meio séulo mais tarde, com o fim da Guerra Fria?

As quatro dimensões
Em Evolution in Four Dimensions, Jablonka & Lamb defendem que a hereditariedade não é apenas o produto da trasmissão de informação genética contida em sequências de DNA. As autoras apresentam quatro dimensões evolutivas — quatro sistemas hereditários que desempenham uma função em Evolução: genética, epigenética (ou transmissão de informação não contida no DNA, mas na célula), comportamental, e simbólica (transmissão pela linguagem a outras formas de comunicação simbólica). Estes sistemas originariam então a variação sobre a qual a seleção natural poderia atuar. Evolution in Four Dimensions oferece uma perspectiva mais rica e complexa da Evolução que a visão unidimensional e genicentrada preferida e alardeada actualmente. A nova síntese que Jablonka e Lamb nos anunciam deixa claro que alterações induzidas e adquiridas também desempenham um papel em Evolução. O advento do neo-lamarckismo?

Após discutirem cada um dos quatro sistemas hereditários em detalhe, Jablonka & Lamb reconstroem "Humpty Dumpty" (o sistema complexo) mostrando como todos estes sistemas interagem. Consideram como cada um se pode ter originado e guiado a história evolutiva, e discutem as implicações sociais e filosóficas da visão tetra-dimensional da evolução. Implicações essas que poderão ser especialmente relevantes para a evolução humana! Mas Jablonka & Lamb não se aventuram demais nesse tema, compreensivelmente.

Cada capítulo termina com um diálogo em que as autoras respondem às contrariedades de uma personagem ficcional e céptica, Ifcha Mistabra (I.M.) — “a conjectura oposta” em aramaico — refinando os seus argumentos contra a vigorosa contra-argumentação de I.M. No mínimo, terrivelmente original! Genial!

Estilo literário
É espantosa a combinação de um texto cientificamente complexo, simplicidade e acessibilidade de compreensão dada a a complexidade dos assuntos abordados e, acima de tudo, de uma escrita cuidada e cativante. Para isto muito contribuem os diálogos no final de cada capítulo. O texto lúcido e acessível é acompanhado pelo traço delicioso das ilustrações de Anna Zeligowski (ver figura acima) que ilustram com humor e de forma efetiva o desenrolar da argumentação das autoras. É pois uma obra acessível para todos os amantes da Evolução, sejam especialistas ou leigos. À atenção de alguma editora interessada pois o livro não está ainda traduzido para o português!?

Revolução?
Em uma obra pré-revolucionária, talvez fundadora, não se poderia esperar apenas a mera aglomeração de fatos científicos comprovados para refutar paradigmas existentes. A grande obra científica pré-revolucionária é aquela que combina conhecimento teórico e empírico sedimentado com a estruturação racional da imaginação intuitiva para (re)criar um corpo conceptual novo. Tal aconteceu com Charles Darwin com a sua Origem das Espécies, quando C.D. não conhecia ainda os mecanismos da hereditariedade mas se baseou no conhecimento da época e nas suas observações para intuir sobre eles.

Também Jablonka & Lamb especulam agora sobre como alguns dos mecanismos hereditários propostos seriam importantes num contexto evolutivo. Especulam? Pois é, haverá muitos céticos relativamente a esta obra e a sua avaliação será feita, como sempre, dentro de algumas décadas. Mas, no mínimo, penso que Evolution in Four Dimensions ficará como uma obra inspirada e inspiradora, que guiará sonhos e avenidas de pesquisa de muitos em anos próximos. Podem crer que sonho com evolução a quatro dimensões há algum tempo. E que mais dimensões haverá...!

Sonhem! Não se fiquem pelo óbvio nem pelo adquirido, na pesquisa e na Vida!



Biodiversidade brasileira acessível à pesquisa

Acaba de ser aprovada uma proposta pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) para reduzir a carga burocrática que torna inviável o trabalho de muitos pesquisadores.

Não vou repetir o que já está sendo dito por aí, mas como o assunto me interessa (ver aqui e links no texto), não posso deixar de pôr uma notinha comemorativa. Veja notícias do Instituto Socioambiental, do Estado de São Paulo que foi publicada no Jornal da Ciência e comentário do João Carlos no Chi vó, non pó.

Carros versus ônibus?

O João Carlos, do Chi vó, non pó, escreveu um texto rebatendo o que escrevi aí em baixo, sobre transportes urbanos. Escrevi longa resposta lá nos comentários. Quem tiver interesse em acompanhar o debate - e contribuir para ele! - passe lá.

28 julho 2006

Manifesto por cidades humanas


Que tal ir trabalhar a pé ou de bicicleta, mesmo que demore um tanto mais? Você deixaria de poluir o ar, economizaria tempo e dinheiro com academia e ficaria mais saudável.

Eu adoraria, pena que nem sempre é possível. Mas fui à conferência sobre transporte sustentável que aconteceu esta semana em São Paulo, e fiquei animada. Quem sabe não seja possível termos ar mais limpo para respirar nessas caminhadas, além de mais segurança para não morrermos atropelados?

A experiência de Enrique Peñalosa em Bogotá é inspiradora, veja
aqui. A foto acima é de lá, peguei emprestada na wikipedia.

E leia na ComCiência a
notícia que escrevi (em princípio a última lá, está chegando ao fim meu período de bolsista no Labjor).

Abaixo, a versão sem cortes nem edição, um pouco mais longa.

“Declaração de São Paulo” define metas para melhorar a qualidade do ar e dos transportes urbanos na América Latina

Boa parte da poluição do ar é causada por carros particulares. As conseqüências são sérias e vão desde mudanças climáticas globais até mortes e internações. “Existem os conhecimentos, existem opções. É preciso ações conjuntas”, disse Sérgio Sánchez, da Iniciativa do Ar Limpo para as Cidades da América Latina (IAL-CAL) a respeito de melhorar a qualidade do ar e atingir sustentabilidade no transporte. Foi em busca disso que pesquisadores, políticos e técnicos de vários países se reuniram em São Paulo esta semana na conferência “Ar Limpo para a América Latina 2006”.

A poluição traz problemas ao nível local — a poluição do ar; e global — o impacto do homem na atmosfera. “A atmosfera em relação ao mundo é como a casca de uma maçã, uma camada muito frágil”, explicou Mário Molina, mexicano que ganhou o prêmio Nobel de Química em 1995 por descobertas quanto a gases que atacam a camada de ozônio. Como conseqüência das atividades humanas o clima está mudando, o nível do mar está subindo, as chuvas estão diferentes. O impacto que isso causa afeta as florestas, a agricultura, a saúde, os recursos hídricos, entre outros. Segundo ele, restringir as emissões pode ter um efeito importante.

Grande parte da poluição do ar se deve ao crescimento da frota de veículos. Diversos estudos acusam efeitos muito graves da poluição na saúde, como mostrou Bob O’Keefe, do Health Effects Institute, instituição norte-americana que pesquisa efeitos da poluição na saúde. Esses danos incluem problemas cardiopulmonares, ataques cardíacos e inflamações pulmonares, que reduzem de forma importante a duração e a qualidade da vida. Segundo o pesquisador os conhecimentos epidemiológicos nessa área são grandes, e permitem determinar restrições mais rígidas, como tem acontecido nos Estados Unidos.

É preciso limpar os veículos
Os problemas que existem hoje não surgiram por acaso, disse Lee Schipper, da Embarq, instituto sediado nos Estados Unidos que presta consultorias para encontrar soluções de transporte urbano. Eles foram permitidos e até mesmo encorajados, devido a interesses comerciais e políticos, além de maus parâmetros ambientais. A proliferação de pequenos coletivos como as peruas são um problema sério, pois acabam por dividir o trânsito (e a emissão de poluentes) em veículos menores e mais “sujos”. A primeira medida, portanto, é limpar os veículos — tanto em termos de regulagem e tecnologia como do combustível utilizado.

Na maior parte dos Estados Unidos reina o transporte individual. Por isso, a visão norte-americana para melhorar os efeitos deletérios da poluição por veículos reside na tecnologia, no uso de combustíveis não derivados do petróleo e no estabelecimento de normas restritivas a emissões. Foi esse o teor da fala de Alan Lloyd, da Agência de Proteção ao Meio Ambiente da Califórnia. Idéias de desenvolver transporte coletivo existem, mas com menos ênfase.

Luis Cifuentes, da Pontifícia Universidad Católica do Chile, mostrou a experiência chilena em Santiago, onde a renovação da frota de ônibus e táxis teve grande impacto em reduzir as emissões de gases tóxicos. Mas ônibus movidos a combustíveis mais limpos, como gás natural ou biodiesel, não resolvem o problema de poluição se estão presos no trânsito, afirma Schipper. “A mobilidade sustentável é o que resolve o problema”. Segundo ele, a ênfase em combustíveis limpos traz o problema de aumentar sua demanda. A solução é reduzir a necessidade de combustível, explicou. Ruy de Góes, do Ministério do Meio Ambiente, argumentou que a longo prazo é importante reformular o transporte público. Mas a curtíssimo prazo é urgente atender à questão de saúde pública. Para isto, alternativas mais limpas como gás natural e biocombustíveis são necessárias.

Prioridade ao transporte público
Mas combustíveis limpos são uma pequena parte do pacote total, afirmou Lloyd Wright, da Fundação Viva, em Quito (Equador). “A sustentabilidade completa está longe de ser encontrada em um laboratório ou veículo ‘flex’”, alertou. Ele acredita que vias para pedestres, ciclovias e transporte público são soluções muito mais efetivas do que depender de um tipo de combustível. Mas ele avisa que essas soluções só serão adotadas pelo público se oferecerem velocidade, comodidade e segurança.

Em termos de transporte público, metrô pode ser preferível mas inviável. Experiências de sucesso, como Curitiba, Bogotá e Cidade do México, mostram que corredores rápidos de ônibus podem ser soluções eficientes e muito mais baratas do que o metrô. Um projeto em análise em Curitiba é o metrô cutting cover, explicou o Diretor de Negócios da Urbanização de Curitiba S.A. (Urbs) Clodualdo Pinheiro Júnior. É uma tecnologia mais barata do que o metrô convencional, porque as escavações se limitam a 7 metros de profundidade. Em cima dessa vala é posta uma tampa, sobre a qual se propõe a instalação de jardins e ciclovias.

Mas para realmente solucionar o problema, é preciso ousar. Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, contou sobre as mudanças feitas na capital colombiana. Segundo ele, a questão do transporte transcende questões científicas e técnicas. “As cidades têm que refletir que os seres humanos são sagrados”, diz. Elas têm que ser planejadas para promover igualdade social e bem-estar. Até agora foi dada prioridade à mobilidade dos carros mais do que à felicidade das crianças. E segundo ele, para sermos felizes precisamos caminhar. De outra forma sobrevivemos, como um passarinho sobrevive numa gaiola.

Peñalosa chega a considerações mais filosóficas do que políticas. Segundo ele, precisamos rever nossos ideais de felicidade. Talvez ter um carro possante e andar a 200 Km/h numa auto-estrada não traga tanta felicidade quanto passear numa bicicleta velha por uma ciclovia às margens de um rio. Acima de tudo, ele defende que as cidades devem contribuir para a igualdade de qualidade de vida entre as pessoas. Para o ex-prefeito, é impossível tomar decisões sobre transporte sem definir que tipo de cidade se quer. Sua proposta é construir cidades para as pessoas, que privilegiem o espaço público para pedestres.

É esse o rumo que ele tomou durante sua gestão de Bogotá: tornar a cidade mais agradável para pessoas do que para carros. Por isso, vagas para estacionamento perderam espaço para calçadas alargadas. Se os recursos são escassos, a prioridade vai para calçamento de vias para pedestres e bicicletas; se falta espaço, o que não cabe são os carros. É esta a visão de Peñalosa. E andar de bicicleta, não porque seja simpático ou divertido. Mas porque é um direito do cidadão deslocar-se de forma barata sem correr risco de vida.

Tais decisões exigem não só vontade, mas punho político. Porque as medidas para estimular o uso de transporte público não são necessariamente populares — como foi o caso do rodízio de carros na cidade de São Paulo, como lembrou o autor da medida Fábio Feldmann, atualmente Secretário Executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. Peñalosa explica que em cidades onde os cidadãos utilizam transportes públicos, eles não o fazem por amor ao meio ambiente — mas porque há restrições sérias ao uso de veículos particulares.

Esforço conjunto
A conjunção de diversos setores propiciou uma possibilidade de estabelecer colaborações reais. Sigfried Rupprecht, da Iniciativa Civitas da Europa, se declarou aberto para troca internacional de lições práticas. Tanto a Europa como a América Latina têm experiências de sucesso que podem ser bem utilizadas em outros continentes.

O grande problema em São Paulo, segundo o Secretário Municipal de Transportes, é a fiscalização. “Planos temos, mas a realidade nos passa por cima”, lamentou.Vontade política foi a necessidade mais invocada pelos palestrantes da conferência. John Gummer, Secretário do Meio Ambiente do governo de Londres, afirmou: “É possível mudar a vida de uma cidade. Muitas pessoas devem suas vidas a políticas de qualidade do ar. Demos ouvidos por tempo demais àqueles que pensavam que seria difícil demais fazer algo. Poderíamos ter salvo muito mais vidas”.

Na sessão de encerramento, foi lida e discutida a “Declaração de São Paulo”, que estará disponível para sugestões no site da IAL nos próximos dez dias. Após esse período será redigida a versão final do documento, que segundo Sérgio Sánchez será o marco estratégico que constituirá o principal objeto de trabalho da Iniciativa. Eduardo Jorge conclamou as cidades latino-americanas a se filiarem para participar do processo de construção coletiva de políticas.

23 julho 2006

Evolução e declínio do império neo-darwiniano

Alguns de nós (pres)sentimos a revolução emergente nos paradigmas da teoria da Evolução (e precisa?), mais empurrada pela evidência empírica do que pela genialidade das ideias. Esta parece que talvez tenha mesmo ficado aprisionada lá pelos fins do séc. XIX.

Do paradigma darwiniano restou a lei da Seleção Natural co-optada pelos obreiros da Nova Síntese neo-darwiniana em meados do séc. XX. O seu reducionismo genético extirpou da teoria da evolução um outro mecanismo, polémico é certo. O da transmissão de características adquiridas à descendência, que era o cerne da teoria da Evolução de Jean-Baptiste Lamarck.

O geneticista Sérgio Pena devota a sua última coluna mensal na Ciência Hoje online (
Deriva Genética) à descrição de alguns casos em que aquela transmissão epigenética (i.e. além dos genes) de características pode ocorrer. Aqui está o parágrafo inicial do seu artigo Viva Lamarck (!?):

"Coitado do Jean-Baptiste de Lamarck! O naturalista francês (1744-1829) é lembrado principalmente pela idéia, hoje meio ridicularizada, de que as características adquiridas são transmitidas à próxima geração. Isto sempre me traz à mente a visão de uma girafa esticando o pescoço para alcançar os brotos mais altos nas árvores e depois dando à luz girafinhas com pescoços igualmente espichados. Mas pouca gente sabe que foi Lamarck, e não Darwin, quem primeiro falou em evolução. A descoberta fundamental de Darwin foi o mecanismo correto da evolução, a seleção natural. Pois bem, pasmem vocês, parece que em algumas situações muito especiais pode ocorrer a herança de caracteres adquiridos! Quero deixar claro não se trata de nada que possa ameaçar de maneira alguma o cânone darwiniano. Mas talvez seja suficiente para fazer aflorar em Lamarck, dentro de sua cova, um sorriso nos lábios."

Curioso o trecho “Quero deixar claro não se trata de nada que possa ameaçar de maneira alguma o cânone darwiniano”. Mas lendo o parágrafo conclusivo da Origem das espécies de Charles Darwin, aqui na minha postagem anterior, facilmente se conclui que também Darwin aceitava que a variabilidade transmitida a gerações posteriores resultava de "ação indireta e direta das condições externas da vida, e pelo uso e desuso", o que equivaleria hoje a aceitar a hereditariedade epigenética. De facto, a hipótese pangenética da hereditariedade de Darwin era compatível com a transmissão da caracteres adquiridos. Então como a “herança de caracteres adquiridos” poderia ameaçar o “cânone darwiniano”?

Talvez eu tenha entendido mal o uso da expressão e desde já apelo a Sérgio Pena para esclarecer a minha dúvida. Mas, mesmo antes do esclarecimento prestado, vou ser provocativo e sugerir que Sérgio Pena se referia de facto ao cânone darwiniano que resultou do recondicionamento conceptual brilhantemente realizado pelos artífices da
Nova Síntese neo-darwiniana. Esta não resultou de unanimidade no universo do pensamento biológico, mas sim da vitória de uma escola de pensamento, a dos teóricos da genética populacional do mundo anglo-saxónico do pós-guerra. Parte importante do conhecimento em biologia, como a biologia do desenvolvimento embrionário, simplesmente não foi integrada na Nova Síntese, sendo que a discussão de como a informação hereditária é organizada para formar o organismo era, e ainda é, a grande questão central da biologia. Terá resultado desse recondicionamento o cânone darwiniano que é transmitido hoje aos garotos na escola e ao público leigo.

Evelyn Fox Keller, contou essa história da centralização do cânone darwiniano no gene de forma brilhante no seu “The Century of the Gene”, no final do séc. XX (2000). Mas Keller acredita que as boas ideias perduram e que sempre existirão cientistas em busca de desafios:

"No entanto, acredito que ainda muito há para ser dito. Darwin ensinou-nos a importância do acaso na evolução por seleção natural, mas também nos ensinou a importância do desafío. Com um espírito semelhante, sugiro que o desafío cria uma poderosa força diretora, também para a evolução do nosso entendimento dos processos da evolução biológica. Conseguimos já vislumbrar sinais dessa evolução no esforço dos teóricos evolutivos para fazer sentido dos mecanismos de estabilidade genética, evolutibilidade, e robustez do processo de desenvolvimento que análises moleculares começaram a revelar. Assim, prefiro terminar [o livro] com a previsão de que muito mais está por vir, talvez até um outro período Cambriano, só que desta vez não no âmbito do aparecimento de novas formas de vida mas de novas formas de pensamento biológico."

Do original de Evelyn Fox Keller The Century of the Gene (2000).
Tradução de João Alexandrino.

Pois escrevo estas linhas simplesmente para celebrar o acerto da previsão de Keller, revelado não só em diversos artigos científicos recentes (últimos 5-10 anos) mas especialmente no livro iluminado de Eva Jablonka e Marion Lamb com o título Evolution in Four Dimensions (2005). Um livro fundador de uma ideia mais abrangente de Evolução, um outro cânone, que finalmente parece fazer justiça à genialidade de Charles Darwin. A literatura científica maravilhosa de Jablonka e de Lamb, as belas ilustrações de Anna Zeligowski e os diálogos com Ifcha Mistabra estarão comigo nas próximas semanas, talvez meses, aqui neste blog. Fiquem por perto e estejam atentos aos prenúncios de queda do império neo-darwiniano. Viva Darwin!

Manguezais em perigo


Manguezais de ilhas no Pacífico estão seriamente ameaçados devido a mudanças climáticas. É o que diz o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Os bosques de mangue são ecossistemas costeiros típicos de locais de águas salobras, como estuários. Sua importância é imensa, pois têm características biológicas únicas e um valor ecológico e econômico inestimável, pois são essenciais para a reprodução de boa parte dos organismos marinhos, inclusive aqueles com grande valor econômico.

Sua localização costeira torna os manguezais intrinsecamente vulneráveis a variações no nível do mar. As ilhas do Pacífico, porém, estão em situação ainda mais delicada do que a média. É o que mostra o documento, divulgado esta semana (18 de julho), que apresenta um quadro completo incluindo propostas de planejamento ambiental para a região.


Leia também notícia divulgada pelo portal da ONU (em espanhol).

22 julho 2006

O paradigma darwiniano

Aí está, numa tradução minha para o português e na sua forma original, em todo o seu esplendor poético, o parágrafo conclusivo da obra fundadora do pensamento darwiniano. Quase 150 anos volvidos, é importante pensar na evolução das imagens mentais que dele têm sido transmitidas. Talvez para concluir que quando alguém se refere hoje ao paradigma darwiniano, sempre deixa de fora uma das leis formadoras da vida segundo Charles Darwin. Qual e por que motivo? Quem souber terá a minha admiração.

Coitados de nós! Volvidos 150 anos, finalmente os porcos parecem querer juntar outra vez as pérolas lançadas pelo venerável CD.


"É interessante contemplar a margem densa, vestida com muitas plantas de muitos tipos, aves cantando nos arbustos, insetos diversos borboleteando, e vermes rastejando na terra húmida, e refletir que estas formas de construção elaborada, tão diferentes umas das outras, e dependentes entre si de forma complexa, foram todas produzidas pela ação de leis que nos rodeiam. Estas leis, no seu sentido mais lato, sendo: Crescimento com Reprodução; hereditariedade que está quase implícita na reprodução; Variabilidade originada pela ação indireta e direta das condições externas da vida, e pelo uso e desuso; uma Taxa de Aumento [populacional] tão elevada que leva a uma Luta pela Vida, e como consequência desta à Seleção Natural, originando a Divergência de Caracteres e a Extinção das formas menos aptas. Assim, da guerra da natureza, da fome e da morte, surge o objeto mais admirável que somos capazes de conceber, nomeadamente, a produção dos animais superiores. Existe grandeza nesta visão da vida, com os seus vários poderes, tendo sido originalmente insuflada em algumas poucas formas ou em uma só; e que, enquanto este planeta seguiu os seus ciclos de acordo com as leis fixas da gravidade, desse início tão simples, inúmeras formas mais belas e mais maravilhosas foram geradas, e ainda são, através da evolução."

Parágrafo final de “The Origin of Species” de Charles Darwin (1859).
Tradução de João Alexandrino.


"It is interesting to contemplate an entangled bank, clothed with many plants of many kinds, with birds singing on the bushes, with various insects flitting about, and with worms crawling through the damp earth, and to reflect that these elaborately constructed forms, so different from each other, and dependent on each other in so complex a manner, have all been produced by laws acting around us. These laws, taken in the largest sense, being Growth with Reproduction; inheritance which is almost implied by reproduction; Variability from the indirect and direct action of the external conditions of life, and from use and disuse; a Ratio of Increase so high as to lead to a Struggle for Life, and as a consequence to Natural Selection, entailing Divergence of Character and the Extinction of less-improved forms. Thus, from the war of nature, from famine and death, the most exalted object which we are capable of conceiving, namely, the production of the higher animals, directly follows. There is grandeur in this view of life, with its several powers, having been originally breathed into a few forms or into one; and that, whilst this planet has gone cycling on according to the fixed law of gravity, from so simple a beginning endless forms most beautiful and most wonderful have been, and are being, evolved."

The concluding paragraph of Darwin's Origin of Species, First Edition (1859).

Rio Solimões sem óleo


A última edição da Ciência e Cultura traz um dossiê sobre a Amazônia. Eu tive a oportunidade de aprender sobre o projeto Piatam. É uma iniciativa da Petrobras, que em associação com a Universidade Federal do Amazonas realiza levantamentos ecológicos ao longo do rio Solimões, num trecho com trânsito de embarcações transportadoras de óleo. O resultado é um mapeamento ambiental que que está sendo utilizado para mais do que traçar estratégias de resposta a possíveis derramamentos.
O mapa acima mostra comunidades ribeirinhas com as quais o Piatam está desenvolvendo projetos diversos.
Leia mais na reportagem.

21 julho 2006

Só... um milhão de anos!?

Um novo oceano poderá formar-se, separando o nordeste da Etiópia e Eritreia do resto de África. É só esperar um milhão de anos para ter a certeza! A notícia que transcrevo é da Agência Lusa, com base num artigo publicado na Nature.

Será que não dá para acelerar um pouquinho o processo, que tal alguns metros por ano? Talvez os norte-coreanos pudessem testar seus mísseis no deserto de Afar, o epicentro de toda essa atividade tectónica. A comunidade internacional, liderada pelos radicais Bushiitas, com certeza não desdenharia da oportunidade de explorar futuros recursos que viessem a ser encontrados neste Golfo da Eritreia. E o Brasil não pode ficar de fora! Afinal, com o aumento do tráfego aéreo de 15% ao ano (e a Varig lá se aguentou!), não há auto-suficiência petrolífera que resista. A Petrobras não pode ficar para trás!

Veja-se na foto ao lado, a fenda de uns míseros oito metros. Assim não dá!
Eu, por mim, não quero esperar 1MA para navegar nesse novo oceano. Quem sabe dá para plantar umas ilhotas paradisíacas lá pelo meio?

Agência Lusa - 21.07.2006
Fractura na crosta terrestre pode formar novo oceano
No deserto africano de Afar

Uma recente fractura da crosta terrestre no deserto africano de Afar, perto do Mar Vermelho, poderá separar a Etiópia e a Eritreia de África e formar um novo oceano, de acordo com um estudo publicado hoje a revista “Nature”.

Com base em imagens de satélite captadas antes e depois do aparecimento da fractura, em Setembro de 2005, cientistas britânicos, norte-americanos e etíopes concluíram que atingiu oito metros de profundidade em apenas três semanas, ao longo dos seus 60 quilómetros, sendo lentamente preenchida com magma (rocha fundida).

Foram as imagens do satélite Envisat da Agência Espacial Europeia (ESA) que permitiram aos cientistas analisar em primeira mão a evolução deste fenómeno geológico e constatar a sua rapidez.

As observações levaram também os cientistas confirmar que as duas enormes placas tectónicas que formam a África e a Arábia estão a separar-se devido à injecção de magma.

"É claro que a subida de rocha em fusão está a separar a África da Arábia", afirmou o principal autor do estudo, Tim Wright, da Universidade de Leeds.

O processo começou há cerca de 30 milhões de anos, quando uma massa de lava se elevou por debaixo da crosta terrestre e separou a península arábica de África, criando o Mar Vermelho, e levará outros milhões até ficar concluído.

Segundo os cientistas, trata-se de uma das poucas zonas do mundo onde um continente está a ser activamente separado por movimentos em curso nas placas tectónicas, num processo considerado semelhante ao que deu origem ao oceano Atlântico.

O estudo refere que a velocidade de separação das placas tectónicas africana e arábica é semelhante à do crescimento das unhas dos dedos (alguns centímetros por ano).

Como resultado dessa separação de longo prazo, o nordeste da Etiópia e da Eritreia irá destacar-se do resto da África, formando eventualmente um novo oceano.

"Não sabemos ao certo se irá aparecer um novo oceano no local, mas as perspectivas são boas", ironizou Wright. "Bastará deixar passar um milhão de anos".