Evolution in Four Dimensions
Novas descobertas da biologia molecular desafiam a visão genicêntrica da teoria neo-Darwiniana segundo a qual a adaptação ocorre apenas através da seleção natural de variação aleatória do DNA. Desenho da quarta capa do livro, de Anna Zelogowski.
Você tem consciência de que o pensamento sobre a hereditariedade pode passar atualmente por uma mudança revolucionária? Não? Pois então deveria ler o livro de Eva Jablonka e Marion Lamb Evolution in Four Dimensions (The MIT Press, 2005)! Se já tiver lido com prazer The Century of the Gene de Evelyn Fox Keller (Harvard University Press, 2000), não se arrependerá! Veja o breve comentário que Keller inscreveu na quarta capa do livro:
"With courage and verve, and in a style accessible to general readers, Jablonka and Lamb lay out some of the exciting new pathways of Darwinian evolution that have been uncovered by contemporary research."
A princípio, Jablonka & Lamb situam o leitor na batalha travada entre biólogos da evolução na primeira metade do séc. XX para construir a Síntese Evolutiva. Para compreender a Síntese Evolutiva, as autoras precisam de nos levar a Lamarck, a Darwin e às discussões do seu tempo (séc. XIX). Recapitulam-se aqui as teorias da hereditariedade até chegarmos à Origem das espécies. Depois surgem, entre outras, as leis da hereditariedade de Mendel e finalmente a grande revolução com a descoberta da molécula de DNA como veículo de informação hereditária.
Com a Nova Síntese, as disciplinas da Embriologia e Desenvolvimento perdem sua importância no estudo da Evolução. Os biólogos da escola americana tinham ganho a batalha aos biólogos da escola russa. Uma premonição do que se viria a passar meio séulo mais tarde, com o fim da Guerra Fria?
As quatro dimensões
Em Evolution in Four Dimensions, Jablonka & Lamb defendem que a hereditariedade não é apenas o produto da trasmissão de informação genética contida em sequências de DNA. As autoras apresentam quatro dimensões evolutivas — quatro sistemas hereditários que desempenham uma função em Evolução: genética, epigenética (ou transmissão de informação não contida no DNA, mas na célula), comportamental, e simbólica (transmissão pela linguagem a outras formas de comunicação simbólica). Estes sistemas originariam então a variação sobre a qual a seleção natural poderia atuar. Evolution in Four Dimensions oferece uma perspectiva mais rica e complexa da Evolução que a visão unidimensional e genicentrada preferida e alardeada actualmente. A nova síntese que Jablonka e Lamb nos anunciam deixa claro que alterações induzidas e adquiridas também desempenham um papel em Evolução. O advento do neo-lamarckismo?
Após discutirem cada um dos quatro sistemas hereditários em detalhe, Jablonka & Lamb reconstroem "Humpty Dumpty" (o sistema complexo) mostrando como todos estes sistemas interagem. Consideram como cada um se pode ter originado e guiado a história evolutiva, e discutem as implicações sociais e filosóficas da visão tetra-dimensional da evolução. Implicações essas que poderão ser especialmente relevantes para a evolução humana! Mas Jablonka & Lamb não se aventuram demais nesse tema, compreensivelmente.
Cada capítulo termina com um diálogo em que as autoras respondem às contrariedades de uma personagem ficcional e céptica, Ifcha Mistabra (I.M.) — “a conjectura oposta” em aramaico — refinando os seus argumentos contra a vigorosa contra-argumentação de I.M. No mínimo, terrivelmente original! Genial!
Estilo literário
É espantosa a combinação de um texto cientificamente complexo, simplicidade e acessibilidade de compreensão dada a a complexidade dos assuntos abordados e, acima de tudo, de uma escrita cuidada e cativante. Para isto muito contribuem os diálogos no final de cada capítulo. O texto lúcido e acessível é acompanhado pelo traço delicioso das ilustrações de Anna Zeligowski (ver figura acima) que ilustram com humor e de forma efetiva o desenrolar da argumentação das autoras. É pois uma obra acessível para todos os amantes da Evolução, sejam especialistas ou leigos. À atenção de alguma editora interessada pois o livro não está ainda traduzido para o português!?
Revolução?
Em uma obra pré-revolucionária, talvez fundadora, não se poderia esperar apenas a mera aglomeração de fatos científicos comprovados para refutar paradigmas existentes. A grande obra científica pré-revolucionária é aquela que combina conhecimento teórico e empírico sedimentado com a estruturação racional da imaginação intuitiva para (re)criar um corpo conceptual novo. Tal aconteceu com Charles Darwin com a sua Origem das Espécies, quando C.D. não conhecia ainda os mecanismos da hereditariedade mas se baseou no conhecimento da época e nas suas observações para intuir sobre eles.
Também Jablonka & Lamb especulam agora sobre como alguns dos mecanismos hereditários propostos seriam importantes num contexto evolutivo. Especulam? Pois é, haverá muitos céticos relativamente a esta obra e a sua avaliação será feita, como sempre, dentro de algumas décadas. Mas, no mínimo, penso que Evolution in Four Dimensions ficará como uma obra inspirada e inspiradora, que guiará sonhos e avenidas de pesquisa de muitos em anos próximos. Podem crer que sonho com evolução a quatro dimensões há algum tempo. E que mais dimensões haverá...!
Sonhem! Não se fiquem pelo óbvio nem pelo adquirido, na pesquisa e na Vida!
9 comentários:
Xará Alexandrino, sobre as quatro dimensões da evolução, será que você poderia se alongar um pouco mais nos aspectos "comportamental, e simbólico (transmissão pela linguagem a outras formas de comunicação simbólica)"?
Eu cá - realmente - fiquei meio "com o pé atrás" quanto a essas duas.
João Carlos, planeio fazer um comentário do livro capítulo a capítulo. Assim, se você tiver um pouquinho de paciência, pretendo chegar à sua questão bem relevante daqui a algumas semanas. Peço perdão por não atender o seu pedido, mas é por uma questão de estruturação do meu próprio pensamento sobre o livro. Ou seja, "não pôr o carro à frente dos bois". Abraço.
Olá! Eu pessoalmente gostei muito do livro, muito mesmo, e acho que todo mundo interessado no tema deveria ler. É um soco no estômago na visão tradicional genecentrista, e um soco necessário principalmente a pesquisadores brasileiros - pois eu, que recém saí da graduação e nas classes até agora da pós, vi como as aulas são limitadas a essa visão. Visto que os formandos atuais (e portanto futuros pesquisadores) ficam restritos a essa visão em aula, como se esse fosse o "estado da arte" da pesquisa atual, não é nada surpreendente que andemos a passos de tartaruga, principalmente quanto à possíveis contribuições teóricas, onde ficamos como meros expectadores...
Jablonka & Lamb fazem um ótimo trabalho, principalmente na parte sobre epigenética, tema que elas dominam bem e já têm escrito bastante sobre. Infelizmente, senti a parte comportamental (com a qual trabalho)e simbólica como "teórico demais". Em minha opinião, as autoras exploram as evidências empíricas muito superficialmente, e fica a sensação de "olha, pode até ser assim!", mas com uma estrutura pouco sólida. Embora em parte isso não seja culpa das autoras, visto que as evidências nesse sentido estão longe de ser abundantes (nem tanto por serem pouco existentes, mas sim pouco exploradas), Lee Dugatkin em seu livro "The imitation factor: evolution beyond the gene" faz um trabalho melhor, na minha opinião, em descrever a importância da variação comportamental não determinada geneticamente no processo evolutivo...
Mas é ótimo ver as idéias do livro exploradas aqui! Espero mesmo que você faça uma resenha detalhada por capítulos aqui, será muito útil para esclarecer, informar, e abrir palco para debates! Parabéns!
Olá Maia, obrigado pelo comentário. Espero que tenha comentado também o livro com os teus professores e colegas. Muitos pesquisadores focam demais o seu interesse na sua pesquisa específica e esquecem o quadro geral da evolução, com toda a sua complexidade. A solução para isso são grupos de pesquisa interdisciplinares, algo que já percebi não ser ainda muito comum no Brasil (na verdade, tendência muito recente também no exterior).
Quanto ao livro, concordo com em parte com você. Os capítulos dedicados à tranmissão cultural e simbólica são mais especulativos, mas igualmente eficientes em transmitir a ideia central do livro. Mas, na minha opinião, as evidências que mais faltam são aquelas que ainda precisam ser obtidas no âmbito de uma análise mecanicista das interações entre as diversas dimensões da evolução. E isso acho que não foi ainda feito, nem em humanos. Assim, penso que J&L prestam um serviço à inteligibilidade do livro não nos inundando com mais exemplos. Mas enfim, confesso que a área de comportamento não é a minha especialidade. Talvez você (ei Maria, tu é que és a etóloga do C&I!) possa dar uma contribuição quando eu chegar a comentar esse capítulo. Abraços.
pois é, mas infelizmente ainda não li o livro...
maia, bem-vindo!
com que você trabalha?
Espero, João Alexandrino, e com o maior prazer! Só para botar (um pouqinho) o carro adiante dos bois, na parte em que se discute a dimensão da comunicação, é mencionada a chimpanzé "Washoe"?
João, concordo plenamente contigo. Nos falta comunicação mesmo, isso me levou inclusive a iniciar um blog só para expor e discutir esse tipo de questão, mas que não foi muito pra frente... hehehehe... Quanto aos grupos de pesquisa, também concordo, e aqui na minha Universidade (de Brasília, UnB), temos um grupo de discussão sobre Filosofia da Biologia, no qual por muito tempo nos centramos em questões conceituais, como adaptacionismo, reducionismo, epigenética, seleção de grupos, explicações funcionais, etc, etc... O grupo era bem diverso, contando com desde alunos de graduação à professores aposentados, ecólogos, biólogos moleculares, filósofos, e até um químico. As discussões eram MUITO proveitosas, mas infelizmente o grupo anda meio dissolvido - mas ainda tenho esperanças de um ressurgimento! =)
A inteligibilidade do livro realmente é um ponto fortíssimo, e esse é também um ponto a favor de sua priorização para tradução, como você sugere. Ia ser o máximo!
Obrigado pelas boas-vindas, Maria. =) Eu tou fazendo aqui meu mestrado na UnB, e meu projeto enfoca na seleção sexual no Tiziu. =)
que legal, seleção sexual no tiziu! me avisa quando tiver resultados interessantes. é um assunto sobre o qual tenho infinita curiosidade, e sempre pode dar alguma reportagem (trabalho com jornalismo de ciência).
abraço,
maria.
Cara, eu também entendi bulhufas.
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