29 agosto 2007

A Herança de Eça


Por Henrique Guimarães

Dia desses, fui ao cinema assistir ao “Primo Basílio”, de Daniel Filho. O filme até que é bom, principalmente se comparado aos últimos filmes a que assisti do diretor, além do que as atuações de Débora Falabella e Glória Pires, como a dupla antagonista feminina, é brilhante. Porém, apesar de muito elogiada, a transposição do romance de Eça de Queirós, da Lisboa do século XIX, para a São Paulo do fim dos anos 50, tira do filme uma das melhores características da literatura queirosiana: o mergulho crítico na sociedade lisboeta do século retrasado.

O público de 300.000 espectadores em duas semanas, obviamente garantido pelo elenco global, já garante a “O Primo Basílio” uma das melhores bilheterias do ano. Mas, ao mesmo tempo, não é nem um pouco garantido que haja um aumento na leitura dessas obras que põem em questão a família, a religião e os bons costumes, com a categoria desse mestre, que era Eça de Queirós.

Eça de Queirós é, junto com Machado de Assis, no Brasil, um dos mais brilhantes e geniais herdeiros da herança realista deixada por Flaubert, em língua portuguesa. Junto com outros portugueses muito conhecidos no Brasil, como Luís de Camões, Fernando Pessoa e José Saramago, Eça nos orgulha de sermos lusófonos, principalmente por sua literatura crítica, densa e possuidora de um ritmo muito característico.

“O Primo Basílio” não é a primeira experiência brasileira de adaptação da obra de Eça. Em 1988, a mesma obra foi adaptada para televisão, assim como em 2001 “Os Maias” que, pelo sucesso, merece uma análise mais profunda.

A série “Os Maias”, adaptada por Maria Adelaide Amaral e dirigida por Luiz Fernando Carvalho é uma, rara, tentativa bem-sucedida de adaptação do maior romance de Eça para televisão, que incluía também o enredo de outro romance do autor, “A Relíquia”. Muito bem dirigida, “Os Maias” também contou com excelentes atuações, destacando-se Walmor Chagas, como o patriarca da família Maia, Fábio Assunção – de atuação irregular na recente adaptação de “O Primo Basílio”, como o próprio – nesse caso como o protagonista Carlos Eduardo, e, por fim, Selton Mello, como João da Ega, o auter-ego de Eça. Com certeza, quem leu o livro, se identificou com a belíssima representação da Lisboa do século XIX, e mesmo aqueles que disseram sentir falta do Embaixador Steinbroken, ficaram estarrecidos com Dâmaso Salcede, na pele de Otávio Müller.


Portanto, para quem teve o prazer de ler os romances de Eça de Queirós, pode analisar as adaptações citadas, no caso de “Os Maias”, disponível em dvd. Para quem nunca leu Eça, está perdendo tempo, seja para mergulhar num mundo distinto do atual, ou para se surpreender com a pertinência de algumas críticas de Eça àquele período, que se encaixam perfeitamente nos dias de hoje.

18 agosto 2007

Mutações da fome

A matéria de capa da Pesquisa Fapesp deste mês trata das conseqüências de longo prazo da desnutrição infantil. Crianças mal alimentadas durante a gestação e os primeiros anos de vida podem carregar pela vida afora problemas sérios de saúde como hipertensão, diabetes e obesidade. Ana Lydia Sawaya, da fisiologia da Unifesp, há cerca de vinte anos investiga como a desnutrição infantil afeta o organismo. Seu trabalho mostra que alguns dos danos podem ser revertidos, e é o que faz o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren).

Fui ao Cren e fiquei emocionada com a dedicação das pessoas que ali trabalham. Elas vivem para dar uma nova chance de vida a crianças até então desprovidas de qualquer oportunidade. Cada passo, cada aprendizado é para a equipe do Cren uma vitória celebrada. A foto acima foi feita por Miguel Boyayan durante o horário de almoço das crianças menores.

Leia a matéria inteira aqui ou vá até uma boa banca.

16 agosto 2007

Células-tronco na livraria Cultura

Anunciei o debate desta semana e não quero ficar na propaganda. Ponho então aqui uma rápida síntese do que foi dito. Para saber quem é quem, veja aqui.

Mayana Zatz
Contou as lutas que têm sido travadas entre diversos setores da sociedade durante o processo de decidir se será ou não permitido usar células-tronco embrionárias humanas para pesquisa, no Brasil. Em breve será feita a votação final. Por isso ela considera vital disseminar informação de maneira que a sociedade tenha um embasamento sólido para formar sua opinião.

Ela trabalha com doenças degenerativas, principalmente crianças com distrofia muscular de Duchenne. É uma doença de origem genética em que a musculatura gradativamente se atrofia. Assim a criança não pode andar e acaba por perder a ação do diafragma e não pode mais respirar sem assistência. Com muito atendimento, respiradores e muito mais, essas pessoas vivem 20 anos.Tratamento com células-tronco é, por enquanto, a única esperança.

Mayana mostrou fotos dessas crianças e imagens dos embriões usados na pesquisa: são aglomerados com 8 células todas iguais, o todo muito menor do que o buraco de uma agulha de seringa. Não dá para comparar, segundo ela, a humanidade de uns e outros. Os embriões usados para pesquisa são sempre doados por casais que os têm congelados em clínicas de fertilidade. Não serão utilizados e não têm existência nenhuma, quando se pensa em desenvolver uma vida humana, a não ser por intervenção médica: implantá-los num útero por 9 meses etc. Por isso ela ressalta: usar esses embriões não equivale a aborto.

Ainda não se sabe para que células-tronco embrionárias servirão, a pesquisa está ainda em estágios pré-clínicos.

José Eduardo Krieger
Fez analogia com hardware e software: as células-tronco são o software que pode ajudar a entender o funcionamento estrutural do organismo. É possível que, ao cabo da pesquisa, se conheça o suficiente para poder reprogramar o funcionamento das células do corpo adulto e poder afinal prescindir de células-tronco. Só o tempo e a pesquisa dirão.

Ele usa células-tronco adultas como tratamento para problemas cardíacos. Para alguns casos elas funcionam, mas ainda não se sabe como nem o que acontecerá em longo prazo. Para que a ciência avance de fato, é preciso fazer experimentos em que parte dos pacientes recebe o tratamento e parte não recebe. Está em curso um grande experimento nesse sentido, ainda não há resultados.

Células-tronco são coringas celulares. As embrionárias podem assumir qualquer função; já as adultas - o que inclui células de cordão umbilical - só funcionam em algumas posições.

Mara Gabrilli
Jovem, teve um acidente de carro e perdeu o movimento do pescoço para baixo. No início não tinha nem como respirar sozinha. Quando voltou a conseguir respirar, a libertação foi tremenda. "Descobri que a felicidade é um estado interno", disse.

Apesar de não ter movimentos no corpo ela se considera privilegiada. Tem uma moça (carinhosíssima, aliás) que a acompanha sempre e faz tudo para ela, inclusive massagear suas pernas e mãos que sofrem com o frio do ar-condicionado; pôde tratar-se nos melhores hospitais; tem um motorista que a leva e carrega para os lugares. Ela luta - através de uma organização que fundou e em sua atividade política - para que os outros milhões de deficientes (3 milhões só em São Paulo, disse) tenham condições melhores de vida.

Ela também se considera privilegiada porque, ao contrário dos pacientes de Mayana, não corre contra o tempo. Sua situação de saúde é estável. Para ela, a informação é uma peça essencial para que a sociedade ajude a melhorar a vida de quem tem deficiências.

Ela participou de estudo com células-tronco adultas para tratar paralisia causada por impacto, como é o caso dela. "Tomei a injeção com células há três anos e continuo paraplégica", contou. É preciso muito mais pesquisa, e para isso é essencial a aprovação do uso de células-tronco embrionárias.

Jorge Forbes
Fez uma intervenção erudita que juntou poesia, filosofia e literatura. Seus dez aforismos pela vida, em que se perguntava sobretudo onde começa a vida humana, não acrescentaram fatos à apresentação. Nem teria como sintetizar, então fico por aqui.


Para apoiar a aprovação de pesquisas com células-tronco embrionárias, veja aqui.

13 agosto 2007

Encontros com a pesquisa: células-tronco

Desta vez será uma mesa-redonda: qual é o futuro das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil? Venha ver o que os pesquisadores Mayana Zatz, José Eduardo Krieger, Jorge Forbes e a vereadora Mara Gabrilli têm a dizer.

O uso das células-tronco embrionárias humanas vem sendo intensamente debatido. Uma das razões é o artigo 5º da Lei de Biossegurança, aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República em março de 2005, que autoriza as pesquisas com esse tipo de células-tronco. Em maio de 2005, o artigo 5º foi contestado no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Procuradoria Geral da República com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Agora, o destino das pesquisas brasileiras com células-tronco de embriões humanos será decidido pelos ministros do STF.

A geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo, atua na genética de doenças neuromusculares e pesquisas com células-tronco. José Eduardo Krieger é médico e professor da Faculdade de Medicina da USP. Atua na área de pesquisas cardiovasculares com ênfase em aspectos moleculares e regeneração cardíaca. Jorge Forbes é psicanalista e dirige as pesquisas clínicas da psicanálise com a genética no Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. A vereadora Mara Gabrilli é tetraplégica desde 1994 e criou a organização não-governamental Projeto Próximo Passo que reúne mais de 50 atletas com limitações. Foi a primeira titular da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo, criada em 2005, para administrar projetos que melhorem a vida de cegos, surdos, cadeirantes e outros deficientes da maior metrópole do país.

A série Encontros com a Pesquisa é uma promoção da revista Pesquisa Fapesp com a Livraria Cultura. O evento ocorre mensalmente com uma palestra aberta e gratuita, seguida de debate com o público.

14 de agosto, terça-feira, às 19h30
Auditório da nova Livraria Cultura, situada no Conjunto Nacional (Avenida Paulista, 2.073, São Paulo).




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11 agosto 2007

O pensamento, um sextante

Banner do blogue da Escola da Ponte


A edição de junho da revista piauí trouxe um belo texto do Tom Zé que me remeteu à discussão de julho do roda de ciência: ensino básico, curiosidade e criatividade. Tom Zé conta suas experiências infantis de aprendizado: “Mais prazer tive ao aprender a amarrar o sapato. Amarrar sapato é uma coisa complicada, mas você pode se aproximar dela lentamente. Uma hora você vê o laço dado, outra hora alguém lhe dá uma primeira lição, ou seja, a primeira dobra do laço. Noutro dia você é capaz de pensar na segunda lição. A vantagem é que você sempre pode ver o sapato amarrado por alguém, para você comparar. E foi aprendendo essas coisinhas que percebi que o ato de pensar seria uma maneira de eu me mover dentro do mundo. Um sextante.”

É isso que falta. Aproveitar a curiosidade que toda criança tem e canalizá-la para um aprendizado mais amplo que transcenda o cotidiano. A discussão no roda
aqueceu alguns ânimos, mas não saiu do tradicional. Fui então procurar entender porque a experiência portuguesa da Escola da Ponte não se dissemina. Adianto desde já que não achei a resposta e torço para que entendidos passem por aqui com suas valiosas experiências.

A Escola da Ponte fica em Vila das Aves, no norte de Portugal (veja também na wikipedia), onde funciona desde 1976 – lá se vão trinta anos. Não há salas de aula separadas, há espaços comuns de aprendizado. Não há professores, ninguém que se apresente diante do grupo como portador único da sabedoria. As 220 crianças que ali estudam desenvolvem seus projetos de forma independente e solidária, e têm acesso indiscriminado aos 39 orientadores educativos. No início as crianças aprendem a trabalhar juntas, a gerir seu tempo e avaliar o que sabem. Aliás, a avaliação é assim: quando uma criança julga que sabe o assunto, põe seu nome na lista “Eu já sei” e um professor (ops, orientador) mais entendido avaliará o aprendizado da forma que julgar mais adequada. Por aí vai.

Mas o Brasil é o Haiti e é a Suécia, já disse o João Carlos. Como pensar em projetos de ensino que atravessem os abismos que separam regiões e classes sociais neste país? Eu não sei, mas aposto como o José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, tem uma resposta. Para começar, um dos princípios básicos de seu projeto educacional é que cada criança é diferente das outras. Com potencial e dificuldades únicas. Daí o tratamento individual que cada estudante recebe dos orientadores educativos.


E mais, o Brasil não está parado. “Está a acontecer uma reforma silenciosa no Brasil, que tem um potencial humano tremendo e por isso é que venho viver no Brasil, para me afastar da Escola da Ponte e para participar desta transformação das escolas que, discretamente, clandestinamente, vem ocorrendo”, disse Pacheco numa entrevista. Por enquanto só há um exemplo notório: a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, no bairro paulistano do Butantã, que em 2004 começou a derrubar as paredes que dividiam salas de aula. Desejo longa vida à escola, e que a idéia pegue.

(Leia mais sobre a escola Amorim Lima aqui e aqui)


Este texto é parte de uma discussão no blogue roda de ciência.

Por favor, comentários aqui.


02 agosto 2007

Discurso embutido ou a essência bruta das idéias


Dizem-me que é difícil o que só pode significar que
Co-Memorandum
não cativa.

Mas é d'a essência bruta das idéias!

De repente o olhar se fixa num ponto,
foca e desfoca,
apreende e experimenta sensações,
emoções damasianas que formam imagens,
sentimentos que se imprimem no jorrar da linguagem cerebral.
O que recebe o olhar é múltiplo,
se não o parece,
múltiplo se fará,
de acrescentos, nos circuitos da rede neuronal.

Discurso embutido, o linguajar da essência bruta das idéias.

...e das imagens dos sonhos,
e das imagens que, muito raramente, confluem para uma Grande Idéia!?