29 julho 2006

Evolution in Four Dimensions

Novas descobertas da biologia molecular desafiam a visão genicêntrica da teoria neo-Darwiniana segundo a qual a adaptação ocorre apenas através da seleção natural de variação aleatória do DNA.

Você tem consciência de que o pensamento sobre a hereditariedade pode passar atualmente por uma mudança revolucionária? Não? Pois então deveria ler o livro de Eva Jablonka e Marion Lamb Evolution in Four Dimensions (The MIT Press, 2005)! Se já tiver lido com prazer The Century of the Gene de Evelyn Fox Keller (Harvard University Press, 2000), não se arrependerá! Veja o breve comentário que Keller inscreveu na quarta capa do livro:

"With courage and verve, and in a style accessible to general readers, Jablonka and Lamb lay out some of the exciting new pathways of Darwinian evolution that have been uncovered by contemporary research."

Desenho da quarta capa do livro, de Anna Zelogowski.

Lamarck, Darwin e neo-darwinismo
A princípio, Jablonka & Lamb situam o leitor na batalha travada entre biólogos da evolução na primeira metade do séc. XX para construir a Síntese Evolutiva. Para compreender a Síntese Evolutiva, as autoras precisam de nos levar a Lamarck, a Darwin e às discussões do seu tempo (séc. XIX). Recapitulam-se aqui as teorias da hereditariedade até chegarmos à Origem das espécies. Depois surgem, entre outras, as leis da hereditariedade de Mendel e finalmente a grande revolução com a descoberta da molécula de DNA como veículo de informação hereditária.

Com a Nova Síntese, as disciplinas da Embriologia e Desenvolvimento perdem sua importância no estudo da Evolução. Os biólogos da escola americana tinham ganho a batalha aos biólogos da escola russa. Uma premonição do que se viria a passar meio séulo mais tarde, com o fim da Guerra Fria?

As quatro dimensões
Em Evolution in Four Dimensions, Jablonka & Lamb defendem que a hereditariedade não é apenas o produto da trasmissão de informação genética contida em sequências de DNA. As autoras apresentam quatro dimensões evolutivas — quatro sistemas hereditários que desempenham uma função em Evolução: genética, epigenética (ou transmissão de informação não contida no DNA, mas na célula), comportamental, e simbólica (transmissão pela linguagem a outras formas de comunicação simbólica). Estes sistemas originariam então a variação sobre a qual a seleção natural poderia atuar. Evolution in Four Dimensions oferece uma perspectiva mais rica e complexa da Evolução que a visão unidimensional e genicentrada preferida e alardeada actualmente. A nova síntese que Jablonka e Lamb nos anunciam deixa claro que alterações induzidas e adquiridas também desempenham um papel em Evolução. O advento do neo-lamarckismo?

Após discutirem cada um dos quatro sistemas hereditários em detalhe, Jablonka & Lamb reconstroem "Humpty Dumpty" (o sistema complexo) mostrando como todos estes sistemas interagem. Consideram como cada um se pode ter originado e guiado a história evolutiva, e discutem as implicações sociais e filosóficas da visão tetra-dimensional da evolução. Implicações essas que poderão ser especialmente relevantes para a evolução humana! Mas Jablonka & Lamb não se aventuram demais nesse tema, compreensivelmente.

Cada capítulo termina com um diálogo em que as autoras respondem às contrariedades de uma personagem ficcional e céptica, Ifcha Mistabra (I.M.) — “a conjectura oposta” em aramaico — refinando os seus argumentos contra a vigorosa contra-argumentação de I.M. No mínimo, terrivelmente original! Genial!

Estilo literário
É espantosa a combinação de um texto cientificamente complexo, simplicidade e acessibilidade de compreensão dada a a complexidade dos assuntos abordados e, acima de tudo, de uma escrita cuidada e cativante. Para isto muito contribuem os diálogos no final de cada capítulo. O texto lúcido e acessível é acompanhado pelo traço delicioso das ilustrações de Anna Zeligowski (ver figura acima) que ilustram com humor e de forma efetiva o desenrolar da argumentação das autoras. É pois uma obra acessível para todos os amantes da Evolução, sejam especialistas ou leigos. À atenção de alguma editora interessada pois o livro não está ainda traduzido para o português!?

Revolução?
Em uma obra pré-revolucionária, talvez fundadora, não se poderia esperar apenas a mera aglomeração de fatos científicos comprovados para refutar paradigmas existentes. A grande obra científica pré-revolucionária é aquela que combina conhecimento teórico e empírico sedimentado com a estruturação racional da imaginação intuitiva para (re)criar um corpo conceptual novo. Tal aconteceu com Charles Darwin com a sua Origem das Espécies, quando C.D. não conhecia ainda os mecanismos da hereditariedade mas se baseou no conhecimento da época e nas suas observações para intuir sobre eles.

Também Jablonka & Lamb especulam agora sobre como alguns dos mecanismos hereditários propostos seriam importantes num contexto evolutivo. Especulam? Pois é, haverá muitos céticos relativamente a esta obra e a sua avaliação será feita, como sempre, dentro de algumas décadas. Mas, no mínimo, penso que Evolution in Four Dimensions ficará como uma obra inspirada e inspiradora, que guiará sonhos e avenidas de pesquisa de muitos em anos próximos. Podem crer que sonho com evolução a quatro dimensões há algum tempo. E que mais dimensões haverá...!

Sonhem! Não se fiquem pelo óbvio nem pelo adquirido, na pesquisa e na Vida!



Biodiversidade brasileira acessível à pesquisa

Acaba de ser aprovada uma proposta pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) para reduzir a carga burocrática que torna inviável o trabalho de muitos pesquisadores.

Não vou repetir o que já está sendo dito por aí, mas como o assunto me interessa (ver aqui e links no texto), não posso deixar de pôr uma notinha comemorativa. Veja notícias do Instituto Socioambiental, do Estado de São Paulo que foi publicada no Jornal da Ciência e comentário do João Carlos no Chi vó, non pó.

Carros versus ônibus?

O João Carlos, do Chi vó, non pó, escreveu um texto rebatendo o que escrevi aí em baixo, sobre transportes urbanos. Escrevi longa resposta lá nos comentários. Quem tiver interesse em acompanhar o debate - e contribuir para ele! - passe lá.

28 julho 2006

Manifesto por cidades humanas


Que tal ir trabalhar a pé ou de bicicleta, mesmo que demore um tanto mais? Você deixaria de poluir o ar, economizaria tempo e dinheiro com academia e ficaria mais saudável.

Eu adoraria, pena que nem sempre é possível. Mas fui à conferência sobre transporte sustentável que aconteceu esta semana em São Paulo, e fiquei animada. Quem sabe não seja possível termos ar mais limpo para respirar nessas caminhadas, além de mais segurança para não morrermos atropelados?

A experiência de Enrique Peñalosa em Bogotá é inspiradora, veja
aqui. A foto acima é de lá, peguei emprestada na wikipedia.

E leia na ComCiência a
notícia que escrevi (em princípio a última lá, está chegando ao fim meu período de bolsista no Labjor).

Abaixo, a versão sem cortes nem edição, um pouco mais longa.

“Declaração de São Paulo” define metas para melhorar a qualidade do ar e dos transportes urbanos na América Latina

Boa parte da poluição do ar é causada por carros particulares. As conseqüências são sérias e vão desde mudanças climáticas globais até mortes e internações. “Existem os conhecimentos, existem opções. É preciso ações conjuntas”, disse Sérgio Sánchez, da Iniciativa do Ar Limpo para as Cidades da América Latina (IAL-CAL) a respeito de melhorar a qualidade do ar e atingir sustentabilidade no transporte. Foi em busca disso que pesquisadores, políticos e técnicos de vários países se reuniram em São Paulo esta semana na conferência “Ar Limpo para a América Latina 2006”.

A poluição traz problemas ao nível local — a poluição do ar; e global — o impacto do homem na atmosfera. “A atmosfera em relação ao mundo é como a casca de uma maçã, uma camada muito frágil”, explicou Mário Molina, mexicano que ganhou o prêmio Nobel de Química em 1995 por descobertas quanto a gases que atacam a camada de ozônio. Como conseqüência das atividades humanas o clima está mudando, o nível do mar está subindo, as chuvas estão diferentes. O impacto que isso causa afeta as florestas, a agricultura, a saúde, os recursos hídricos, entre outros. Segundo ele, restringir as emissões pode ter um efeito importante.

Grande parte da poluição do ar se deve ao crescimento da frota de veículos. Diversos estudos acusam efeitos muito graves da poluição na saúde, como mostrou Bob O’Keefe, do Health Effects Institute, instituição norte-americana que pesquisa efeitos da poluição na saúde. Esses danos incluem problemas cardiopulmonares, ataques cardíacos e inflamações pulmonares, que reduzem de forma importante a duração e a qualidade da vida. Segundo o pesquisador os conhecimentos epidemiológicos nessa área são grandes, e permitem determinar restrições mais rígidas, como tem acontecido nos Estados Unidos.

É preciso limpar os veículos
Os problemas que existem hoje não surgiram por acaso, disse Lee Schipper, da Embarq, instituto sediado nos Estados Unidos que presta consultorias para encontrar soluções de transporte urbano. Eles foram permitidos e até mesmo encorajados, devido a interesses comerciais e políticos, além de maus parâmetros ambientais. A proliferação de pequenos coletivos como as peruas são um problema sério, pois acabam por dividir o trânsito (e a emissão de poluentes) em veículos menores e mais “sujos”. A primeira medida, portanto, é limpar os veículos — tanto em termos de regulagem e tecnologia como do combustível utilizado.

Na maior parte dos Estados Unidos reina o transporte individual. Por isso, a visão norte-americana para melhorar os efeitos deletérios da poluição por veículos reside na tecnologia, no uso de combustíveis não derivados do petróleo e no estabelecimento de normas restritivas a emissões. Foi esse o teor da fala de Alan Lloyd, da Agência de Proteção ao Meio Ambiente da Califórnia. Idéias de desenvolver transporte coletivo existem, mas com menos ênfase.

Luis Cifuentes, da Pontifícia Universidad Católica do Chile, mostrou a experiência chilena em Santiago, onde a renovação da frota de ônibus e táxis teve grande impacto em reduzir as emissões de gases tóxicos. Mas ônibus movidos a combustíveis mais limpos, como gás natural ou biodiesel, não resolvem o problema de poluição se estão presos no trânsito, afirma Schipper. “A mobilidade sustentável é o que resolve o problema”. Segundo ele, a ênfase em combustíveis limpos traz o problema de aumentar sua demanda. A solução é reduzir a necessidade de combustível, explicou. Ruy de Góes, do Ministério do Meio Ambiente, argumentou que a longo prazo é importante reformular o transporte público. Mas a curtíssimo prazo é urgente atender à questão de saúde pública. Para isto, alternativas mais limpas como gás natural e biocombustíveis são necessárias.

Prioridade ao transporte público
Mas combustíveis limpos são uma pequena parte do pacote total, afirmou Lloyd Wright, da Fundação Viva, em Quito (Equador). “A sustentabilidade completa está longe de ser encontrada em um laboratório ou veículo ‘flex’”, alertou. Ele acredita que vias para pedestres, ciclovias e transporte público são soluções muito mais efetivas do que depender de um tipo de combustível. Mas ele avisa que essas soluções só serão adotadas pelo público se oferecerem velocidade, comodidade e segurança.

Em termos de transporte público, metrô pode ser preferível mas inviável. Experiências de sucesso, como Curitiba, Bogotá e Cidade do México, mostram que corredores rápidos de ônibus podem ser soluções eficientes e muito mais baratas do que o metrô. Um projeto em análise em Curitiba é o metrô cutting cover, explicou o Diretor de Negócios da Urbanização de Curitiba S.A. (Urbs) Clodualdo Pinheiro Júnior. É uma tecnologia mais barata do que o metrô convencional, porque as escavações se limitam a 7 metros de profundidade. Em cima dessa vala é posta uma tampa, sobre a qual se propõe a instalação de jardins e ciclovias.

Mas para realmente solucionar o problema, é preciso ousar. Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, contou sobre as mudanças feitas na capital colombiana. Segundo ele, a questão do transporte transcende questões científicas e técnicas. “As cidades têm que refletir que os seres humanos são sagrados”, diz. Elas têm que ser planejadas para promover igualdade social e bem-estar. Até agora foi dada prioridade à mobilidade dos carros mais do que à felicidade das crianças. E segundo ele, para sermos felizes precisamos caminhar. De outra forma sobrevivemos, como um passarinho sobrevive numa gaiola.

Peñalosa chega a considerações mais filosóficas do que políticas. Segundo ele, precisamos rever nossos ideais de felicidade. Talvez ter um carro possante e andar a 200 Km/h numa auto-estrada não traga tanta felicidade quanto passear numa bicicleta velha por uma ciclovia às margens de um rio. Acima de tudo, ele defende que as cidades devem contribuir para a igualdade de qualidade de vida entre as pessoas. Para o ex-prefeito, é impossível tomar decisões sobre transporte sem definir que tipo de cidade se quer. Sua proposta é construir cidades para as pessoas, que privilegiem o espaço público para pedestres.

É esse o rumo que ele tomou durante sua gestão de Bogotá: tornar a cidade mais agradável para pessoas do que para carros. Por isso, vagas para estacionamento perderam espaço para calçadas alargadas. Se os recursos são escassos, a prioridade vai para calçamento de vias para pedestres e bicicletas; se falta espaço, o que não cabe são os carros. É esta a visão de Peñalosa. E andar de bicicleta, não porque seja simpático ou divertido. Mas porque é um direito do cidadão deslocar-se de forma barata sem correr risco de vida.

Tais decisões exigem não só vontade, mas punho político. Porque as medidas para estimular o uso de transporte público não são necessariamente populares — como foi o caso do rodízio de carros na cidade de São Paulo, como lembrou o autor da medida Fábio Feldmann, atualmente Secretário Executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. Peñalosa explica que em cidades onde os cidadãos utilizam transportes públicos, eles não o fazem por amor ao meio ambiente — mas porque há restrições sérias ao uso de veículos particulares.

Esforço conjunto
A conjunção de diversos setores propiciou uma possibilidade de estabelecer colaborações reais. Sigfried Rupprecht, da Iniciativa Civitas da Europa, se declarou aberto para troca internacional de lições práticas. Tanto a Europa como a América Latina têm experiências de sucesso que podem ser bem utilizadas em outros continentes.

O grande problema em São Paulo, segundo o Secretário Municipal de Transportes, é a fiscalização. “Planos temos, mas a realidade nos passa por cima”, lamentou.Vontade política foi a necessidade mais invocada pelos palestrantes da conferência. John Gummer, Secretário do Meio Ambiente do governo de Londres, afirmou: “É possível mudar a vida de uma cidade. Muitas pessoas devem suas vidas a políticas de qualidade do ar. Demos ouvidos por tempo demais àqueles que pensavam que seria difícil demais fazer algo. Poderíamos ter salvo muito mais vidas”.

Na sessão de encerramento, foi lida e discutida a “Declaração de São Paulo”, que estará disponível para sugestões no site da IAL nos próximos dez dias. Após esse período será redigida a versão final do documento, que segundo Sérgio Sánchez será o marco estratégico que constituirá o principal objeto de trabalho da Iniciativa. Eduardo Jorge conclamou as cidades latino-americanas a se filiarem para participar do processo de construção coletiva de políticas.

23 julho 2006

Evolução e declínio do império neo-darwiniano

Alguns de nós (pres)sentimos a revolução emergente nos paradigmas da teoria da Evolução (e precisa?), mais empurrada pela evidência empírica do que pela genialidade das ideias. Esta parece que talvez tenha mesmo ficado aprisionada lá pelos fins do séc. XIX.

Do paradigma darwiniano restou a lei da Seleção Natural co-optada pelos obreiros da Nova Síntese neo-darwiniana em meados do séc. XX. O seu reducionismo genético extirpou da teoria da evolução um outro mecanismo, polémico é certo. O da transmissão de características adquiridas à descendência, que era o cerne da teoria da Evolução de Jean-Baptiste Lamarck.

O geneticista Sérgio Pena devota a sua última coluna mensal na Ciência Hoje online (
Deriva Genética) à descrição de alguns casos em que aquela transmissão epigenética (i.e. além dos genes) de características pode ocorrer. Aqui está o parágrafo inicial do seu artigo Viva Lamarck (!?):

"Coitado do Jean-Baptiste de Lamarck! O naturalista francês (1744-1829) é lembrado principalmente pela idéia, hoje meio ridicularizada, de que as características adquiridas são transmitidas à próxima geração. Isto sempre me traz à mente a visão de uma girafa esticando o pescoço para alcançar os brotos mais altos nas árvores e depois dando à luz girafinhas com pescoços igualmente espichados. Mas pouca gente sabe que foi Lamarck, e não Darwin, quem primeiro falou em evolução. A descoberta fundamental de Darwin foi o mecanismo correto da evolução, a seleção natural. Pois bem, pasmem vocês, parece que em algumas situações muito especiais pode ocorrer a herança de caracteres adquiridos! Quero deixar claro não se trata de nada que possa ameaçar de maneira alguma o cânone darwiniano. Mas talvez seja suficiente para fazer aflorar em Lamarck, dentro de sua cova, um sorriso nos lábios."

Curioso o trecho “Quero deixar claro não se trata de nada que possa ameaçar de maneira alguma o cânone darwiniano”. Mas lendo o parágrafo conclusivo da Origem das espécies de Charles Darwin, aqui na minha postagem anterior, facilmente se conclui que também Darwin aceitava que a variabilidade transmitida a gerações posteriores resultava de "ação indireta e direta das condições externas da vida, e pelo uso e desuso", o que equivaleria hoje a aceitar a hereditariedade epigenética. De facto, a hipótese pangenética da hereditariedade de Darwin era compatível com a transmissão da caracteres adquiridos. Então como a “herança de caracteres adquiridos” poderia ameaçar o “cânone darwiniano”?

Talvez eu tenha entendido mal o uso da expressão e desde já apelo a Sérgio Pena para esclarecer a minha dúvida. Mas, mesmo antes do esclarecimento prestado, vou ser provocativo e sugerir que Sérgio Pena se referia de facto ao cânone darwiniano que resultou do recondicionamento conceptual brilhantemente realizado pelos artífices da
Nova Síntese neo-darwiniana. Esta não resultou de unanimidade no universo do pensamento biológico, mas sim da vitória de uma escola de pensamento, a dos teóricos da genética populacional do mundo anglo-saxónico do pós-guerra. Parte importante do conhecimento em biologia, como a biologia do desenvolvimento embrionário, simplesmente não foi integrada na Nova Síntese, sendo que a discussão de como a informação hereditária é organizada para formar o organismo era, e ainda é, a grande questão central da biologia. Terá resultado desse recondicionamento o cânone darwiniano que é transmitido hoje aos garotos na escola e ao público leigo.

Evelyn Fox Keller, contou essa história da centralização do cânone darwiniano no gene de forma brilhante no seu “The Century of the Gene”, no final do séc. XX (2000). Mas Keller acredita que as boas ideias perduram e que sempre existirão cientistas em busca de desafios:

"No entanto, acredito que ainda muito há para ser dito. Darwin ensinou-nos a importância do acaso na evolução por seleção natural, mas também nos ensinou a importância do desafío. Com um espírito semelhante, sugiro que o desafío cria uma poderosa força diretora, também para a evolução do nosso entendimento dos processos da evolução biológica. Conseguimos já vislumbrar sinais dessa evolução no esforço dos teóricos evolutivos para fazer sentido dos mecanismos de estabilidade genética, evolutibilidade, e robustez do processo de desenvolvimento que análises moleculares começaram a revelar. Assim, prefiro terminar [o livro] com a previsão de que muito mais está por vir, talvez até um outro período Cambriano, só que desta vez não no âmbito do aparecimento de novas formas de vida mas de novas formas de pensamento biológico."

Do original de Evelyn Fox Keller The Century of the Gene (2000).
Tradução de João Alexandrino.

Pois escrevo estas linhas simplesmente para celebrar o acerto da previsão de Keller, revelado não só em diversos artigos científicos recentes (últimos 5-10 anos) mas especialmente no livro iluminado de Eva Jablonka e Marion Lamb com o título Evolution in Four Dimensions (2005). Um livro fundador de uma ideia mais abrangente de Evolução, um outro cânone, que finalmente parece fazer justiça à genialidade de Charles Darwin. A literatura científica maravilhosa de Jablonka e de Lamb, as belas ilustrações de Anna Zeligowski e os diálogos com Ifcha Mistabra estarão comigo nas próximas semanas, talvez meses, aqui neste blog. Fiquem por perto e estejam atentos aos prenúncios de queda do império neo-darwiniano. Viva Darwin!

Manguezais em perigo


Manguezais de ilhas no Pacífico estão seriamente ameaçados devido a mudanças climáticas. É o que diz o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Os bosques de mangue são ecossistemas costeiros típicos de locais de águas salobras, como estuários. Sua importância é imensa, pois têm características biológicas únicas e um valor ecológico e econômico inestimável, pois são essenciais para a reprodução de boa parte dos organismos marinhos, inclusive aqueles com grande valor econômico.

Sua localização costeira torna os manguezais intrinsecamente vulneráveis a variações no nível do mar. As ilhas do Pacífico, porém, estão em situação ainda mais delicada do que a média. É o que mostra o documento, divulgado esta semana (18 de julho), que apresenta um quadro completo incluindo propostas de planejamento ambiental para a região.


Leia também notícia divulgada pelo portal da ONU (em espanhol).

22 julho 2006

O paradigma darwiniano

Aí está, numa tradução minha para o português e na sua forma original, em todo o seu esplendor poético, o parágrafo conclusivo da obra fundadora do pensamento darwiniano. Quase 150 anos volvidos, é importante pensar na evolução das imagens mentais que dele têm sido transmitidas. Talvez para concluir que quando alguém se refere hoje ao paradigma darwiniano, sempre deixa de fora uma das leis formadoras da vida segundo Charles Darwin. Qual e por que motivo? Quem souber terá a minha admiração.

Coitados de nós! Volvidos 150 anos, finalmente os porcos parecem querer juntar outra vez as pérolas lançadas pelo venerável CD.


"É interessante contemplar a margem densa, vestida com muitas plantas de muitos tipos, aves cantando nos arbustos, insetos diversos borboleteando, e vermes rastejando na terra húmida, e refletir que estas formas de construção elaborada, tão diferentes umas das outras, e dependentes entre si de forma complexa, foram todas produzidas pela ação de leis que nos rodeiam. Estas leis, no seu sentido mais lato, sendo: Crescimento com Reprodução; hereditariedade que está quase implícita na reprodução; Variabilidade originada pela ação indireta e direta das condições externas da vida, e pelo uso e desuso; uma Taxa de Aumento [populacional] tão elevada que leva a uma Luta pela Vida, e como consequência desta à Seleção Natural, originando a Divergência de Caracteres e a Extinção das formas menos aptas. Assim, da guerra da natureza, da fome e da morte, surge o objeto mais admirável que somos capazes de conceber, nomeadamente, a produção dos animais superiores. Existe grandeza nesta visão da vida, com os seus vários poderes, tendo sido originalmente insuflada em algumas poucas formas ou em uma só; e que, enquanto este planeta seguiu os seus ciclos de acordo com as leis fixas da gravidade, desse início tão simples, inúmeras formas mais belas e mais maravilhosas foram geradas, e ainda são, através da evolução."

Parágrafo final de “The Origin of Species” de Charles Darwin (1859).
Tradução de João Alexandrino.


"It is interesting to contemplate an entangled bank, clothed with many plants of many kinds, with birds singing on the bushes, with various insects flitting about, and with worms crawling through the damp earth, and to reflect that these elaborately constructed forms, so different from each other, and dependent on each other in so complex a manner, have all been produced by laws acting around us. These laws, taken in the largest sense, being Growth with Reproduction; inheritance which is almost implied by reproduction; Variability from the indirect and direct action of the external conditions of life, and from use and disuse; a Ratio of Increase so high as to lead to a Struggle for Life, and as a consequence to Natural Selection, entailing Divergence of Character and the Extinction of less-improved forms. Thus, from the war of nature, from famine and death, the most exalted object which we are capable of conceiving, namely, the production of the higher animals, directly follows. There is grandeur in this view of life, with its several powers, having been originally breathed into a few forms or into one; and that, whilst this planet has gone cycling on according to the fixed law of gravity, from so simple a beginning endless forms most beautiful and most wonderful have been, and are being, evolved."

The concluding paragraph of Darwin's Origin of Species, First Edition (1859).

Rio Solimões sem óleo


A última edição da Ciência e Cultura traz um dossiê sobre a Amazônia. Eu tive a oportunidade de aprender sobre o projeto Piatam. É uma iniciativa da Petrobras, que em associação com a Universidade Federal do Amazonas realiza levantamentos ecológicos ao longo do rio Solimões, num trecho com trânsito de embarcações transportadoras de óleo. O resultado é um mapeamento ambiental que que está sendo utilizado para mais do que traçar estratégias de resposta a possíveis derramamentos.
O mapa acima mostra comunidades ribeirinhas com as quais o Piatam está desenvolvendo projetos diversos.
Leia mais na reportagem.

21 julho 2006

Só... um milhão de anos!?

Um novo oceano poderá formar-se, separando o nordeste da Etiópia e Eritreia do resto de África. É só esperar um milhão de anos para ter a certeza! A notícia que transcrevo é da Agência Lusa, com base num artigo publicado na Nature.

Será que não dá para acelerar um pouquinho o processo, que tal alguns metros por ano? Talvez os norte-coreanos pudessem testar seus mísseis no deserto de Afar, o epicentro de toda essa atividade tectónica. A comunidade internacional, liderada pelos radicais Bushiitas, com certeza não desdenharia da oportunidade de explorar futuros recursos que viessem a ser encontrados neste Golfo da Eritreia. E o Brasil não pode ficar de fora! Afinal, com o aumento do tráfego aéreo de 15% ao ano (e a Varig lá se aguentou!), não há auto-suficiência petrolífera que resista. A Petrobras não pode ficar para trás!

Veja-se na foto ao lado, a fenda de uns míseros oito metros. Assim não dá!
Eu, por mim, não quero esperar 1MA para navegar nesse novo oceano. Quem sabe dá para plantar umas ilhotas paradisíacas lá pelo meio?

Agência Lusa - 21.07.2006
Fractura na crosta terrestre pode formar novo oceano
No deserto africano de Afar

Uma recente fractura da crosta terrestre no deserto africano de Afar, perto do Mar Vermelho, poderá separar a Etiópia e a Eritreia de África e formar um novo oceano, de acordo com um estudo publicado hoje a revista “Nature”.

Com base em imagens de satélite captadas antes e depois do aparecimento da fractura, em Setembro de 2005, cientistas britânicos, norte-americanos e etíopes concluíram que atingiu oito metros de profundidade em apenas três semanas, ao longo dos seus 60 quilómetros, sendo lentamente preenchida com magma (rocha fundida).

Foram as imagens do satélite Envisat da Agência Espacial Europeia (ESA) que permitiram aos cientistas analisar em primeira mão a evolução deste fenómeno geológico e constatar a sua rapidez.

As observações levaram também os cientistas confirmar que as duas enormes placas tectónicas que formam a África e a Arábia estão a separar-se devido à injecção de magma.

"É claro que a subida de rocha em fusão está a separar a África da Arábia", afirmou o principal autor do estudo, Tim Wright, da Universidade de Leeds.

O processo começou há cerca de 30 milhões de anos, quando uma massa de lava se elevou por debaixo da crosta terrestre e separou a península arábica de África, criando o Mar Vermelho, e levará outros milhões até ficar concluído.

Segundo os cientistas, trata-se de uma das poucas zonas do mundo onde um continente está a ser activamente separado por movimentos em curso nas placas tectónicas, num processo considerado semelhante ao que deu origem ao oceano Atlântico.

O estudo refere que a velocidade de separação das placas tectónicas africana e arábica é semelhante à do crescimento das unhas dos dedos (alguns centímetros por ano).

Como resultado dessa separação de longo prazo, o nordeste da Etiópia e da Eritreia irá destacar-se do resto da África, formando eventualmente um novo oceano.

"Não sabemos ao certo se irá aparecer um novo oceano no local, mas as perspectivas são boas", ironizou Wright. "Bastará deixar passar um milhão de anos".

Células-tronco

A notícia científica da semana é o veto do presidente norte-americano George W. Bush ao projeto de lei que ampliava o financiamento federal e possibilitava o uso de embriões descartados em clínicas de fertilidade para pesquisa com células-tronco (leia mais na Agência Fapesp). A lei foi aprovada no senado, mas o presidente considerou que ela ultrapassava uma barreira moral importante. Por isso ela mereceu o primeiro veto do mandato de Bush.

O assunto chama ainda mais a atenção porque cada vez mais pesquisas mostram o potencial das células-tronco embrionárias para tratar os mais diversos males. Um exemplo é o artigo "T lineage differentiation from human embryonic stem cells" ["Diferenciação de linhagens T a partir de células-tronco embrionárias humanas"], de um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles, disponível na versão on-line da revista PNAS.

Eles usaram uma linhagem de células embrionárias das que já existem em laboratório, e viram que elas são capazes de gerar células T, além de outros componentes do sangue. As células T fazem parte do sistema imunológico, e têm esse nome por completarem seu desenvolvimento no timo. O segredo está em descobrir o meio ideal para que essas células se desenvolvam. A partir daí, elas podem ser inseridas no organismo num estágio ainda incompleto de diferenciação, e o timo se encarrega do resto.

Mas o grupo não só cultivou essas células. Eles também as modificaram geneticamente, de forma que genes podem ser ligados ou desligados, corrigindo problemas de função. O artigo afirma que esse tipo de trabalho pode vir a ser importante para tratar doenças sangüíneas genéticas ou infecciosas (como Aids).

Falta agora estímulo e viabilidade para levar as pesquisas adiante.

20 julho 2006

Estudar a biodiversidade - mais sobre batalhas entre pesquisadores e legislação

Pesquisadores que trabalham com a biodiversidade brasileira sofrem com entraves impostos ao seu trabalho pela legislação vigente.

Para quem acompanha este blogue, isto não é novidade. Já escrevi sobre o assunto aqui e aqui. Sempre que pensei sobre o assunto, parecia faltar um diálogo direto entre pesquisadores e legisladores, de forma a traçar metas conjuntas que estimulassem o estudo de nossa natureza mas a protegessem também.

Parece que essa conversa aconteceu, durante a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Florianópolis. Veja notícia de Eduardo Geraque na Agência Fapesp.

19 julho 2006

Botânica no ar

Está sendo lançada, na reunião da SBPC em Florianópolis, a "Flora Brasiliensis Estendida". É um sistema que reunirá toda a informação disponível sobre nossos conterrâneos vegetais. Leia notícia na ComCiência.

(Eu ia pôr uma foto de minha autoria, mas não estou em casa então peguei esta emprestada)

18 julho 2006

As maravilhas da própolis

Logo de manhã já estava dando uma de mãe. “Você vai sair sem tomar mel com própolis! Depois não fica bom e não sabe por quê”. Ele me olhou como se eu fosse uma mera supersticiosa e saiu chupando sua pastilha para a garganta (“que não medica, só alivia”, digo eu).

Aí me lembrei do livro, esse aí da imagem, do meu amigo (e fornecedor de mel e própolis) Mendelson Guerreiro de Lima. Fui olhar, tem dois capítulos que falam das propriedades da própolis: “Propriedades farmacológicas da própolis”, de Hércules de Menezes (Departamento de Microbiologia da Unesp de Rio Claro), e “Composição química e atividade biológica da própolis”, de Maria Cristina Marcucci (Universidade Bandeirantes, São Paulo). Ambos vêm cheios de referências a artigos, de forma que os céticos podem fazer a festa. Eu hoje fico por aqui.

A própolis tem propriedades: antiinflamatória, antimicrobiana, antitumor, antioxidativa, antifúngica, antiprotozoária, antiviral, entre outras.

A ação contra bactérias, que é a que mais me interessa hoje, é a mais estudada e comprovada. Diz Maria Cristina Marcucci que concentrações pequenas de própolis inibiram o crescimento de 25 entre 39 linhagens de bactérias testadas. Inclusive uma chamada Streptococcus mutans, associado à formação de cáries em humanos!

Já foram também isolados da própolis vários compostos com ação antiinflamatória comprovada.

Um dia me espantei, ao pôr própolis numa afta que estava me deixando maluca – ardeu, mas logo em seguida parei de sentir. Fui perguntar pro Mendelson, que me explicou que a tal poção mágica das abelhas tem um poder analgésico mais forte que a cocaína!


Para quem quiser mais, tem uma notícia que escrevi no ano passado para a ComCiência.

15 julho 2006

A cabeçada de um génio

Maria, não resisto a opinar, concordando!

No ténis, recordo as finais de Wimbledon entre Borg-McEnroe e Lendl-McEnroe. João Macarrão tinha coração, Borg era ciborgue, e Lendl cata-lêndeas. A minha paixão pela personalidade de McEnroe vinha tanto da sua (muitas vezes má) atitude em campo como pela genialidade do seu jogo. Ele era a antítese dos outros campeões.

O mesmo se passava com Mansell, por comparação a Piquet, Lauda, Senna ou Prost. Mais uma vez era a luta dos opostos que me atraía, embora deva confessar que sempre gostei do Piquet e que só comecei a torcer pelo Mansell depois de vê-lo a empurrar desesperadamente o seu carro sem gasolina para cortar a meta.

Poderia também falar do meu time de futebol, o português FC Porto, que está para os outros times grandes de Portugal como o Barcelona está para o Real Madrid. A explicação está na sua filosofia, que representa a luta e o trabalho de toda uma região contra o centralismo do poder, a asfixia dos cidadãos pelo estado clientelar e dos ideais republicanos (os legítimos!), o anti-estrelato e o coletivismo. E podem ter a certeza, se algum dia a filosofia do meu time mudar, entro em sabática de torcida!

Zidane, cidadão do bairro de La Castellane de Marselha, argelino e francês (por esta ordem, como ele próprio afirma), cuja vida particular nunca vi estampada na imprensa côr-de-rosa, indignou-se com os impropérios de Materazzi, no jogo da final da copa do mundo. Podia ter reagido de forma diferente, é certo. Quem sabe falar com o árbitro ou até chegar ao extremo de ameaçar sair de campo, como vi este ano fazer E'too, do Barcelona, depois de ter ouvido comentários racistas durante grande parte de um jogo.
Mas Zidane decidiu fazer justiça ali, naquele preciso momento em que a sua vida pública se cruzava com a sua vida privada. Com certeza não terá sido a primeira vez, e convenhamos que Zidane nunca foi um menino de coro de igreja, mas Zidane perdeu a sua cabeça esquentada, que se lançou movida por vontade própria que o corpo não pôde controlar, sobre o peito do vil Materazzi.

Na foto ao lado, Zidane recoloca a sua cabeça no lugar após a ter perdido e lançado sobre o peito descoberto de Materazzi.



Quando vi a imagem, tive pena de Zidane, preferia que não tivesse feito aquilo, tive pena de Materazzi porque a cabeçada de Zidane foi bárbara. Quando revi as imagens e percebi o que tinha sucedido, tive pena de Zidane, não tive tanta pena de Materazzi.

Zidane é cidadão do bairro de La Castellane de Marselha, argelino e francês. Mas aquela não foi a "cabeçada de um homem'', foi a cabeçada de um génio. E os génios são assim, dotados daquela imprevisibilidade de onde brotam as paixões irracionais.

A cabeça de Zidane

Resisti até agora, mas não mais. Foi opinião disseminada pelos blogues que acompanho (Via Gene, Ciência em dia, não sei se mais algum) que Zidane não devia ter feito o que fez na final da copa.

Me sinto solitária em achar que quem sabe ele teve suas razões, e que o acontecido não tira nada de seus méritos. Mas acabo de ler "A cabeçada de um homem", de Luís Carlos Lopes, na Agência Carta Maior, que me limito a recomendar.

Acho que o esporte está ficando muito chato com a escassez de "bad boys". Parei de ver fórmula 1 não com a morte do Senna, mas com a aposentadoria do Mansel. Adorava ver o McEnroe jogar a raquete no juiz. Sem Romários e companhia, talvez eu passe a ver novela.

Dieta nas unhas chega ao rádio

Quem acompanha este blogue já sabe sobre a possibilidade de detectar nas unhas aquilo que comemos (ver aqui).

O trabalho suscitou muito interesse, e a pesquisadora Gabriela Nardoto tem sido assediada pela imprensa. Saiu na Folha de São Paulo, ela já deu uma entrevista na Rádio Eldorado AM. Mas agora aviso a tempo: amanhã (domingo) às 16 horas, ela estará no ar ao vivo, em cadeia nacional, numa entrevista à rádio CBN do Rio.

14 julho 2006

A importância do ensino

A estrela de hoje da revista Science é o artigo sobre evolução observada em tempo real nos tentilhões de Galápagos, famosos por sua relevância para que Charles Darwin chegasse à sua teoria da evolução. Vale comentar o artigo, mas fica para depois.

Quero mesmo é falar sobre outro artigo no mesmo número da revista: "Teaching in wild meerkats", de Alex Thornton e Katherine McAuliffe.

As suricatas (Suricata suricatta) estão entre meus animais favoritos, então não chega a ser uma escolha isenta. Elas vivem na África, em grupos de 2 a 40 indivíduos, dos quais um casal é responsável pelo grosso da reprodução. Em termos evolutivos, quem não tem filhotes inexiste. Então, como é possível que esses bichos todos fiquem ali, dando uma de babá, sem ganhar seu pão evolutivo?

É essa pergunta que faz com que muita gente estude as suricatas. Já estive muito a par do conhecimento sobre elas, mas isso já faz alguns anos. Esqueci parte e não sei das últimas atualizações. Mas algumas vantagens podem tornar essa situação viável, até mesmo obrigatória. Pode ser que jovens que partam de um grupo para constituir família por conta própria simplesmente não tenham chance de sobrevivência. Ou que os filhotes só sobrevivam se tiverem babás constantes, o que requer um grupo social numeroso e abnegado. Se não me engano, são esses os fatores que mais contribuem para a permanência desses grupos. E elas caçam em grupo. Saem correndo com seus focinhos perto do chão e vão abocanhando qualquer invertebrado que tenha o azar de estar de passagem. Ou pequeno vertebrado também, mas isso é mais raro.

Enfim, tudo isso é preâmbulo para mostrar que barato são as suricatas. O artigo que saiu hoje reforça isso ainda mais: as babás ensinam os filhotes a caçar. Elas trazem as presas - mortas, vivas ou semi-vivas - e entregam para o filhote comer. À medida em que o filhote cresce, passa a receber presas mais e mais vivas. Mas o ensino tem suas sofisticações. Para evitar acidentes com escorpiões, item alimentar comum, as babás suricatas arrancam o ferrão antes de entregá-los (vivos) aos filhotes. E estes só se aventuram a traçar sua presa se o professor estiver ao lado. Parece que esse treinamento é essencial para que essas suricatinhas virem boas caçadoras.

Pois é, ensino não é essencial só para nós. E bons professores são uma preciosidade. Parece que até entre formigas é o caso, como comentou Caio de Gaia. Ah, e falando em professores, remeto também ao Pítáculos em ciências.

P.S. Mais sobre suricatas no Cais de Gaia.

Nós e a natureza

Quando eu era pequena, li em algum lugar sobre como o homem branco tinha destruído grande parte da natureza. Chorei por não ser índia, eu fazia parte dos vilões.

Lembrei disso após ver "O homem urso", de Werner Herzog. Está em cartaz em São Paulo, aqui em Rio Claro não. Mas vale a viagem, para quem não mora em alguma cidade grande.

Tim Threadwell foi muito mais longe do que eu. Ele não se adaptava à vida entre os homens, e queria ser selvagem. De preferência urso. E urso-grizzly, o mais selvagem de todos.

O filme é composto em grande parte por trechos de filmagens feitas pelo próprio Threadwell, durante seus anos de veraneio entre os ursos do Alasca. Para mostrar ao público - principalmente crianças - a beleza desses animais, o homem-urso gravou centenas de horas da vida dos ursos e da sua entre eles, com narrações para a câmera.

Ele se aproxima dos animais muito mais do que deveria, e explica que tem que se impor para sobreviver ali. Como não conseguiu se impor entre seus companheiros de espécie, o que podemos somente supor através das entrevistas filmadas pelo diretor Herzog.

Será que seu amor aos animais não passava de "naturebismo romântico", como disse Ana Claudia recentemente no Via Gene? Acho que tinha isso, mas também mais - uma alma perturbada mesmo, sem encontrar lugar no mundo. Acabou indo buscar a companhia daqueles que nunca o aceitariam - até o extremo de devorá-lo.

Saí do cinema angustiada com aquele homem. Com a sociedade norte-americana, que parece suscitar com freqüência maior do que a média essa necessidade de fugir do convívio. E também com os "naturebas românticos", que se acham no direito de intrometer-se no curso da natureza. Na melhor das intenções, mas muitas vezes com imensa ignorância. O grande sábio do filme é o rapaz de uma população do Alasca, que diz que sua cultura simplesmente respeita os ursos. E assim convivem, com a distância necessária a ambas as espécies.

Vários pensamentos me passam pela cabeça quando penso no filme, mas se eu precisar parar e refletir para compor uma reflexão profunda, vou esquecer o filme sem recomendá-lo. Então fica a sugestão, e o espaço aberto para quem quiser depositar suas reflexões.

12 julho 2006

Recolonização ecológica

Uma das novas estratégias de conservação propostas em tempos recentes envolve reintroduzir animais onde eles existiram um dia. No caso de espécies extintas, a idéia é procurar substitutas entre seus parentes próximos ou similares ecológicos.

Escrevi no ano passado uma notícia para a ComCiência sobre o assunto. Nela, citei um comentário publicado na Nature por um grupo de 12 ecólogos norte-americanos.

Sua proposta é restaurar processos ecológicos dentro de áreas cercadas em regiões dos Estados Unidos que foram desprovidas (segundo eles por ação do homem) de seus grandes animais. Para substituir a fauna original, seriam utilizados guepardos, leões, elefantes... e a tartaruga-de-bolson (Gopherus flavomarginatus - essa da foto, que peguei emprestada do site "The wild ones").

A tartaruga é parte importante do projeto, pois é a reintrodução menos discutível. Ela existia em parte do território dos Estados Unidos, mas hoje em dia está restrita (e por isso ameaçada) a um vale no México. Estender sua distribuição de volta até os Estados Unidos é ecologicamente mais simples do que soltar leões africanos no país. Além disso, tartarugas são menos ameaçadoras.

Volto ao assunto porque saiu na PLoS Biology um artigo jornalístico interessante, que discute essas iniciativas de reintrodução. Vale a pena dar uma olhada. (Como o Osame disse que blogues citam outros blogues, não posso deixar de mencionar que cheguei ao tal artigo graças ao The Loom).

Um dos autores do comentário da Nature do ano passado, Harry Greene (Universidade Cornell, EUA), esteve recentemente no Brasil. Ele me contou que um grupo de tartarugas será transferido para os Estados Unidos já em setembro deste ano, a partir de uma população criada em cativeiro numa fazenda americana. O interessante é que a transferência tem que ser feita com imenso cuidado, porque esses bichos são extremamente sociais. As tartarugas-de-bolson vivem sozinhas em tocas, mas ao espiar para fora têm que reconhecer seus vizinhos. Senão, saem em busca de seu lar. Por isso, os pesquisadores têm que montar uma complexa operação para transferir o grupo social inteiro, para tocas com a mesma distribuição espacial.

Greene acredita que o projeto está suscitando novo interesse da população, além de financiamento privado (neste caso, de Ted Turner). Ele comemora que daí podem sair mais possibilidades de conservação.

07 julho 2006

Dieta na ponta dos dedos

Você lembra o que comeu há seis meses? As pontinhas das suas unhas, aquelas que você está pensando que tem que cortar, lembram.

Gabriela Nardoto e colegas, da USP de Piracicaba, estudam formas de "ler" essa informação.

Leia mais na reportagem que escrevi para a Pesquisa Fapesp deste mês.

P.S. Os comentários abaixo incluem atualizações minhas, à medida em que vou encontrando coisas interessantes sobre isótopos estáveis.

06 julho 2006

Resgate de sapos em extinção


Espécies inteiras de anfíbios da América Central estão sendo dizimadas pelo fungo quitrídio Batrachochytrium dendrobatidis. É o que está acontecendo com a rã-de-vidro, ou Centrolene ilex, ao lado (foto de Ron Holt).

Já comentei antes
aqui o projeto de reprodução em cativeiro desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos Joseph Mendelson e Ronald Gagliardo. Fui atrás de mais informação, conversei com eles e com pesquisadores que questionam a iniciativa.

O resultado está na
notícia publicada ontem na ComCiência. Abaixo, copio respostas completas de pesquisadores dos dois lados da controvérsia.
P.S. Saiu novo número da Science, que me obriga a um adendo. Na edição desta semana vem um manifesto, assinado por 50 pesquisadores de anfíbios, que defende a formação de uma iniciativa organizada para se deter extinções de anfíbios no mundo todo. A conservação em cativeiro é ponto central da proposta.

Bruno Pimenta (Museu Nacional, UFRJ)
Infelizmente há sim um grande lobby em relação à conservação ex-situ, capitaneado por americanos. Mas isso não se deve a motivos ambientalistas. O fato é que projetos desse tipo chamam muito a atenção da mídia, sendo altamente atrativos para doadores (empresas, fundações, etc.). É muito bonita uma propaganda mostrando biólogos e veterinários em seus aventais brancos criando sapinhos coloridos e libertando-os na natureza, traz um retorno de marketing espantoso a qualquer marca que se associe a isso. Mas ninguém quer investir em estudos de viabilidade, ou seja, aqueles em que especialistas devem avaliar a capacidade do ambiente de receber novos indivíduos, a capacidade de sobrevivência desses mesmos indivíduos e os efeitos da reintrodução para os animais que já residiam nesse espaço. Isso não dá retorno. A função "marketeira" desses projetos é tamanha que ele foi colocado como a grande estrela do Amphibian Conservation Action Plan, um workshop com 60 cientistas de todo o mundo ocorrido em setembro do ano passado em Washington, do qual participei. Antes das discussões científicas, os organizadores já haviam soltado press-releases dizendo que a conservação ex-situ era a ÚNICA chance de sobrevivência para CENTENAS de espécies. Isso atraiu a BBC e outras grandes agências de notícias, que mandaram repórteres para cobrir o evento. Durante o evento, porém, as divergências foram várias e a maioria dos pesquisadores foi contra a adoção dessa estratégia, notadamente os sul-americanos. Mas os organizadores não retiraram a proposta da criação ex-situ do documento final, mesmo após tantos protestos. Esses grandes planos de conservação costumam usar uma estratégia principal, mais cara, altamente capaz de atrair investimentos, para conseguir financiamento também para projetos mais baratos. A conservação ex-situ cumpre bem esse papel. O problema é que projetos desse tipo são tão caros que o dinheiro empregado neles poderia ser usado na conservação do próprio ambiente, financiando vários outros estudos. Além disso, esbarra em sérios problemas legais, pois a idéia seria levar indivíduos para os Estados Unidos quando as tentativas de criação em cativeiro fossem infrutíferas em nível local. Uma
porta escancarada para a biopirataria (aquela de verdade, não essa coisa que o IBAMA tem acusado pesquisadores sérios de fazer).
Ana Carolina Carnaval (Universidade da Califórnia, Berkeley)
O Joe e alguns de outros membros da sociedade herpetológica mundial acreditam que reprodução em cativeiro seja a única resolução a curto prazo para a questão dos declínios associados a quitrídios. Mas pelo que eu entendo, esses centros de reprodução que eles estão sugerindo seriam como consórcios, envolvendo não apenas zoológicos mas tb universidades, ONGS interessadas, órgãos governamentais, enfim, quem quiser fazer parte...Eu, como muita gente na herpetologia, acho que isso não vai resolver quase nada dada a baixa taxa de sucesso de reprodução de anfíbios em cativeiro. Não somente não sabemos muito a respeito da história natural de muitas espécies, como também não sabemos como fazer muitas espécies reproduzirem em laboratório. Além do mais não sabemos o que esse pessoal irá fazer com os bichos uma vez que consigam reproduzi-los - reintroduzir na natureza? outra área sobre a qual não sabemos quase nada...ou selecionar artificialmente algumas linhages mais resistentes ao fungo? e se o fungo for só um fator nesse cenário, agindo sinergisticamente com outros fatores tal como clima, poluentes, alteração de ambientes naturais? e por fim, ainda há a questão do que selecionar para essa "arca de noé" que eles querem estão sugerindo (e implementando com as bênçãos do governo do Panamá...). Quais as prioridades nesse caso? tudo é pano para manga e eu não estou vendo nenhuma discussão a respeito dessas questões...
Enfim, há um racha na comunidade científica hoje em dia. De um lado Joe e seus colaboradores (vc vai ver logo que eles não são poucos), do outro gente que pensa mais como eu, isto é, que reprodução em cativeiro para esse fim específico, num clima quese de desespero, não vai dar muito certo. Reprodução em cativeiro pode, sim, ter seu valor como fonte de pesquisa, ou para fins educativos....mas nesse caso o objetivo é outro, muito mais ambicioso. Sobre o caso Panamá-Atlanta, particularmente acho meio absurda a situação, que aos ouvidos de muitos soa quase como biopirataria legalizada. Será que o número de bichos naquela mala é suficiente para manter populações evolutivamente viáveis a longo prazo? Acho difícil... Eu acho que o Joe realmente acredita que está fazendo uma grande coisa pelas espécies (e o povo) do Panamá. Mas a verdade é que serão poucos os países que concordarão com uma saída aparentemente indiscriminada de sua biodiversidade tal qual o governo do Panamá fez. Meu instinto é que isso nunca aconteceria em locais como o brasil, a colômbia, argentina...Em países com sociedades herpetológicas organizadas e uma maior autonomia, tal como o nosso, a banda toca em outro ritmo...
Joe Mendelson (Zoológico de Atlanta)
How many individuals did you take of each species, on average? Is the sample big enough to preserve a meaningful sample of genetic diversity?
JM - In a perfect world, to a form survival-assurance colony that best represents the full genetic variation in the native population, the founder colonies would contain a very large number of more-or-less "unrelated" individuals. In an emergency situation, however, conservationists must face reality and address situations of conflict. For example, if population genetic theory dictates that a certain population/species would require 200 individuals to best represent itself, what does a conservationist do when only 5 individuals from that population/species remain on the planet? The argument then becomes very difficult: Conduct a conservation program the "scientifically proper" way, or do not conduct a program at all. I know this sounds rather melodramatic, but in some cases with amphibians, this is the reality. This situation literally makes one compare pure scientific methodology against moral concepts related to preventing a certain extinction event. While I certainly agree with the data-based science that underscores population genetics, I see absolutely no harm done to the world by attempting to prevent a certain extinction event with an admittedly sub-optimal genetic sample. Another point to be made: it can take substantial amounts of time to assess the genetic variation in a population (interesting research in and of itself - compare cheetahs to humans), but given a prediction of an imminent catastrophe involving populations of 40+ species (whose genetic variation has never been assessed!!), what does one do?? In the singular case of El Valle, Panama, we did the simplest thing: we collected every individual we could find of every species that fit our (admittedly crude) prediction of imminent declines. This is a very crude approach but, we argue, is the best that could have been done in that circumstance. Thus our founder colonies are based, in some cases, on 4 individuals, or perhaps 40 individuals. Is this the "best" approach? No. Was it the only possible approach, given so many contingencies? Yes.
Are you being successful in breeding them incaptivity? Did you lose any species?
JM - Of the 35 species we are working with from El Valle, Panama, we have had one species that represents a complete failure: all individuals taken into captivity have died (of unknown - but not disease related - causes). That species is Hemiphractus fasciatus. At this moment they are also being found dead in their native, perfectly intact, forest as a result of the recently arrived chytrid fungus. In this case, our attempts to save a representative sample of this population/species have failed. The end result here is that our efforts failed, and the wild populations have failed to withstand the invasion of fungus. While it was horrible to watch our intended founder-individuals perish, I don’t regret that we at least attempted to work with them. Thus, we do not see that our attempt to work with this population/species in captivity has, in any way, made worse the reality of their plight in the wild. On the other hand, of the 34 remaining species, we have seen the expectable continuum of successes: some species are reproducing like crazy, others are doing so in small numbers, yet others are attempting to breed but not quite succeeding (i.e., we likely have not yet learned the secrets of their natural history, so we can provide them with what they need). Still others are showing no signs of reproducing - given that we have been working with them for less than one year, it is unclear whether this is a situation of failure on our part, or them simply not cycling yet. A very important point to make here is that simply breeding any of these species in captivity is not the ultimate solution to the problems such as that of catastrophic emerging infectious diseases!!! These pre-emptive collections of individuals (to form survival-assurance colonies) do nothing more than technically prevent extinctions, and potentially provide animals (and genetic material) that may someday be able to be reintroduced to the wild. This is where so many people misunderstand this particular aspect of the amphibian crisis: the best-preserved habitats in the world (e.g., National Parks) and the most stringent international laws (e.g., CITES) are failing to prevent amphibian extinctions. Related to this is the misconception that simply breeding animals in captivity is a real solution to the problem - it is most definitely NOT !!! The only possible solutions to global problems affecting amphibians are continued vigilance to protect habitats (of course!!!), limit trade, curtail pollution, but most dauntingly to conduct basic research related to the genetics of disease resistance in remnant populations and/or cutting-edge research related to controlling a seemingly intractable pathogen in the wild. Simply put: captive populations can do nothing more than: 1) technically prevent a true extinction (and this is a moral battleground!!); and 2) maintain populations/ species while the requisite time for research continues - i.e., such that re-introductions are possible, after necessary research has addressed the real threats. Few people are willing to articulate the blunt fact that since 1989, when amphibian declines first became apparent, direct research efforts have not prevented many dozens of certain extinctions. Those research efforts were crucial to informing our present state of knowledge and predictive capabilities, so they do not represent any form of “wasted effort.” With my recent activities, the pre-emptive collections, I am simply moving forward - in the face of data-based realities - to make the case that when one can predict a certain catastrophic decline or extinction, one has a responsibility to at least try to “do something about it.” I have never said that captive populations are the final solution, or the best response - they simply are all we can hope to accomplish in some very specific, certain circumstances.
How did you select what to take?
JM - This is a very difficult situation. Without patronizing you or the amphibians, I’ll ask if you’ve ever seen the movie “Sophie’s Choice”? In that moral framework, the best we can do is to work with precedents that suggests which species (or species of similar ecology and/or phylogenetic relations) seem to be most affected - and then we frame our priorities. Every situation will be different, but ultimately the teams making such assessments will have to face unprecedented and difficult “life boat” moral grounds of conserving any given species vs. a single “long-branch” species of given phylogenetic or ecological distinctiveness. My real response to this question is simply: Try to save them all, if there is any suggestion that a species is in threat. There is nothing to lose, as I would gladly trade “wasted” human effort and funds on a species that ultimately maintains itself, rather that watch dozens of species go extinct while traditional research and conservation agendas, and politics, fail to prevent extinctions. My point being, what do we have to lose??? National borders, intellectual property rights, and money are purely human constructs - if we can think above such human-ego-based illusions, then we can realize that, collectively, humans may have some chance of curtailing a devastating categorical extinction currently taking place globally. I will leave to you, as author of your piece, the task of making the connection between the ability/liability of humans to CAUSE a problem and the ability/responsibility of humans to RESOLVE the same problem. So, after that long preamble, I will answer your question! In El Valle, Panama, we prioritized species based on the very clear data from Karen Lips et al., from nearby El Cope, Panama. We also tried to take into account the “bigger picture” with respect to species endemic to that particular region vs. more widespread species. This was not an easy, nor pleasant, process. Did we do it properly? No. Why? Because we had to take our own logistical limitations (and well-intended, but antiquated, laws intended to prevent overcollecting) into account. Given that the amphibian fauna of El Valle is - at this moment - experiencing exactly the catastrophic disease-driven devastation that was predicted, I would have collected tens of thousands of amphibians from that region - and placed them in captivity at any facility potentially capable of maintaining them. The balance here is to compare the risk of failure of some/all captive operations with (in this case) the certain reality of extirpation/extinction in the wild.An important point to make here, is that Panama is an unusual situation because we do know exactly where the fungus occurs, and where it is going next. No other place on the planet has that level of information (i.e., predictive ability). But, some countries such as Ecuador, Costa Rica, and Australia have already assumed that the fungus has devastated their fauna, so their reality (with respect to aggressive actions such as pre-emptive collections) is quite different. I will defer to our colleague Ana Carnaval, to update you on the level of knowledge of threats in Brasil that are attributable to factors other than habitat loss.
After captive breeding, are they going to be reintroduced in their original distribution area?
JM - Something like this will only be possible if pure academic research can find a solution to the real threat of this particular emerging infectious disease. Again (see above), all that we have claimed to have accomplished is to provide the POSSIBILITY that reintroductions may be possible. Multiple disease-driven extinctions in places like Costa Rica and Ecuador illustrate what can happen if nothing is done, while necessary research follows its logical course. Do not confuse these specific ex-situ conservation programs (= an emergency response) with the very real need for continued research (= the real response).

Is it possible to assess if the chytrid is gone from the affected areas?
JM - No. At this point, we can only reliably detect the pathogen from infected amphibians. Thus, if all of the individuals/species that are susceptible to the disease have been eradicated, then we have no way of determining if it is still there - or not. Multiple labs are currently working to devise an environmental assay. This is a major point of validation for maintenance of crucial ex-situ colonies, while basic questions such as this are addressed by pure research.
Has the disease already hit areas from whereyou removed animals? If so, were the effects evaluated?
JM - Yes. In February 2006, our field teams began finding sick and dead frogs in the El Valle region; all tested positive for chytrid. During our operation in 2005, we tested hundreds of frogs from this area and found zero incidence of chytrid. Simply put, this is exactly the spatiotemporal prediction put forth by Lips et al (2006), and they were absolutely correct. It was, of course, their data-driven prediction that led us to implement such an unprecedented extraction at this particular. Since February, our field teams have been finding more evidently sick frogs, and fewer frogs overall in the region. All data and precedents indicate that this site will be virtually devoid of amphibians before the end of 2006. El Valle represents the last known populations of several species that have been eradicated elsewhere by the fungus. This, truly, is our last chance to try to save these species.
Was there any resistance from Panamanianresearchers or authorities issuing permits, tohave them taken out of the country?
JM - This is a very important point that, quite unfortunately, some recent high-profile media stories did not communicate to the world (although we asked them, specifically, to do so !!!!!!). The full story (and I hope you can help communicate this to our colleagues in Latin America) is that, we made a prediction based on the data presented by Lips et al. (2006) and also on our own experiences with this pathogen. In collaboration with highly the most prominent herpetologist in Panama (RANA member Dr. Roberto Ibanez), we presented the science and the predictions to the National Minister of Wildlife (ANAM). At the end of that meeting, four precedents were made:
1. The possibility of preventing extinctions of species endemic to Panama is at hand. This must be prioritized over international politics.
2. Massive collections from a fully protected area (i.e., not threatened by habitat loss, pollution, or poaching) are warranted, in this case.
3. Given that such a “pre-emptive conservation strike” has never before been attempted, the Nation of Panama, is proud to help serve as a model for future operations of this sort.
4. Stakeholders should consider prioritizing species over national patrimony - i.e., in this case, the Panamanian officials explicitly recommended that these amphibians be exported (in this case, to Atlanta).
In 2005, it was the consensus of ANAM and all national herpetologists that no facility existed in Panama to maintain large numbers of amphibians. Meanwhile, stakeholders involved worked to develop an in-country amphibian facility (the EVACC facility of El Nispero Zoo/Houston Zoo). The grand plan here is to have viable colonies to represent the region that are physically separated, for basic biosecurity reasons, in Atlanta and in El Valle. In political terms, this is a case of addressing the threat first, and subsequently building necessary infrastructure and capacity to assure that all stakeholders can ascertain their connection to the program. To be honest: I do not want to have these Panamanian frogs to be in Atlanta. They are not on public display, no corporation is mining their skins profitable medicines…..no gringo is making an money from these frogs!!! This evacuation that we accomplished was purely driven by (now, evidently, correct) forecaset of an amphibian crisis at that site. El Nispero/Houston are working hard on the EVACC facility, but it is not anticipated to be functional and staffed until August, 2006. This is very nearly, too late to serve any purpose - I hope I am wrong about that.
Couldn't captive breeding be achieved in Panama?
JM - In 2005, it was the consensus of both Panamanian scientists and government that the answer was “no” so they explicitly proposed that the first colonies of animals be exported to Atlanta. As the EVACC facility is nearing completion, collections are being made right now to be maintained in that facility. There should be no need for further exports from Panama. Similarly, we have leveraged funding to establish such facilities also in Costa Rica and Ecuador, so that exports from those countries will never be necessary.
As knowledge advances on chytrid infections could it be possible to protect frogs on-sitem (isolating an area with fungicide, for example)?
JM - I hope this is the case, as ultimately this is one of the very few practical means by which we may really prevent further extinctions. Another possibility may be furthering our understanding of the basis of heritable resistance to the fungus in wild populations. As both of these lines of study will require time, captive populations are the only evident temporary solution to attempt to ensure that when such research is complete, some species may still exist on the planet.

05 julho 2006

Mais que um jogo...

...para quem sente o futebol como um símbolo belo da genialidade e superação coletivas!

Avante seleção do país dos castelos mouros, a seleção das quinas!.

A ansiedade aumenta, no caminho para mais uma grande batalha, decerto menos importante do que a de Ourique ou de Aljubarrota, mas mais uma para recuperar a dignidade perdida após Alcácer-Kibir. Nestas horas que antecedem a penúltima refrega, precisariamos do ânimo das palavras dos poetas guerreiros, herança lusitana dos nossos antepassados árabes. Mas mais sensatas e igualmente inspiradoras são as palavras de prosa que o poeta Manuel Alegre escreve no jornal português Público (05/07/2006).

Os grandes e o pequeno
Opinião

1. Como no poema de Sophia, também eu "gosto de ouvir o português do Brasil / onde as palavras recuperam sua substância total", gosto de ouvir esse português falado "com suas sílabas todas / sem perder sequer um quinto de vogal". Sim, gosto do português escrito pelos poetas e prosadores do Brasil e do português falado pelo povo, com suas palavras "concretas como frutos nítidas como pássaros". Gosto das canções brasileiras e, se me permitem, gosto do português jogado pelos seus grandes futebolistas, aqueles que tratam a bola como quem fala, como quem escreve, como quem afaga ou como quem dança. João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge Amado ou Guimarães Rosa no ritmo de Pelé, Garrincha, Tostão, Rivelino, Zico, Romário. Mas não foi esse o Brasil que esteve na Alemanha. O que se viu foi um Brasil sem poesia, nem samba, nem dança. Um Brasil sorumbático, treinado por um Parreira que é talvez o único brasileiro que come as sílabas, os pássaros e as vogais das palavras. E não me venham dizer que Ronaldinho Gaúcho é o melhor do mundo. Não é. O melhor estava do outro lado e chama-se Zidane. Creio que alguns brasileiros (e alguns portugueses também) estão convencidos de que o Brasil tem uma espécie de direito divino a ser campeão do mundo. Ora no futebol não há povos eleitos. Nem no futebol, nem no resto. Aquele Brasil sem festa mereceu voltar para casa. Foi pena. Mas talvez a lição faça bem e da próxima vez tenhamos um Brasil a jogar com as sílabas todas.

2. Também gosto da Argentina de Buenos Aires, dos seus arrabaldes e dos seus tangos, da incomparável orquestra de Francisco Canaro e do génio de Astor Piazzola, que desconstruiu, subverteu e reinventou o tango, a Argentina onde a palavra Sul encontra o seu exacto lugar geográfico. Gosto da Argentina da prosa e da poesia de Jorge Luis Borges, aquele que fala de uma "região onde o ontem pudesse / ser o Hoje, o Ainda, o Todavia." Esse espaço mítico do Sul ou dos bairros do ciúme e faca de Buenos Aires, o ritmo de Canaro e Piazzola, assim como a escrita de Borges, aparecem na inspiração e no fulgor dos seus jogadores de futebol. Maradona era isso tudo. E talvez mais. E nesta selecção, talvez uma das melhores de sempre, percebia-se um pouco de toda a beleza e mitologia que há nos versos de Borges, nos bairros ou nas pampas sem fim que terminam no sul do Sul. Mas um tipo estranho, chamado Peckerman, resolveu deixar o tango, o poema e o Sul no banco. Meteu Messi na gaveta e assassinou o que podia ter sido um dos melhores poemas deste Mundial.

3. Foram 120 minutos que não foram 120 minutos. Foram 120 minutos que duraram a vida toda. E terminaram com Portugal a subir ao céu levado pelas mãos de Ricardo. Poucas vezes vi uma expressão tão concentrada. Aquele homem estava em estado de graça ou de transe místico, só vi algo de parecido no rosto de Amália a cantar certos fados. Ou nas fotografias que fixaram o olhar de Manolete pouco antes de matar o miúra que o mataria em Linares. Foram momentos em que havia em Ricardo um não sei quê de místico, entre monge e toureiro. Pela segunda vez consecutiva ele abateu a Inglaterra nos penaltis. Um povo inteiro, de coração quase a estalar, ressuscitou à terceira defesa e saiu para a rua quando Ronaldo entrou a matar. Honra a Ricardo, à selecção e a Scolari. Quarenta anos depois voltamos a estar nas meias-finais do Campeonato do Mundo. Continua a haver uns inteligentes incapazes de gostar de futebol ou de tentar sequer perceber o fenómeno em que esse jogo se transformou. Outros fazem questão de lembrar que há mais mundo para além do Mundial e que depois tudo vai continuar na mesma. É certo que a selecção não pode resolver os problemas políticos e sociais do país. Mas há um milagre que ela conseguiu: foi despertar e entusiasmar os portugueses. Não é coisa pouca. Até porque, dizia Antero de Quental, "um povo de dormentes só no cemitério se encontrará". Graças ao futebol e à selecção de Portugal, há milhões de portugueses que vão continuar acordados. Até quando? Eis a pergunta a que já não compete à selecção responder.

4. Não serão as meias-finais nem a final desejadas pela FIFA. Portugal intrometeu-se e a selecção "canarinha" resolveu estragar a sua própria festa. Mas não só. Alterou também os planos dos senhores do futebol que já tinham projectado uma final entre a Alemanha e o Brasil. Por estas e por outras, era urgente fazer no futebol uma revolução semelhante à do râguebi: o recurso ao vídeo para esclarecer os lances controversos. Assim se evitariam tentações e se garantiria a verdade desportiva num Mundial que tende cada vez mais a ser dominado por gestores e burocratas não escrutinados ao serviço dos patrões maiores das grandes marcas. Não sei se tal revolução será possível. Os grandes interesses precisam de batota. No futebol e na vida. Que os nossos jogadores façam mais um esforço. Que joguem também contra quem nos bastidores não queria que eles chegassem onde chegaram. Não vamos ficar no quase. Vamos conseguir o golpe de asa para, desta vez, chegar além.

5. Um comentador do New York Times, com menos complexos do que alguns talentos nacionais, escreveu que, num torneio dominado pelos grandes, Portugal é agora o "Santo Patrono dos pequenos e periféricos, de todos os danados da mó de baixo." Gostei de ler estas palavras. Quando, em outros Mundiais, Maradona, que já declarou apoiar a nossa selecção, marcava um golo, eu tinha a sensação de que ele o fazia por todos os desdichados. É também por eles que os nossos vão agora jogar. Por todos os emigrantes e também por todos os imigrantes que trabalham no nosso país e já não têm outra selecção que os represente, por Angola, pelo Gana, pelo Togo e, também, se me permitem, pela Argentina e pelo Brasil, sem esquecer a minoria que, nos Estados Unidos, fez do futebol uma forma de resistência aos gostos dominantes. E até, sublime prazer, pelos nuestros hermanos que, de volta a casa, não têm outro remédio senão apoiar-nos. Vamos jogar contra uma selecção de que Le Pen não gosta, constituída por jogadores que merecem o nosso respeito. Mas temos que derrotá-los. Eles têm Zidane, nós temos Figo, as duas grandes revelações deste Mundial. E temos Deco, Cristiano Ronaldo e Ricardo, que eles não têm. Para muitos da minha geração, gosta-se da França como de uma namorada. Mas neste Mundial, a França, com o seu Platini engravatado, faz parte do campeonato dos grandes. Nós somos dos outros. Dos periféricos. Dos esquecidos. Dos da mó de baixo. Avante, portugueses, por todos os deserdados do mundo.