Pesquisadores ou biopiratas?
Quem acompanha a grande mídia talvez tenha a sensação de que os pesquisadores são os maiores responsáveis pela biopirataria no Brasil. Um pesquisador tenta levar mamíferos taxidermizados para o Museu Goeldi em Belém, quando a licença indicava que os espécimes deveriam ir para o Inpa em Manaus; outro põe no correio um pacote com invertebrados vermiformes, endereçados à Alemanha. São casos de coleta e envio de material biológico com documentação insuficiente, às vezes de má interpretação da legislação por parte dos pesquisadores ou dos fiscais.
Pesquisadores que trabalham com diversidade biológica se queixam da legislação, que impossibilitaria seu trabalho. É desse aspecto que trato em notícia publicada hoje na ComCiência.
4 comentários:
Gostei da notícia na forma. Gostei também do conteúdo, mas ele revela um viés corporativo a favor dos "cientistas". Transmite a ideia de que os cientistas são um grupo homogéneo, que trabalha para o bem da humanidade. Concordo que a ciência sim, os cientistas, talvez sim talvez não. A legislação atual é ruim, mas têm de existir mecanismos de controle à atividade de todos os que usam a biodiversidade, incluindo cientistas. Faltam sugestões concretas sobre alterações à legislação, por parte dos cientistas que opinam no artigo. Sugestões de alteração da lei, e não a da sua liquidação, devem ser veiculadas publicamente, para que que não fiquem nos segredos de "corredores de poder". Por que não fazer uma carta aberta sugerindo alterações à lei? Existe algo desse tipo, uma vez que a lei tem já alguns anos? Criticar é fácil! E eu fosse um crítico da ciência, talvez a notícia me desse um bom pretexto para fazer uso da minha retórica. Como não sou...
Em referência à reportagem "Cientistas ou Biopiratas"?, discordo de que o crime cometido pelo pesquisador do Instituto Butantan não seja comparável àqueles cometidos por biopiratas. Em ambos os casos, desrespeita-se a lei conscientemente, acreditando-se que não haverá detecção pelos frágeis mecanismos de fiscalização. Outra semelhança é que os casos noticiados representam a ponta do iceberg de práticas disseminadas de desrespeito à lei. A maior parte dos pesquisadores no entanto, está a serviço de instituições públicas e oficiais de pesquisa. Teoricamente, os cientistas não visam ao lucro ou à lesão dos interesses nacionais. Não parece certo que, por julgarem inadequados os procedimentos burocráticos para a emissão de autorizações de coleta ou exportação de material biológico, os pesquisadores deixem de cumpri-los. Ninguém pode se considerar acima da lei. Esses mesmos pesquisadores submetem-se a procedimentos tão complexos quanto os exigidos pela legislação ambiental no levantamento de fundos para projetos de pesquisa. A grande verdade é que no planejamento de tais projetos, os pesquisadores simplesmente não levam em consideração as exigências legais para a realização de pesquisas ou para o transporte de material biológico. Quando são prejudicados por terem desrespeitado à lei, recorrem sempre ao discurso exemplificado na reportagem. Infelizmente, essa é uma atitude hipócrita. Após uma consulta ao site do IBAMA e um contato junto à Superintendência do respectivo estado para verificar as exigências de coleta/importação/exportação de material biológico, prazos de análise de processos e outros detalhes sugiro aos pesquisadores que comparem-nas às dos Estados Unidos, dono de uma biodiversidade mais modesta do que a nossa: http://www.fws.gov/permits/ltr/ltr.shtml Se os pesquisadores consideram-se lesados porque ao seguir os procedimentos do órgão ambiental o seu trabalho foi prejudicado, estão em condições de apresentar queixas e reclamar seus direitos. Contudo, se não seguem os procedimentos corretamente ou simplesmente ignoram-nos porque acreditam que isso possa prejudicá-los, estão sujeitos a prestar depoimento e responder criminalmente por seus atos. Não é verdade que só seja possível coletar espécies que não estejam ameaçadas. Eis o que diz a Portaria 332/90 (observe-se o art. 4o): Art. 3º - A licença somente poderá ser utilizada para a coleta de material zoológico, sendo vedada para as seguintes hipóteses: a) fins comerciais, esportivos ou quaisquer outros que não tenham objetivo didático-científicos, sob pena das cominações previstas no artigo 27 da Lei 5.197 de 03 de janeiro de 1967, modificada pela Lei nº 7.653 de 12 de fevereiro de 1988; b) nas Unidade de Conservação de Proteção Integral, Federais, Estaduais e Municipais, sem o prévio consentimento da autoridade competente; c) em qualquer estabelecimento ou área de domínio privado sem o consentimento expresso ou tácito do proprietário. d) coleta de animais que constem da Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Art. 4º - Para as hipóteses previstas nas letras b e d deste artigo, poderá ser expedida licença especial temporária devendo, neste último caso, constar expressamente as espécies e as quantidades autorizadas. Atenciosamente, Ivan Salzo Analista Ambiental do IBAMA
Não se trata de defender liberdade irrestrita ao trabalho do cientista, mas de encontrar, através do diálogo, o equilibrio entre medidas de controle que não prejudiquem o desenvolvimento científico do país. Não me oponho à existência de normas para a coleta ou à exploração do patrimônio genético. Elas devem existir, mas devem ser repensadas, flexibilizadas em alguns casos, para que se tornem compatíveis com a realidade ambiental brasileira e com uma ciência ágil e competitiva. Flexibilizá-las, não é sinônimo de ausência de fiscalização, que pode continuar a existir e ser ainda mais rigorosa. Não defendo em absoluto o desrespeito à lei, mas analiso criticamente seu impacto recente no país. A legislação atual que rege a pesquisa em biodiversidade não confere ao cientista a agilidade que a ciência precisa para se manter competitiva e promover o desenvolvimento científico e tecnológico da nação. Idéias, projetos científicos, e trabalhos de colaboração têm existência efêmera e dependem de um conjunto de oportunidades que não se repetem facilmente. O desenvolvimento da nação depende delas e cabe ao cientista aproveitá-las no momento exato. São estas oportunidades que precisam ser compreendidas e consideradas na legislação atual.
Miguel Trefaut Rodrigues
Instituto de Biociências
Universidade de São Paulo
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