31 março 2009

O menino Darwin

O escritório onde Darwin trabalhava tinha equipamentos modestos se comparados à parafernália de um laboratório atual. Microscópios de cobre, lupas, tubos de ensaio, livros. Mas a ferramenta mais importante não aparece na foto: a curiosidade.

Entre aulas e leituras, tenho a impressão de ter convivido longamente com Charles Darwin, e de quase conhecê-lo. Claro, o meu Darwin é com certeza diferente do das outras pessoas. É dele que falo aqui. Do menino de 10 anos que contava flores no jardim, como conto aqui, do jovem que se deslumbrou na viagem à América do Sul e do homem que se manteve maravilhado pela vida afora.

Para mim, é da atenção que ele prestou a tudo o que era da natureza que vêm suas grandes contribuições à ciência. Como, senão, explicar a diversidade dos temas que abarcou? O livro Darwin's Garden - Down House and the Origin of Species, por Michael Boulter (que deve sair no Brasil ainda este ano) traz belos relatos. Conta dos besouros que Darwin coletava, da revisão taxonômica de cracas que empreendeu como maneira de dominar a variabilidade entre espécies, dos pombos que criava e nos quais admirava as fantásticas plumagens, das minhocas de seu jardim cuja população estimou, assim como seu efeito sobre a terra remexida. Nesse livro aprendi também que ele deu atenção às plantas carnívoras do gênero Drosera, sobre as quais inferiu (corretamente) que capturavam insetos para suprir uma deficiência de nitrogênio no solo. E foi também pioneiro em estudar a psicologia do ponto de vista do desenvolvimento, ao observar atentamente o crescimento de um de seus filhos. Tudo isso detalhado com minúcias e publicado (veja aqui).

Essa curiosidade e a propensão a maravilhar-se está nas crianças - Darwin sabia e envolvia os filhos pequenos em seus experimentos, em brincadeiras como espalhá-las pelo jardim para desvendar os voos das abelhas. Se mais pessoas mantivessem a chama acesa, talvez a história da ciência fosse mais coalhada de lampejos.


Aproveito o ensejo para recomendar o novo livro do Marcelo Leite: Darwin, para a coleção Folha Explica. O livro começa com a polêmica atual entre criacionismo e evolução, na qual ambas disciplinas disputam a cadeira de ciência. Controvérsia que, desconfio, causaria desgosto ao velho Charles. Marcelo Leite parece concordar, mais adiante escreve: "Seria um despropósito, no entanto, interpretar sua obra e seu pensamento como peças de propaganda ateísta, como até hoje - 150 anos depois de Origem das espécies - alguns fundamentalistas ainda a avaliam. Para sustentar sua interpretação da natureza, Darwin poderia tanto acreditar como não acreditar em Deus, pois a rigor essa questão é irrelevante para seu pensamento".

Marcelo Leite foi bem sucedido no desafio de resumir a vida e da obra de Darwin no pouco espaço que a coleção exige. Não posso deixar, porém, de gritar com o espinho que ele deixa no final, quando chega ao que considera maus usos das ideias evolucionistas. "O caráter um tanto tosco de iniciativas como a sociobiologia dos anos 1970 [...] de fato não autoriza entusiasmo para com essa perspectiva. O que ele chama de tentativas canhestras - me refiro unicamente ao marco fundador da sociobiologia, o livro de E.O. Wilson de 1975 - não tiveram nada de tosco. Wilson fez naquele momento a primeira demonstração de sua capacidade ímpar (até darwiniana) de reunir ideias e sintetizá-las num corpo teórico coerente. Sim, a organização social dos animais é resultado de uma imensa conjunção de fatores biológicos que incluem ecologia, fisiologia, genética de populações e mais.

Não vejo bem a discordância entre o que Wilson discutiu em seu livro (na pequena fração que dedica às pessoas) e o trabalho de Peter Singer que Marcelo Leite sintetiza ao fim do livro: existe natureza humana, saber mais sobre ela ajuda a lidar com ela, e ela não justifica ações condenáveis por serem naturais.


Outra dica: a revista Pesquisa de março traz artigos por quatro pesquisadores que comentam a influência das ideias de Darwin em suas respectivas áreas de pesquisa. São eles Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP, Cesar Ades, da Psicologia da USP, Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego e Ana Carolina Regner, da Filosofia da Unisinos.


Tirei a imagem daqui, a fotografia é da exposição Darwin em Chicago, a mesma que esteve no Brasil e sobre a qual escrevi na revista Pesquisa.


Este texto é parte da discussão de março no roda de ciência.
Comentários, por favor, aqui.

28 março 2009

A inovação científico-tecnológica e os desafios do nosso tempo



“O estado da economia demanda ação pronta e ousada, e agiremos – não apenas para criar emprego, mas para construir novos alicerces para o crescimento. Construiremos estradas e pontes, as redes elétricas e digitais que alimentam o nosso comércio e nos unem. Recolocaremos a ciência no lugar que lhe é devido, e usaremos as magias da tecnologia para melhorar a qualidade do atendimento de saúde e reduzir os seus custos. Convocaremos o sol, a terra e o vento para abastecer os nossos carros e as nossas fábricas. E transformaremos as nossas escolas e universidades para responder aos desafios de uma nova era. Tudo isto podemos fazer. Tudo isto iremos fazer!”

Barack H. Obama[1]



Palavras inspiradoras são as de Barack Obama, grande candidato a farol-guia do mundo em crise. Mas chegarão para nos levar a porto seguro? A julgar pelo recente livro de Judy Estrin [2], discursos inspiradores de grandes líderes são um ótimo princípio para instilar confiança na comunidade e exortá-la a responder aos desafios do momento. Esses são conhecidos de todos, e ao contrário do que muitos pensam não se resumem à crise económica global. São muito maiores os desafios da sustentabilidade da nossa existência, no uso de recursos naturais e seus impactos no planeta que nos acolhe ainda. Mais prementes são os desafios da produção de energias limpas e o controle das alterações climáticas. Para a autora (tal como para Obama), o símbolo do desenvolvimento sustentável teria um potencial catalizador de inovação científica e tecnológica no século XXI, comparável ao que o programa espacial
norte americano teve no sistema de pesquisa e inovação daquele país nas duas décadas após a segunda guerra mundial, levando à consumação definitiva da liderança global dos EUA.

Mas haveria algo errado com o sistema de inovação científico-tecnológica para que os EUA e o mundo pareçam tão atrasados na luta contra os desafios que há tanto tempo se anunciam? O que houve, principalmente nas duas últimas décadas, foi um sistema demasiadamente focado na eficiência e na produtividade em decorrência das pressões da sociedade e de seus líderes. Segundo Estrin, um sistema desse tipo funciona esgotando a energia dos indivíduos em atividades produtivas, não sobrando aquela essencial para a atividade criativa, o verdadeiro pilar da inovação científica e tecnológica. É então importante que a mensagem que chega dos líderes seja de um outro tom, inspiradora e que estimule a inovação. Mas uma sociedade no caminho da inovação depende acima de tudo de indivíduos com determinadas capacidades, que seriam as de: questionar, ser aberto a novas ideias, correr riscos, ser perseverante e autoconfiante. Será possível uma educação para a inovação? Aqui, J. Estrin critica o sistema educativo atual dizendo que ele produz indivíduos com capacidade de seguir manuais de instruções, mas não de questionar e muito menos enquadrar devidamente as questões. A saída para as próximas gerações é, não tanto ensinar inovação como disciplina na escola mas alterar o modo como se lecionam todas as disciplinas, incentivando o questionamento das matérias e os debates em que a criança ou adolescente seja protagonista. Assim se despertam as capacidades de liderança necessárias para uma atividade criativa. A educação dentro da família teria um papel tão ou mais importante, no sentido de permitir à criança ter a autoconfiança necessária para, ao longo de sua vida, questionar de forma construtiva entidades que representem o poder do conhecimento autoritário, sejam parentes, professores, orientadores ou superiores hierárquicos.

Essa empresa, a da promoção da inovação para atender aos desafios da nossa era, extravasa o papel das universidades como instituições promotoras de ciência e inovação, pois é na verdade um projeto de sociedade. À semelhança dos mecenas da Itália renascentista, o Estado, fundações e indivíduos filantrópicos têm papel essencial na promoção da criatividade e da inovação. Sem o investimento incondicional na educação e nas carreiras de jovens com potencial inovador, claramente não será possível vencer os desafios da nova era. O apoio a museus, exposições interativas e atividades curriculares que estimulem a curiosidade e perspectivem uma carreira de exploração científica são também imprescindíveis para aguçar o espírito inovativo.

A cumplicidade da imprensa nesse empreendimento é essencial. Um exemplo que vale recordar, de Portugal, é o concurso Ciência Viva que leva jovens em idade universitária a instituições de pesquisa como o Centro Espacial Europeu e o carinho que esse tipo de iniciativas desfruta na mídia local [ver 3]. Quantas vezes esse carinho é dedicado pela grande mídia brasileira a programas de interação entre jovens e pesquisadores em grandes centros de ciência no Brasil. O que ficou por exemplo da expedição espacial brasileira, divulgada no meio de várias polêmicas que apenas realçaram o seu lado negativo? Quantos jovens terão ficado inspirados pelos textos escritos e lidos na imprensa, naquele ano de 2006? Muitos terão ficado maravilhados com o feito do astronauta Pontes, mas com certeza não através da contribuição de muita da imprensa escrita.

É necessário um novo ambiente na nossa sociedade que acarinhe a boa ciência e a tecnologia realmente inovadoras. As grandes questões do nosso tempo e do nosso futuro deveriam dominar a mídia, de forma mais inspiradora e menos conspiradora, constituindo um verdadeiro ideal de nação e de mundo. Infelizmente, tanto por culpa da imprensa como de nossos líderes, grandes questões são abordadas de forma burocrática e desestruturada, não permitindo ao público ter uma noção de rumo. Um bom exemplo é a autossatisfação da nação brasileira com a autossuficiência no abastecimento de petróleo e a liderança mundial na produção de biocombustíveis. Se esses feitos da tecnologia brasileira são sem dúvida invejáveis, parece faltar alguém que pergunte: biocombustíveis para hoje, e o que para daqui a 20-50 anos? Poucos alertam para o caráter paliativo desses feitos pois nem os combustíveis fósseis nem os biocombustiveis são sustentáveis a longo prazo para suprir o consumo brasileiro e mundial.

Parafraseando Obama, convoquemos o sol, a terra e o vento para garantir a nossa sobrevivência, mas é bom ter cuidado com a terra pois apenas o sol e o vento são absolutamente renováveis. E o uso destes depende absolutamente de indivíduos inovadores inspirados e motivados por sociedades estimulantes. A desculpa de que o Brasil é um país ainda emergente, afogado em problemas civilizacionais muito mais básicos, não será suficiente para explicar às próximas gerações por que motivo o país não foi protagonista nas grandes revoluções do século XXI. Esperemos que não seja por falta das palavras: “Sim, nós podemos” mudar o Brasil e o mundo! Rumo a um porto seguro que sirva de base para explorar outros destinos.


1. Tradução própria de extrato do discurso de posse do presidente dos Estados Unidos da América Barack H. Obama, em 20 de Janeiro de 2009.
2. Estrin, Judy (2008). Closing the Innovation Gap: Reigniting the spark of creativity in a global economy. McGraw-Hill, 300p. [
http://www.theinnovationgap.com/]
3. Teresa Firmino (2006). Concurso do Ciência Viva: Desafios de física levaram duas alunas a centro de testes de satélites. Jornal Público, Quinta-feira 16 de Março de 2006. Matéria completa reproduzida no blog
Ciência e Ideias.

Texto de candidatura ao Curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo científico do Labjor-UNICAMP.

21 março 2009

Mistérios da natureza


Um amigo me mandou a foto ao lado, para que eu explicasse a manobra dos sensacionais roedores (na minha opinião, uma redundância).

Ponho a pergunta no ar: é montagem? é verdade? o que o bichinho de cima ganha com isso? as roedoras se emocionam com flores?

17 março 2009

Blogues de ciência

Rendeu frutos a ótima iniciativa dos biólogos Carlos Hotta e Atila Iamarino, que reuniram o melhor dos blogues brasileiros de ciência no portal Lablogatórios. Quem hoje tentar entrar no Lablogatórios para acompanhar novidades em ciência será automaticamente direcionado para o Science blogs Brasil, na prática ainda a mesma coisa: 23 blogues brasileiros (e em português) que versam sobre diferentes áreas da ciência.

Mudou a cara e, sobretudo, o reconhecimento da iniciativa. O Science blogs é a maior comunidade de ciência na internet, com mais de 130 blogues em inglês. Faz parte do Seed Media Group, que publica a sensacional revista Seed (não há ainda notícias da Seed Brasil, infelizmente).

Parabéns aos fundadores e aos participantes do Lablogatórios, o reconhecimento é para lá de merecido.

08 março 2009

Quando o dia não é da mulher

Na índia, estima-se que em 2001 o fogo matou 163 mil mulheres - 68 mil em zonas urbanas e 95 mil em zonas rurais. A estimativa está em artigo que saiu este mês na revista médica The Lancet. O número é seis vezes mais alto do que informa a polícia. "Acreditamos que a maior parte dessas mortes pode ser prevenidas com regulamentos efetivos, mas precisamos de pesquisa e ação para usar imediatamente a informação disponível da melhor maneira", dizem Prachi Sanghavi, Kavi Bhalla e Veena Das, que estão, respectivamente, em Cambridge na Harvard Initiative for Global Health (Universidade Harvard) e no departamento de antropologia da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

O artigo analisa os registros de todas as mortes causadas por fogo e mostra que 65% delas são mulheres - 57% destas entre 15 e 34 anos de idade. Os motivos sugeridos pelo artigo seriam acidentes de cozinha, auto-imolação e homicídios relacionados a violência doméstica. Um indício chama atenção: a taxa de acidentes com fogo subitamente cai depois dos 34 anos - sugere que tem a ver com idade reprodutiva mais do que acidentes de cozinha.


Os números mostram que o problema é sério e as autoras concluem: a Índia precisa de um serviço de vigilância de ferimentos. Mas como custa dinheiro, não deve acontecer tão cedo.

O artigo chamou minha atenção - e causou um grande incômodo - porque quando fui à Índia, há já mais de dez anos, era comum ver nos jornais relatos de mulheres incendiadas. A suspeita era sempre a mesma: "dowry crime", crime do dote. Na tradição local, quando uma mulher se casa ela passa a pertencer à família do marido. Muitas vezes algo como uma escrava. O termo "crime do dote" se refere a quando o pai da noiva não paga o combinado para que a nova família a aceite, mas pode ser também porque surgiram conflitos de outros tipos.

No artigo, as autoras são muito cuidadosas em suas sugestões, desconfio que porque, além de estarem fora do país, preveem que a melhor chance que têm de fazer algo é não pisar nos calos de muita gente. Mas me pergunto que medidas e regulamentos podem mudar práticas tão arraigadas numa cultura.


Tirei a pintura, de Sagar Ratna, daqui.

06 março 2009

Festival virtual de música para malucos por ciência

Que tal um festival de música, daqueles cheios de palcos e gente e animação, todo inspirado em ciência? É a proposta do britânico geek pop, que começa hoje... como bom produto geek, todo online.

No site está o mapa com os palcos, basta passear pelo festival e ouvir a música ou baixá-la no seu computador ou tocador de mp3. Mas é também um evento social, com grupo no facebook e twitter.

Os músicos de 2009 já estão todos a postos, mas quem quiser se inscrever para a seleção do ano que vem pode pôr cabeça e mãos à obra. Traduzindo livremente do site: "Se você acha que pode escrever um clássico químico, uma balada biológica ou uma canção física; se você consegue dedilhar um violão/bater numa bateria e apreciar a Tabela Periódica dos Elementos ao mesmo tempo; se você tem uma voz de anjo e a barba de um professor maluco, seus talentos são necessários. Não queremos saber se você tem um contrato com a EMI ou um doutorado em ciência atômica, ou ambos - desde que a música seja boa e, claro, devidamente científica".



03 março 2009

Praias paradisíacas da costa do Dendê, ao sul da capital baiana, são praticamente desertas mas não por isso imaculadas. Um estudo liderado pelo oceanógrafo Isaac Santos, agora na Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos, averiguou a origem do lixo encontrado nessas praias. Aqui, nota sobre isso que fiz para a Pesquisa.

A linda foto ao lado é de Fabiano Barretto, da
Global Garbage. Ele me indicou vídeos com depoimentos maravilhosos de moradores da região, vale a pena.

01 março 2009

Árvores em flor: quaresmeira

Tibouchina granulosa

A quaresmeira é uma árvore nativa da Mata Atlântica, comum na região Sudeste brasileira. É muito usada em zonas urbanas, é inclusive planta-símbolo de Belo Horizonte. Essa da foto está no meu jardim e este ano floriu pela primeira vez.

O nome vem da época da floração, próxima ao período da quaresma - que vai da quarta-feira de cinzas até a páscoa.

Da família das melastomatáceas, tem flores roxas ou rosas, conforme a variedade, e folhas ásperas com grandes nervuras praticamente paralelas. Os frutos são pequenos e não comestíveis, liberam sementes que são dispersas pelo vento.