08 março 2009

Quando o dia não é da mulher

Na índia, estima-se que em 2001 o fogo matou 163 mil mulheres - 68 mil em zonas urbanas e 95 mil em zonas rurais. A estimativa está em artigo que saiu este mês na revista médica The Lancet. O número é seis vezes mais alto do que informa a polícia. "Acreditamos que a maior parte dessas mortes pode ser prevenidas com regulamentos efetivos, mas precisamos de pesquisa e ação para usar imediatamente a informação disponível da melhor maneira", dizem Prachi Sanghavi, Kavi Bhalla e Veena Das, que estão, respectivamente, em Cambridge na Harvard Initiative for Global Health (Universidade Harvard) e no departamento de antropologia da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

O artigo analisa os registros de todas as mortes causadas por fogo e mostra que 65% delas são mulheres - 57% destas entre 15 e 34 anos de idade. Os motivos sugeridos pelo artigo seriam acidentes de cozinha, auto-imolação e homicídios relacionados a violência doméstica. Um indício chama atenção: a taxa de acidentes com fogo subitamente cai depois dos 34 anos - sugere que tem a ver com idade reprodutiva mais do que acidentes de cozinha.


Os números mostram que o problema é sério e as autoras concluem: a Índia precisa de um serviço de vigilância de ferimentos. Mas como custa dinheiro, não deve acontecer tão cedo.

O artigo chamou minha atenção - e causou um grande incômodo - porque quando fui à Índia, há já mais de dez anos, era comum ver nos jornais relatos de mulheres incendiadas. A suspeita era sempre a mesma: "dowry crime", crime do dote. Na tradição local, quando uma mulher se casa ela passa a pertencer à família do marido. Muitas vezes algo como uma escrava. O termo "crime do dote" se refere a quando o pai da noiva não paga o combinado para que a nova família a aceite, mas pode ser também porque surgiram conflitos de outros tipos.

No artigo, as autoras são muito cuidadosas em suas sugestões, desconfio que porque, além de estarem fora do país, preveem que a melhor chance que têm de fazer algo é não pisar nos calos de muita gente. Mas me pergunto que medidas e regulamentos podem mudar práticas tão arraigadas numa cultura.


Tirei a pintura, de Sagar Ratna, daqui.

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