20 maio 2006

H.N.

Ao contrário do que muitos possam pensar, ela não nasceu privilegiada. Como é característico a todo recém-nascido, sua formação se deu, basicamente, através da observação.

A curiosidade infinita de todos que a ela se dedicaram concluiu que o mundo era finito (ao alcance de sua visão); acima dele estaria Deus (o criador de tudo e de todos) e abaixo (no centro da terra), o Inferno (tal qual descreveria mais tarde Dante Alighieri) – o que ia ao encontro de todas as estórias e lendas que há muito se ouviam passar por gerações.

O homem e, conseqüentemente, a Terra, eram o centro do Universo. Tudo era composto por 4 elementos fundamentais: ar, fogo, água e terra – dependendo da proporção da composição, o elemento primordial resultante faria com que o objeto tivesse um movimento ascendente ou descendente em relação à Terra.

À medida que ela foi crescendo, começou a falar! – atualmente, não imaginamos como isso possa ter sido um problema, mas foi, e dos grandes...

Naquela época não existia o papel ou correlatos (mesmo a pele de carneiro era muito pouco divulgada e o papiro não tinha sido amplamente divulgado; mais escassos ainda aqueles que dominavam algum tipo de escrita).

Assim, a divulgação se dava através da comunicação oral, que era extremamente diversificada em sítios muito próximos (povos a cerca de 20 km se expressavam por dialetos completamente diferentes).

Então, aconteceu um fato, que poucos se deram conta, nossa protagonista teve que se tornar essencialmente urbana!

Sim, as cidades precisaram estar constituídas, para que as pessoas, pelo menos falassem a mesma “língua” e tivessem os mesmos interesses (ou curiosidades), para que nossa protagonista se desenvolvesse.

Conseguiram, então, partir para um novo momento, confrontando idéias e debatendo pontos de vistas. Foi assim que, literalmente, o mundo “virou”!

Quando as experiências passaram a utilizar instrumentos, tudo foi potencializado, principalmente a curiosidade e as hipóteses daí advindas: mas foi com a luneta que a principal mudança começou.

Entendeu-se o Universo como infinito, o sol como centro da galáxia (até então, o Universo); e, todas as mudanças filosófico-culturais daí resultantes. Acreditem, foi uma reviravolta e tanto!

Aliás a prática de experiências era efervescente! Todos chamados à apresentação de uma nova descoberta ficavam maravilhados com as tentativas, quer resultassem positivas ou não.

Porém, como aplauso e vaidade são quase simultâneos...os desígnios iniciais foram alterados: a população, que participava ativamente da comprovação de uma dada experiência nova, foi simplesmente rechaçada; foram criadas sociedades, que passaram a disputar, entre si, não mais por servir à H.N., mas por prestígio (àquele, que também acaba resultando dos aplausos).

Muita, muita coisa se passou desde então. A H.N. cresceu, está madura, e ao ser registrada, recebeu a nova identificação: Ciência.

Agora ela chora, ao ver tantos cientistas éticos que não conseguem fundos para desenvolver seus trabalhos adequadamente; e, por tantos jornalistas, que sem entendê-la ao certo, generalizam a todos que lhe servem com alcunhas de “antiéticos” e “incompetentes”.

Pobre Ciência...

Texto de Silvia Cléa.

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