31 julho 2007

O espírito olímpico da torcida “diferenciada”

Por Henrique Guimarães

No dia 13 de Julho de 2007, estive no Maracanã para a abertura dos XV Jogos Pan-Americanos. Bela festa, cultura brasileira, templo do esporte, ingressos caros... Bem, é verdade que havia um setor que cobrava 20 reais pelos ingressos, mas daí para cima só a partir de 100. Apesar da maravilhosa apresentação de nível olímpico, o que mais foi debatido sobre esse importante momento do nosso esporte, foram as vaias ao presidente Lula. Crônica de uma tragédia anunciada. No dia anterior, na coluna de Anselmo Góis, do Jornal O Globo, já havia sido dito que no ensaio geral do dia 11, o presidente já era vaiado. Bem, o que se faz num ensaio geral é ensaiar.

Estranhas as vaias, pois o presidente foi eleito e reeleito com a suprema maioria dos votos no Rio de Janeiro, e é bom frisar que, claramente, a maioria do público era de cariocas. Mas aí é que importa o valor dos ingressos. Quem paga mais de 100 reais para ir a um evento como esse, é uma classe que se sente prejudicada pela tentativa de não privilégio característica desse governo claramente popular, e que é digno de muitas críticas. Críticas essas que devem ser feitas por cartas, manifestos em frente à sede do governo, ou, até mesmo, através de obras de arte, e não num momento em que o Brasil está sendo exposto, e o espírito olímpico está sendo proclamado. Não há nada mais simples quanto acompanhar vaias ou aplausos, ou até mesmo, não há nada tão acrítico quanto isso. Como disse Luiz Fernando Veríssimo em sua crônica “Cumplicidade”, ao Jornal O Globo do dia 19 de Julho: “A companhia do que há de mais preconceituoso e reacionário no país inibe qualquer crítica ao Lula, mesmo as que ele merece. Enfim: antes de entrar num coro, olhe em volta.”

Mas as vaias não pararam por aí... Enquanto a delegação de atletas norte-americanos passava pelo desfile das delegações, foram ouvidas as vaias nada hospitaleiras. Nada de respeito, o que se queria era usar meros atletas para uma destruição moral em praça pública. Para que servia então a chama de paz e espírito helênico que percorria o território Tupiniquim desde Junho?

A partir daí começaram os jogos... E eu, como aficionado que sou, estive em diversas competições. Vi um triste time do México ser massacrado pelo time de vôlei feminino do Brasil e também pela torcida, que “futebolisticamente” não tinha pena das massacradas. Esse mesmo time do vôlei brasileiro protagonizou junto com as cubanas um dos maiores jogos de voleibol de todos os tempos, mas, mesmo assim, as vitoriosas foram vaiadas pela torcida que presenciou aquele momento. Já o nosso time de futebol sub-17 protagonizou um vexame, ao perderem para o Equador e serem eliminados, os garotos de 16 e 17 anos foram chamados de “pipoqueiros”. No judô, as conseqüências foram mais sérias. Após objetos serem atirados pela torcida, furiosa com a decisão da arbitragem de punir a atleta brasileira na final do peso até 52 kg, dando a vitória para a atleta cubana, foi vista uma briga digna de socos e pontapés entre representantes das delegações cubana e brasileira.

Bem, ainda temos mais Pan, e eu, que ainda estarei em algumas competições, espero que esse nacionalismo irracional insuflado pela mídia seja substituído pela glorificação de nossos atletas e pela vitória do espírito olímpico. Como carioca, gostaria de ver a minha cidade apta a sediar os jogos olímpicos de 2016, e quero que seja real essa hospitalidade carioca que tanto se vê pelas ruas, mas que não é vista nas modernas instalações esportivas desses jogos. Cuidemos do nosso patrimônio, seja ele do governo municipal, estadual, nacional, ou até não governamental.

Sejamos mais críticos, e, ao mesmo tempo, mais respeitosos, para que continuemos sendo bem tratados pelo mundo afora. Ah, e quanto ao nosso presidente, repetirei a frase de Veríssimo sobre as vaias: “Olhe em volta”.


Rio de Janeiro, 22/07/2007.

12 comentários:

João Alexandrino disse...

Apoiado ó nobre Henrique!

Belo texto, quiçá digno de um Veríssimo, que me faz pensar sobre a tendência ao "seguidismo" de indivíduos em grupos sociais de naturezas diversas. Cariocas ou paulistanos, brasileiros ou cubanos, tucanos ou petistas, o segredo de se ser menos "caprino" ao expressar essa necessidade tão humana de andar em rebanho é, como dizes, saber combinar a crítica de mão dupla (tanto interna como externamente ao grupo) com uma atitude pluralista, não perdendo contudo o sentimento de identidade que um qualquer grupo proporciona.

Que o futuro do Brasil se veja pejado de figuras tão nobres quanto a tua! Abraço, J

João Carlos disse...

Maria, desta vez eu vou "bater de frente" com você... Esta tecla de "elitismo" para as vaias contra o Lula já está gasta. Você pode argüir, igualmente, que o eleitorado do Lula é quem é desinformado e continua achando que, porque um sindicalista se tornou presidente, "o sertão vai virar mar e o mar, virar sertão".

Segundo: ser "hospitaleiro" para uma delegação que, logo ao chegar, exibiu em um painel, na conferência para a imprensa. "Bem vindos ao Congo"?...

E, no episódio do judô, o roubo da arbitragem foi mais um entre diversos acintes contra atletas brasileiros, no esporte específico. Talvez por isso mesmo, como "prêmio de consolação", a Federação Internacional de Judô tenha marcado para o mesmo local o Campeonato Mundial, agora no fim do ano.

E muito mais caricato do que as vaias sobre o Lula (dessa vez o Cerimonial do Planalto não podia escolher a platéria...), foi o público responder "ôôôii", cada vez que o presidente da ODEPA dizia "hoy.."

Maria Guimarães disse...

joão carlos, o texto é do henrique, novo integrante do blogue.
vou deixar para ele responder.

elitismo talvez seja palavra gasta, mas que há um certo componente tribal nas opiniões a respeito do governo, não tenho dúvidas.

João Carlos disse...

Desculpe, Maria!...

Ok, Henrique!... A palavra é sua.

João Carlos disse...

By the way, Maria,

puxa! "tribal" é ainda mais contundente...

Francamente, vocês estão conseguindo enxergar alguma verdadeira mudança do governo do FHC para o do Lula?

Maria Guimarães disse...

eu, francamente, não sinto diferença na minha vida.

mas pessoas com mais dificuldades econômicas do que eu dizem sentir, o que para mim é ainda mais importante.

João Carlos disse...

Bom... Se é assim, quem sou eu para discordar...

Curiosamente, eu não colhi essa impressão na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, nem, agora, na capital. E eu não estou falando da classe média urbana: é do povo que encara fila do SUS, trabalha sem carteira assinada, aposentados, etc.

Henrique Guimarães disse...

Bem, João Carlos,
Elitismo pode ser gasto? Bem os números das eleições de menos de um ano atrás mostram que as regiões mais carentes do país é que votaram em massa no Lula. Mas, com certeza, deve ser por causa da desinformação, já que o despotismo de nosso presidente, que controla a mídia, que, por sua vez, só fala bem dele, é um absurdo, não é mesmo?

Com relação ao "Bem vindos ao Congo", acho que a delegação norte-americana não deve ser representada por um mero jornalista americano idiota que voltou aos EUA antes do início dos jogos, apesar de que na abertura todos fizeram questão de lembrar desse cara. E eu digo, o que que o coitado do Congo tem a ver com isso?

Quanto ao campeonato mundial de judô, este já estava marcado há um tempo, nada tem a ver com o pan.

E, por fim, fico com a pulga atrás da orelha: se o eleitorado do Lula é ignorante, quem são aqueles que responderam ao "hoy" de Raña? Falta de humor o meu, não é mesmo, pois a manifestação foi tão bem humorada...

Política à parte, estive enclausurado no pan, e já estou com saudade, mas, a partir de agora, aprendi a lição, olho sempre em volta.

p.s. Me perdoe o excesso de interrogações, talvez, retóricas.

Abraços,

Henrique.

João Carlos disse...

Henrique:

Olha o non-sequitur... O voto no Lula é dirigido à pessoa, não necessariamente ao desempenho dele como governante. Primeiramente, eu nunca o caracterizei como "déspota", nem fiz qualquer alusão, explícita, velada ou implícita, a "controle da mídia". Você deve ter olhado para outros países da América do Sul, sem querer. E, pode estar certo, muitos dos que vaiaram o Lula, votaram nele.

Quanto à vaia para a delegação americana: se o público tivesse sido escolhido a dedo pelos partidos da esquerda, você acha que o resultado seria diferente? E quanto ao Congo - por mais "politicamente incorreto" que eu seja - foi uma grosseria, sim!

O campeonato de judô: o que está marcado, pode ser desmarcado. E a confirmação foi feita no dia seguinte ao incidente. Mera coincidência?... Pode ser...

Quando a sua "pulga-atrás-da-orelha": você realmente leu o que eu escrevi?... Para mim, entre todas as mancadas, aquela foi a pior. Se essa é a nossa "elite", estamos bem arrumados...

Falta "espírito esportivo" a nós, "tupiniquins"? E o que você me diz dos escândalos de "doping" do civilizadíssimo "Tour-de-France"?...

Olha só: eu esperava coisa bem pior no Pan. Felizmente, as mancadas foram poucas. Para um público que só está acostumado a futebol, até que não nos saimos tão mal.

Henrique Guimarães disse...

A crítica é uma forma de reflexão, pois eu frequentei muitas instalações esportivas, e de fato fiquei incomodado com algumas atitudes da platéia. Não quero ser anti-nacionalista ou reacionário, isso, definitivamente, não. Mas acho que nos comportamos muito mal em alguns momentos, e em outros foi emocionante a ligação dos atletas com o público. Apenas acho que devemos nos educar esportivamnete, o pan serviu pra isso, e devemos rever algumas atitudes típicas do nacionalismo irracional. Quanto ao Tour de France, eu digo: é um orgulho não termos tido doping durante os jogos, apenas um caso, posterior ao encerramento. Quanto ao espírito dos atletas das américas, esses estão de parabéns... Pois nãose rebaixaram aos "drogados" da MLB ou do Tour de France.

João Carlos disse...

E só para dar uma gotinha de veneno:

EFE(8/8/07)

PANAMÁ - O consulado dos Estados Unidos no Panamá recusou nesta terça-feira o pedido de visto a sete jogadores e ao técnico da equipe de basquete, que deveriam participar do Pré-Olímpico, de 22 de agosto a 2 de setembro, em Las Vegas, por não terem estabilidade financeira.

- O pedido foi recusado apesar do Comitê Organizador, o USA Basketball e a Fiba Américas terem pago os gastos da equipe do Panamá - informa a Federação Panamenha de Basquete, através de um comunicado.

De acordo com a federação, a situação vai afetar a participação do Panamá no Pré-Olímpico, já que, a 15 dias do início do torneio, é difícil reiniciar o processo para o pedido de visto aos atletas.

Segundo um comunicado divulgado à imprensa, todas as organizações envolvidas no Pré-Olímpico se uniram para tentar levar o Panamá, campeão do torneio Centro-Americano de basquete 2006, viajasse para a competição, classificatória para os Jogos Olímpicos de Pequim-2008, mas não teriam conseguido.

O Panamá participou do Pré-Olímpico de Porto Rico, em 1999, e no ano passado viajou para os Estados Unidos, onde disputou o Mundial, e não teve problemas com visto.

João Carlos disse...

E - esqueci de dizer - sua observação: Apenas acho que devemos nos educar esportivamnete, o pan serviu pra isso, e devemos rever algumas atitudes típicas do nacionalismo irracional, peca até pela concessão.

Precisamos nos educar, ponto. Aliás, esse ainda é o tema do "Roda de Ciência" que está gerando inúmeras discussões sobre "como".

"Espírito esportivo" seria um bom começo. Pensa que eu não morro de inveja quando vejo filmes da final da Copa de Futebol de 1958? Se um bando de "Vikings" sanguinários podem chegar a esse nível de educação, eu não vejo por que nós, tupiniquins, não possamos.

Mas não adianta exigir, agora, que nosso povo demonstre uma educação e uma civilidade que não tem. Infelizmente, a "impossibilidade de ser cidadão" foi substituída por uma "impraticabilidade de ser cidadão", e lá se vão 43 anos de falta de cidadania...

Mas, aí, já é outro tema...