Fixismo ambiental
Preocupar-se com a degradação do meio ambiente e temer um mundo árido para nossos descendentes deixou de ser privilégio dos "ecochatos". Extinções, descobertas, desmatamentos e leis de proteção aparecem quase diariamente no noticiário nacional e internacional, impresso e neste meio virtual, como o texto recente de João Giovanelli no Biodiverso.
No Brasil temos uma diversidade biológica para deixar qualquer um boquiaberto, como aconteceu com Marcelo Leite do Ciência em dia (saiu hoje no caderno "Mais" da Folha de São Paulo, ainda não está no blogue neste momento em que escrevo), durante suas férias. Mas como fazer para que essa riqueza toda não escoe pelo ralo da civilização? Parece óbvio, elaborar listas vermelhas de fauna e flora ameaçadas, e delimitar áreas de preservação que as protejam.
Não duvido da importância dessas iniciativas, mas não basta. Para conservar a natureza de forma coerente é preciso dar mais tratos à bola. É com esse intuito que eu, João Alexandrino e Célio Haddad escrevemos um artigo que foi publicado na revista Ciência Hoje de dezembro, agora nas bancas (não está disponível na internet).
Nossa visão de preservação muitas vezes corresponde a anseios estéticos e saudosistas. Animais carismáticos como o panda suscitam grande interesse de ecologistas. Não tenho nada contra pandas, mas fico curiosa em saber quanto duraria, num mundo imaginário intocado por "intrusos" humanos, um animal que só come broto de bambu. Do ponto de vista evolutivo, os organismos que se espalharam e deixaram mais descendentes são em geral aqueles com mais jogo de cintura, capazes de adaptar-se a situações diversas - e adversas.
Talvez o panda durasse eternidades a mais sem a nossa interferência, mas o que me interessa é pensar como decidir o que deve ser preservado. Nesse cômputo é raro incluir-se a mutabilidade inerente à natureza - se os homens das cavernas fossem bons preservacionistas, quem sabe teríamos agora dinossauros em nossos quintais e nada dos mamíferos, passarinhos e outros animais que conhecemos.
A natureza muda, ela é um processo e não um objeto fixo. Como preservar, então? Melhor do que escolher quais espécies devem continuar a existir, é manter áreas naturais nas quais o processo evolutivo possa continuar, livremente. O desafio passa então a ser como definir essas áreas. Está brotando no Brasil o fértil campo da filogeografia, que busca compreender a trajetória das espécies no tempo e no espaço estudando a geografia da diversidade genética. Em conjunção com a modelagem ecológica, que computa parâmetros ambientais para prever onde espécies existem e existirão, a filogeografia pode indicar áreas que persistiram a milênios de alterações climáticas e têm maiores chances de continuar a abrigar diversidade biológica.
O assunto é complexo e requer uma abordagem multidisciplinar. Biólogos com especialidades diversas, ecologistas e políticos têm que manter todos os canais de comunicação abertos para chegar a conclusões frutíferas.
(Na verdade, terminei este texto assim só como pretexto para indicar o artigo de Carl Zimmer sobre a falta de comunicação entre pesquisadores.)
Mais: "Conservação da biodiversidade", Ciência Hoje 39 (dezembro 2006), seção "Ensaio", pp. 60-63.
No Brasil temos uma diversidade biológica para deixar qualquer um boquiaberto, como aconteceu com Marcelo Leite do Ciência em dia (saiu hoje no caderno "Mais" da Folha de São Paulo, ainda não está no blogue neste momento em que escrevo), durante suas férias. Mas como fazer para que essa riqueza toda não escoe pelo ralo da civilização? Parece óbvio, elaborar listas vermelhas de fauna e flora ameaçadas, e delimitar áreas de preservação que as protejam.
Não duvido da importância dessas iniciativas, mas não basta. Para conservar a natureza de forma coerente é preciso dar mais tratos à bola. É com esse intuito que eu, João Alexandrino e Célio Haddad escrevemos um artigo que foi publicado na revista Ciência Hoje de dezembro, agora nas bancas (não está disponível na internet).
Nossa visão de preservação muitas vezes corresponde a anseios estéticos e saudosistas. Animais carismáticos como o panda suscitam grande interesse de ecologistas. Não tenho nada contra pandas, mas fico curiosa em saber quanto duraria, num mundo imaginário intocado por "intrusos" humanos, um animal que só come broto de bambu. Do ponto de vista evolutivo, os organismos que se espalharam e deixaram mais descendentes são em geral aqueles com mais jogo de cintura, capazes de adaptar-se a situações diversas - e adversas.
Talvez o panda durasse eternidades a mais sem a nossa interferência, mas o que me interessa é pensar como decidir o que deve ser preservado. Nesse cômputo é raro incluir-se a mutabilidade inerente à natureza - se os homens das cavernas fossem bons preservacionistas, quem sabe teríamos agora dinossauros em nossos quintais e nada dos mamíferos, passarinhos e outros animais que conhecemos.
A natureza muda, ela é um processo e não um objeto fixo. Como preservar, então? Melhor do que escolher quais espécies devem continuar a existir, é manter áreas naturais nas quais o processo evolutivo possa continuar, livremente. O desafio passa então a ser como definir essas áreas. Está brotando no Brasil o fértil campo da filogeografia, que busca compreender a trajetória das espécies no tempo e no espaço estudando a geografia da diversidade genética. Em conjunção com a modelagem ecológica, que computa parâmetros ambientais para prever onde espécies existem e existirão, a filogeografia pode indicar áreas que persistiram a milênios de alterações climáticas e têm maiores chances de continuar a abrigar diversidade biológica.
O assunto é complexo e requer uma abordagem multidisciplinar. Biólogos com especialidades diversas, ecologistas e políticos têm que manter todos os canais de comunicação abertos para chegar a conclusões frutíferas.
(Na verdade, terminei este texto assim só como pretexto para indicar o artigo de Carl Zimmer sobre a falta de comunicação entre pesquisadores.)
Mais: "Conservação da biodiversidade", Ciência Hoje 39 (dezembro 2006), seção "Ensaio", pp. 60-63.
7 comentários:
Oi, Maria!
Tantas coisas a dizer...
Na verdade o que o Zimmer aborda em seu post, que vc deixa como dica de leitura, no final do seu, para mim, soa mais como uma perene luta ego X inteligência, não que, necessáriamente sejam excludentes, mas quem está preocupado com a vaidade, guarda seus saberes e teme o compartilhamento de qualquer natureza. Já aqueles que têm sede de saber, sabem o quanto são ignorantes e não se importam com isso, querem mesmo é aprender!
Infelizmente, aqui, há quem sequer levante os olhos para enxergar o que se lhe sobrevoa o cotidiano, não é? Pior cego é aquele que não quer ver, diz o ditado...
ei silvia, que rápida!
é verdade, o artigo do zimmer abre outras fronteiras ao pensamento. acho que muitas coisas impedem o diálogo, ego é uma. e com a descomunicação vem o atraso...
Eu por acaso não suporto pandas, não pelo animal em si, mas pela histeria que acompanha cada nascimento das criaturas. Deve ser complicado num país tão grande como o Brasil, verdadeiramente continental, chamar a atenção das pessoas para a falta de espaço para a natureza. Nestes casos as listas de extinções impressionam bastante.
Já agora, a única coisa com que não concordo neste post é referir homens das cavernas junto com dinossauros.
Caio, que horror! Foi uma imagem literária e não parei para pensar na exatidão científica... Imperdoável, obrigada por chamar minha atenção.
As listas de espécies em extinção impressionam, mas no Brasil muitas vezes não correspondem à realidade. Entram na lista, por exemplo, um sem-número de animais sobre os quais se conhece pouco, mas que especialistas sabem serem comuns.
OI, Maria!
Parece que a cada dia a comunicação se torna mais imperativa...está aí a Web 2.0 para ninguém dizer o contrário...
Não podemos, contudo, fechar os olhos para séculos de tradição. A academia nunca deu ênfase a este tipo de prática, portanto, não é de se esperar que nossos cientistas sejam hábeis em comunicação. Vamos dar-lhes tempo e condições para desenvolver mais essa habilidade, não é?
(é uma autocrítica tb)
Forgive my English, but I know no Portugeuse. I came across your post through the Technorati link to my post on my PLOS essay. I would love to find out about the conversation it's sparking in Brazil!
Hi Carl, how nice of you to stop by! This post is about an article we wrote to a Brazilian magazine - sort of a Discover magazine. The discussion is about the difficulties of choosing areas to preserve, given that environmentalists and biologists too often don't talk to each other. Actually, the article defends an evolutionary approach to choosing conservation areas, with ecological modeling as a predictive tool. The dialogue between specialists part i mostly included in my post because I wanted to quote you - I did enjoy your PLoS essay!
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