07 janeiro 2007

"Não entendi nada, deve ser importante"

O tema em discussão na roda de ciência em dezembro e janeiro - falar e escrever simples - me faz pensar na prática comum de esconder ignorância atrás de palavrório rebuscado. Quantas vezes isso não aparece em discursos de políticos que não querem mostrar o que pensam (ou, pior, que não pensam). Ou em textos de quem quer parecer mais sabido do que é.

Já me mortifiquei por não conseguir entender discursos - orais ou escritos. É duro se sentir burro.

Mas há textos difíceis que convidam o leitor a perder-se em seus meandros e decifrar o que der. Penso em Guimarães Rosa, cujo Grande sertão acabo de reler e sei que a cada releitura se revelarão coisas que me tinham escapado.

E há oradores que mergulham em temas profundos e conseguem transmitir diversos níveis de complexidade. Penso nas aulas de evolução do professor David Wake na universidade de Berkeley - todos saíam encantados e enriquecidos da aula, mas cada aluno aprendera coisas diferentes conforme seu nível de conhecimento. Ninguém era excluído porque o discurso era claro.

Acabei concluindo que, se não entendo nada, talvez o tema não me interesse a ponto de captar minha atenção. Uma variação da fábula da raposa e das uvas. Ou está mal comunicado. Talvez seja prepotência, mas tendo a achar que a boa comunicação deve atingir a qualquer pessoa de inteligência e cultura medianas que esteja disposta a entender.

Bom exemplo da complexidade que oculta o nada a dizer está nas guerras pós-modernas, que Richard Dawkins relata no divertido ensaio "O pós-modernismo desnudado", que integra a coletânea O capelão do diabo (2003, Companhia das Letras). Lá estão fórmulas de Lacan, com as quais Dawkins é impiedoso ("Não é necessário conhecimento matemático [...] para nos assegurar de que o leitor dessa tolice é um tapeador"), e o relato da peça pregada por Alan Sokal no pós-modernismo. Em 1996 ele teve um artigo sem pé nem cabeça, mas construído conforme a sintaxe das ciências sociais, aceito no periódico especializado Social Text. Não precisa fazer sentido, basta ser complicado!

A brincadeira ganhou novo corpo com o
gerador pós-modernista, um site que produz, a cada visita, um novo texto pós-moderno. Absolutamente correto do ponto de vista gramatical e sem sentido nenhum. Divirtam-se.

Leia mais sobre o tema na roda de ciência
Comentários aqui.