Mosquiteiros salva-vidas
Quer acabar com a malária, doença que na África mata cerca de 1 milhão de pessoas por ano? Distribua mosquiteiros. É o que advoga o economista Jeffrey Sachs.
Parece simples, mas não é bem assim. Uma boa revisão dos prós e contras está na reportagem de Leslie Roberts na edição de 26 de outubro da revista Science e no podcast (este é gratuito, mas requer ouvido treinado para o inglês) do mesmo dia.
Sachs estima que distribuir mosquiteiros para cada quarto na África custaria 60 centavos de dólar por pessoa por ano. São mosquiteiros tratados com inseticida, de maneira que não protegem só quem está debaixo dele. Pousar na rede basta para matar o transmissor da malária, portanto se boa parte das casas de um vilarejo está protegida, o benefício se estende até para quem dorme à mercê dos insetos. O chamado efeito de rebanho, segundo Sachs, poderia significar uma queda de 90% na transmissão da malária no continente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou a estratégia e recomenda que todos tenham acesso a mosquiteiros, de graça ou a preços reduzidos. Dados recentes mostram, no Quênia, uma queda de 44% na mortalidade por malária após um esforço concentrado de distribuição de mosquiteiros cujo efeito inseticida dura 5 anos.
Maravilha. Mas há quem discorde. Segundo Leslie Roberts, especialistas em malária temem que o investimento maciço em mosquiteiros desvie recursos que seriam direcionados para a pesquisa - desenvolvimento de vacinas, por exemplo, que ainda não existem. Além disso, a distribuição depende de imensas doações. E se os doadores cansarem da benevolência e não houver recursos para substituir ou recauchutar os mosquiteiros gastos? Alguns especialistas afirmam que nesse caso o problema não voltaria à estaca zero: ficaria bem pior. A idéia é que, com alguns anos longe da malária, o sistema imunológico dos africanos perderia o que tem de resistência à doença, e uma reincidência seria muito mais letal do que é hoje.
Além disso, distribuir mosquiteiros para todos os vilarejos e cidades africanos não custa só o preço das redes e do inseticida. Distribuir gasta combustível, gasta tempo de trabalho, depende de logística por vezes complexa. Se realmente funcionar, vale a pena. Senão, são recursos valiosos em regiões tão pobres. Resta muito a discutir.
Nas Américas a situação é melhor do que na África, mas está longe de controlada. A cada ano são registrados 1 milhão de novos casos de malária, segundo a Organização Pan Americana da Saúde (Opas - em espanhol aqui). Dia 6 de novembro, na semana que vem, é o Dia da Malária nas Américas, em que a Opas pretende fazer campanhas de conscientização e buscar parcerias que permitam estratégias de luta contra a malária neste continente. Mas a campanha é ainda tímida: o documento na página da Opas lista eventos só na Guiana, em Honduras e na capital norte-americana, Washington.
Usar mosquiteiros por estas bandas está nos planos da Opas. Seria uma luta integrada contra a dengue também, que este ano atinge níveis sem precedentes (escrevo assediada por mosquitos Aedes aegyptis, transmissores da dengue). Está nos planos, mas não sei se já está sendo feito.
PS. Acabo de ver um artigo na Plos Medicine sobre a uma experiência contra malária em Zanzibar, que inclui redes tratadas com inseticida. Não tive tempo de ler ainda, mas deixo a referência.
PS. Mais uma atualização: o site do Ministério da Saúde anuncia que mosquiteiros tratados estão entrando no Brasil, a começar pelo Acre.
A foto, de uma família protegida por uma rede tratada, eu peguei na página da OMS.
1 comentário:
Hmmm... Sei lá... Me parece que todo problema complexo tem uma solução simples, elegante e errada.
Um dado me chamou a atenção: o número de mortes na África é o mesmo que o número de casos registrados nas Américas. Isso me sugere que, na África, a malária é mais mortífera que nas Américas - e não devia ser, já que os africanos convivem com a Malária a tanto tempo que a anemia falciforme virou característica genética predominante em diversas etnias.
Então não fica difícil associar a mortalidade da Malária a outras causas, tais como subnutrição endêmica, falta de cuidados médicos mínimos e outras mazelas decorrentes da miséria... (Só para exemplo: eu conheci um oficial do Exército Brasileiro que chegou a contrair cinco tipos de malária... ele tinha a pele quase tão verde como o uniforme, mas não morreu...)
Eu, pessoalmente, acho que uma farta distribuição de mosquiteiros é uma medida apenas paliativa e ineficaz (sem contar que é uma excelente oportunidade para negociatas de grande porte...) Mas também não vislumbro qualquer outra medida emergencial melhor...
Em suma: vale a pena tentar, mas não dá nem para imaginar que seja uma medida "suficiente".
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