23 janeiro 2009

O brilho da pouca atenção

Ouvi recentemente, no podcast "Berkeley Groks", uma entrevista bem interessante com a psicóloga Lara Honos-Webb, autora do livro The Gift of Adult ADD [O dom do DDA adulto].

Foi nos Estados Unidos que ouvi falar pela primeira vez em distúrbio de déficit de atenção, acho que em 1998. Naquela época não se falava muito no assunto aqui no Brasil, mas lá descobri que era praticamente uma epidemia. Soube que muitas crianças eram medicadas para ficarem mais concentradas e sob controle, e que algumas escolas inclusive separavam essas crianças em ônibus e turmas especiais, para que não importunassem - ou contaminassem - as "normais".

Mas minha convivência não foi com crianças. Eu era monitora de uma matéria de graduação e, quando chegou a hora da primeira prova, uma aluna me apresentou um documento da universidade dizendo que ela tinha déficit de atenção e tinha direito a condições especiais para fazer provas: uma sala só para ela e o dobro do tempo. Exigências que deveriam valer para todos, porque as provas lá eram um exercício de velocidade no manejo da caneta. Tempo para pensar, de jeito nenhum.

Pois essa tal aluna era brilhante. Estava sempre tendo ideias, toda aula tinha perguntas inteligentes e interessantes. Que saíam do óbvio. Era isso, pensei, que definia o tal déficit de atenção. A pessoa não consegue se concentrar numa coisa só porque o cérebro está vendo mil coisas e tendo mil ideias ao mesmo tempo. Me pareceu um desperdício tentar "curar" aquela moça.

É exatamente isso que o livro fala. Pessoas com déficit de atenção têm talentos: parece que o distúrbio é comum entre bombeiros, que têm que tomar decisões drásticas e arriscadas muito depressa, e jornalistas, que a cada dia têm que mergulhar num assunto completamente novo. O conselho dela para essas pessoas na verdade vale para qualquer um: em vez de tentar ser como todo mundo, ganha-se muito mais em reconhecer os talentos e gostos de cada um e investir naquilo.

5 comentários:

Rafael disse...

Foi muito bom ler esse artigo. Semana passada fiquei desconfiado que tinha DDA lendo sobre a doença na internet, então na sexta-feira fui consultar um neurologista para me informar mais sobre o assunto.

Ele me fez algumas perguntas e me receitou Ritalina. Passei meu final de semana refletindo sobre esse assunto, o engraçado é que pensei quase exatamente isso que acabei de ler agora.

Tenho várias idéias ao mesmo tempo, elas costumam ser muito boas e fora do padrão, e isso faz com que eu tenha mesmo uma tremenda dificuldade de me concentrar. Porém, pra quê vou desperdiçar isso? As idéias são realmente boas, tenho dificuldade de executá-las até o final, mas creio que com um pouco de exercício eu supero isso.

Acabei de rasgar minha receita, vou tentar resolver de outra forma, talvez terapia ou Yoga, sem medicamentos.

Abraço

Maria Guimarães disse...

que legal, rafael. um depoimento como o teu faz valer a pena usar horas vagas para blogar.

acredito que conhecer a fonte das dificuldades nos ajuda a traçar maneiras de contorná-las - e tirar proveito do que há de positivo. torço muito para que você consiga e use bem a sua criatividade e agilidade mental.

isso dito, acho também que às vezes os remédios podem ajudar. o melhor é não fechar a cabeça. se no futuro for preciso, lembre que tem essa carta na manga - que está ali para ser usada, em último caso.

espero que você venha mais a este blogue, e que um dia conte como as coisas andaram. anote: o ciência e ideias se mudou para http://scienceblogs.com.br/_br/cienciaeideias/
a ação continua por lá.

abraço, maria

Universalismo Crístico - Recife disse...

É fato que os portadores de TDA têm a hiperatividade mental que, dentro de circunstâncias sociais propiciadoras, resulta numa criatividade fora do comum.
O problema é quando as consequências do transtorno(superficialmente: desatenção, impulsividade e hiperatividade física/mental) afetam de forma negativamente a vida destas pessoas. Não raro se encontram indivíduos TDA que são depressivos e viciados em drogas(pior ainda quando são as ilícitas) que chegam a esse ponto em razão da cobrança social não compreedida por essas mentes inquietas. A falta de informação é a pior coisa na vida dessas pessoas, que são frequentemente incompreendidas não só pelos outros como por si mesmo. Fui diagnosticado com este Transtorno e estou sendo tratado através da terapêutica medicamentosa, com o uso da Ritalina. Tenho apenas dez dias de tratamento e posso afimar que atualmente possuo uma percepção absolutamente diferente do mundo ao meu redor. Agora sou capaz de raciocinar com calma, focar minha atenção em um texto/conversa/aula/palestra, conter meus impulsos e evitar a letargia depois de horas da cabeça à mil(produzindo poucas coisas criativas e muita, mas muita besteira); aos poucos vou organizando a minha vida. Tudo isso sem falar nas animadoras consequências psicológicas diretas decorrentes dessa superação pessoal(uma auto-estima nunca vislumbrada antes). É uma vida nova que se descortina à minha frente. Olhe que a primeira vez na qual ouvi falar desse transtorno foi há 2 ou 3 meses e o tratamento começou, como eu já disse, há apenas 10 dias. Se quiserem trocar uma ideia comigo basta me contactar por e-mail: leo5533@gmail.com

maria guimarães disse...

léo, que bom que o tratamento está funcionando para você! concordo, informação e uma atenção caso a caso é o mais importante. não tem uma solução para todos, e só tomar o remédio nem sempre é a resposta.

obrigada pela visita. volte no novo endereço do blogue, em http://scienceblogs.com.br/cienciaeideias/

Manel disse...

o que li aqui eu desconfiava. Que esse TDAH é uma faca de dois gumes.

venho desde criança lutando com essa condição. Sempre muito elogiado pelos professores por inteligência e criatividade, e maltratado pelo sistema que exige um padrão de comportamento. Cumprir horários??? UM SUPLÍCIO!!! por maior que seja minha vontade e respeito pelos colegas de trabalho! Tenho ótimo desempenho em algumas atividades (dizem q quando estimulados os portadores de TDAH podem ter superconcentração. bem minha cara.), mas quando preciso fazer um trabalho apenas por dinheiro, algo normal na vida de qualquer profissional, meu rendimento vai a quase zero, sendo difícil cumprir prazos e metas.

eu tenho quase certeza q tenho isso desde sempre, mas nunca fui mto a médico, e portanto não fui diagnosticado. mesmo sabendo q meus diferenciais podem ser consequência desse disturbio, o tanto que me prejudica pode ser muito maior. Estou sim pensando em utilizar a Ritalina. Não sei o q fazer.