27 fevereiro 2009

Ainda evoluímos

Continuo em festejos darwinianos. Recentemente ouvi o geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e fundador/diretor do Laboratório Gene, dizer que a cultura e a medicina já puseram os seres humanos acima da evolução.

Fiquei com vontade de comentar, mas fui adiando por falta de tempo para reunir argumentos. Hoje vi que está feito: no ótimo texto do geneticista/neurocientista/evolucionista Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, em sua coluna "espiral", no portal G1. Ele faz uma pequena revisão de trabalhos recentes e mostra que nossos genes estão sim sofrendo alterações em resposta a pressões ambientais. E não só: essas mudanças levam a que se acumulem novas diferenças entre povos diferentes.

Raças? Não importa, e o Alysson não entra nessa discussão. Mas sem querer voltei ao Sérgio Pena, que costuma usar argumentos mal-sustentados pela lógica e pela ciência para afirmar que não existem raças, por isso não deveria haver racismo. O cordel sobre essas ideias noticiado na Ciência Hoje On-line não me permite deixar de lembrar o debate sobre raças e racismo no Congresso de Genética de 2008 (de que Sérgio Pena não participou, embora tenha ido ao congresso). Acho que foi o geneticista da USP Paulo Otto quem disse que não se deve ser racista por princípios morais, e não pelo que diz a genética. Enquanto raças e racismo forem tratadas como sinônimos, fica difícil conviver numa espécie felizmente tão diversa.


A foto é daqui, assim como a do texto anterior.

26 fevereiro 2009

Darwin no carnaval

Correção: a ideia parece ter feito sucesso e a organização decidiu adiar o cortejo para 14 de março. Veja mais no JC e-mail.

“Hoje é o primeiro dia de Carnaval, mas Wickham, Sullivan e eu não nos intimidamos e estávamos determinados a encarar seus perigos. Esses perigos consistem principalmente em sermos, impiedosamente, fuzilados com bolas de cera cheias de água e molhados com esguichos de lata.” Foi assim que Charles Darwin registrou em seu diário a passagem pelo carnaval baiano em 1832.

Como na Bahia carnaval é coisa séria, este ano de celebrações darwinianas incluirá um bloco em homenagem a esse inesperado carnavalesco do século XIX. Segundo o Jornal da Ciência, o cortejo sairá do Campo Grande, em Salvador, às 10h de amanhã, sábado 28 de fevereiro.

Organizado pelo Grupo Defesa e Promoção Sócio Ambiental, o bloco terá alas simbolizando a Mata Atlântica, plantas, flores, animais e os tripulantes do navio Beagle. No farol da Bahia, um grupo do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, encenará uma peça inspirada em Darwin.

Por favor, alguém vá e me conte!!


A foto, da comissão de frente do desfile da Vila Isabel em 2007 (representando a transmutação da espécie humana) é da fototeca da prefeitura do Rio de Janeiro.

O Carnaval Carioca


Poucos ambientes foram tão importantes para a cultura brasileira quanto o carnaval carioca. Foi a partir dele que a música que Assis Valente, Batatinha e Dorival Caymmi tocavam na Bahia deu origem ao que hoje chamamos de samba, através dos blocos carnavalescos. No ano de 1928, a fundação do bloco Deixa falar, por Ismael Silva, no bairro do Estácio, foi um marco no que diz respeito à história do samba carioca. O Deixa falar foi o primeiro bloco dedicado à dança e a evolução ao som do samba.


Data de 1929 o primeiro concurso de sambas, realizado na casa de Zé Espinguela, onde saiu vencedor o Conjunto de Oswaldo Cruz, atual Portela, e do qual também participaram a Mangueira e a Deixa Falar. Alguns consideram este como sendo o marco da criação das escolas de samba. Em 1932, patrocinado pelo jornal Mundo Esportivo, surgiu o desfile das escolas de samba, na Praça Onze, vencido pela Estação Primeira de Mangueira. Em 1935, as agremiações carnavalescas cariocas foram obrigadas a tirar um alvará na "Delegacia de Costumes e Diversões" para poderem desfilar. O delegado titular, Dulcídio Gonçalves, decidido a dar um aspecto de maior organização aos desfiles de escolas de samba, negou-se a conceder o alvará para associações com nomes considerados esdrúxulos, razão pela qual a Portela teve que mudar para o nome atual, ao invés do anterior Vai Como Pode. Portanto, a partir daí, as escolas passaram a adotar a denominação de Grêmio Recreativo e Escola de Samba.


No ano de 1941, o desfile saiu da Praça Onze e passou a ocorrer nas principais avenidas do centro da cidade, como a Avenida Rio Branco. Em 1984, durante o governo de Leonel Brizola, foi construído o sambódromo, sob projeto de Oscar Niemeyer.


Com o tempo, as Escolas de Samba se popularizaram e se multiplicaram, fazendo com que os blocos tomassem formas parecidas com as das escolas de samba, e perdessem importância. Porém, com o aumento da exploração do desfile das escolas de samba como uma grande máquina de produzir receita, e não apenas alegria, os blocos voltaram às graças dos cariocas, aí então passando a se multiplicar.


Não há como desligar determinados músicos de suas escolas de origem. Noel Rosa/ Vila Isabel, Cartola/ Mangueira, Martinho/ Vila Isabel, Silas de Oliveira/ Império Serrano, Monarco/ Portela, Nelson Sargento/Mangueira, Paulinho da Viola/ Portela, Dona Yvonne Lara/ Império Serrano, João Nogueira/ Portela, Ismael Silva/ Estácio de Sá, Clara Nunes/ Portela, Neguinho/ Beija-Flor, entre outros binômios.


Hoje em dia, a produção musical carnavalesca é bem pobre, tanto nos blocos, quanto nos bailes ou nas escolas de samba. Recentemente, para estimular um gênero que estava praticamente extinto, foi criado o Concurso de marchinhas, realizado todo ano na Fundição Progresso, na Lapa. Diante disso, boa parte das marchinhas ou sambas entoados nos milhares de blocos e bailes espalhados pela cidade, são uma ode ao passado.


Em 2009, fim da primeira década do século XXI, pôde ser observado o quanto o carnaval do Rio tem crescido e atraído turistas, além de manter os cariocas na cidade. Os blocos são inúmeros e vivem o dilema de crescerem, e aí superlotarem seus cordões, perdendo assim suas identidades. Diante dessa situação, blocos dissidentes surgem dos maiores provocando uma hereditariedade contínua dos mesmos, iniciando a folia carioca mais cedo e encerrando mais tarde. Concentrações divulgadas ao grande público com horários incorretos são uma tática adotada pelos grandes blocos para evitar a superlotação.


Já as Escolas de Samba tem se profissionalizado cada vez mais, principalmente com o fluxo de mão-de-obra. Não à toa, o Paulinho Mocidade é o intérprete da Imperatriz Leopoldinense, e o Dominguinhos do Estácio puxava a Viradouro. Neste ano, os grandes campeões da sempre contestada disputa do carnaval foram os Acadêmicos do Salgueiro, tradicional escola do Morro do Salgueiro, na Tijuca, com o enredo “Tambor”, finalizando assim uma hegemonia da Beija-Flor de Nilópolis, que, entretanto, manteve força, sendo a vice-campeã com uma apresentação perfeita tratando do “Banho”. O Império Serrano, mais uma vez foi maltratado pelos jurados, caindo novamente, e de forma injusta, ao grupo de acesso, de onde vem a tradicional, e há algum tempo ausente, União da Ilha do Governador. Como diria o estudioso do samba, e salgueirense, Haroldo Costa: “Quando o Salgueiro mexe com África, sai de baixo!” E assim o foi, tanto que o Salgueiro encerrará o desfile das campeãs, sábado, que terá também a Mangueira, Grande Rio, Vila Isabel, Portela e Beija-Flor.

12 fevereiro 2009

Aniversário

Hoje minha avó Marina Corimbaba Guimarães faria 109 anos. Uns 30 anos atrás, meu avô Fábio (na foto com ela) já tinha morrido e eu às vezes dormia na cama dela. Ganhava o copo de leite que ela deveria tomar e ela contava histórias (lembro da Dona Baratinha) em capítulos. E coçava minhas costas, com umas unhas longas pintadas de vermelho que faziam um barulhinho delicioso quando roçavam a pele. Ela morreu pouco depois.

"A vida dela era os outros. Por isso, sozinha desde os 17 anos, num mundo sem lugar para ela, projetou-se no trabalho, no amor, na família e em todos com que entrava em contato. Uma perfeita mulher do século XIX e, ainda assim, sem preconceitos, discriminações, distâncias", resume meu pai.

Aos 17 anos, Marina ficou órfã. Foi então trabalhar. Virou professora e tomou as rédeas da própria vida. Só conheceu meu avô quase 20 anos depois, porque foi morar numa pensão mantida pela família dele. Ela tinha 36 anos, ele 30. Se casaram e ela ainda conseguiu ter 3 filhos - sorte a minha que ainda deu tempo, meu pai é o caçula.

Determinada, ela estimulou o marido a estudar e até a fazer doutorado nos Estados Unidos. Ele acabou se tornando um geógrafo de destaque, um dos pioneiros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (veja
aqui notícia que escrevi há uns anos).

Foi essa determinação que minha mãe usou em fevereiro de 1978, quando estava já cansada do calor da gravidez. Perguntou à sogra quando o nenê nasceria. "Amanhã", foi o veredito. Meu irmão nasceria no dia seguinte.

Minha avó materna sempre contava que Marina ensinava todas as empregadas do prédio, em Copacabana, a ler e escrever. Dizem também que havia sempre uma grande população flutuante na casa, tanto na sala (amigos diversos) e na cozinha (protegidos diversos). Minhas próprias lembranças são cenas e imagens vagas.


Hoje também seria aniversário de Charles Darwin, como qualquer pessoa que viva neste planeta internético já terá ouvido dizer. Se ele pudesse ter vivido 200 anos, hoje estaria certamente impressionado com tudo o que se aprendeu nos 150 desde que publicou A origem das espécies. Aposto como acompanharia todos os avanços e continuaria tentando sintetizar novas teorias. Faltam hoje pessoas que, como ele, tenham a paciência, a determinação e os meios para se isolar e pensar, pensar, pensar. E fazer experimentos, e escrever, e juntar pecinhas de um quebra-cabeças infinito.

Darwin e Marina são pessoas que fazem falta no mundo.

11 fevereiro 2009

Isto não é uma formiga

Lagartas das simpáticas borboletas Maculinea rebeli (ao lado, tirei a foto daqui), da Europa Ocidental, são boas de disfarce. Ainda pequenas, são carregadas pelas formigas-vermelhas Myrmica schencki para dentro do formigueiro. Ali acontece 95% do seu crescimento, sob os cuidados prestimosos das formigas.

Pesquisadores de Turim, na Itália, e de Oxford, no Reino Unido, explicam na última edição da Science: as taturanas imitam o som produzido pela formiga rainha, assim induzem as operárias a cuidar delas como se fossem integrantes essenciais da colônia.

Soube desse artigo pela edição de hoje do meu podcast favorito, "the naked scientists". No site, além do podcast, está a transcrição (em inglês) do programa e até os sons produzidos pela formiga monarca e pelas larvas de borboleta. Com gravações, os pesquisadores verificaram que as operárias reagem de maneira similar aos dois sons, embora nossos ouvidos detectem a diferença.

Parece familiar? Não estou escrevendo duas vezes sobre a mesma coisa nem me enganei antes. Há umas duas semanas mencionei um texto do Fernando Reinach sobre lagartas que imitam o cheiro das formigas. Nesse caso eram outras espécies, bastante aparentadas, tanto da formiga como da borboleta de que falo hoje. Os autores do artigo mais recente (diferentes do artigo anterior, também publicado na Science) sugerem que as taturanas M. rebeli devem usar os dois mecanismos: cheiro para atrair as formigas e som quando já estão dentro do formigueiro.

03 fevereiro 2009

Cuidado com o carrapato!

Febre, dor de cabeça, dor no corpo, prostração. Quando soube do trabalho do veterinário Marcelo Labruna, da USP, eu estava com esses sintomas. São os da febre maculosa, mas também de um bom resfriado comum.

A primeira doença é transmitida por carrapatos, sobretudo o carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), o da foto ao lado tirada pelo próprio Labruna (repare que ali estão cinco fases de vida do bicho, desde o minúsculo micuim até o carrapatão alimentado). Se diagnosticada cedo, basta um antibiótico. Caso contrário, surgem manchas na pele (as tais máculas), extremidades começam a necrosar e o paciente pode perder dedos e até morrer, em até 40% dos casos.

Não há motivo para pânico porque a doença é rara. Labruna e seus alunos andam pelo mato à busca de carrapatos infectados, deixam-se picar à vontade (o que não é o amor pela ciência...) e investigam o próprio sangue todos os anos em busca de sinais da doença. Nunca encontraram.

Mas se você (como eu) frequenta lugares onde há mato e carrapatos associados a cachorros ou capivaras, melhor ficar de olho. Eu estava só resfriada e sobrevivi, como previu o médico que eu, morrendo de vergonha da minha hipocondria, consultei.

Isso foi antes de eu ir conversar com o Marcelo dos carrapatos, como é conhecido na faculdade de Veterinária, e escrever a matéria que saiu na edição de janeiro de Pesquisa FAPESP. Agora acho que eu não teria tanta vergonha de tirar os sintomas a limpo.

02 fevereiro 2009

Lista de leitura (em inglês)

O Carl Zimmer pediu ajuda dos leitores de seu blogue The Loom para preparar uma lista de textos memoráveis de divulgação de ciência. Deu preferência aos disponíveis na internete. Ponho aqui não só como dica (li um ou outro), mas também para ter à mão para sempre que tenha um tempinho.

Quem lembrar de outros, não deixe de avisar nos comentários. Quem sabe não fazemos uma lista ainda mais completa, quem sabe com textos em português também?

Contra cortes no financiamento de pesquisa

A comunidade científica anda preocupada com a possibilidade de cortes importantes no financiamento do governo para ciência. Alguns blogues que se manifestaram: o Brontossauros e o 100nexos.

Se os cortes se concretizarem, muitos dos pós-graduandos perderão suas bolsas e muita pesquisa ficará inviável. Se quiser juntar-se ao protesto, está aqui uma petição.