Com esses olhos alertas, as tupaias da Malásia, da espécie Ptilocercus lowii (foto ao lado, de Annette Zitzmann - co-autora do trabalho), enganam. Não só são notívagas, como beberronas. Passam em média 138 minutos por noite lambendo as flores da palmeira Eigeissona tristis. O sistema de produção de néctar e pólen dessas plantas é peculiar - o néctar abundante passa um bom tempo fermentando e chega a um teor alcóolico de 3,8% - o mais alto já encontrado na natureza, semelhante a algumas cervejas. Em entrevista para o podcast "Science in action", da BBC, o coordenador da pesquisa Frank Wiens, da universidade alemã de Bayreuth, disse que a quantidade de néctar que as tupaias consomem é como se uma pessoa tomasse 8 taças de vinho por noite!
Apesar de consumirem uma grande quantidade de álcool para suas 50 gramas de corpo, as tupaias não saem trocando pernas (veja vídeo). E não são as únicas. O grupo de pesquisadores sentiu o cheiro familiar de uma cervejaria perto da planta e observou ao todo sete espécies de mamíferos que se refestelam com o festim etílico da palmeira - mas poucos tão boêmios quanto a tupaia. Outra espécie que se destaca é o lóris-lento (Nycticebus coucang, foto abaixo, daqui), que restringe suas noitadas no bar a 86 minutos em média. Talvez a lentidão que lhe dá nome seja cautela, para não dar bandeira (vídeo aqui). O artigo foi publicado na semana passada na revista PNAS, da Academia de Ciências dos Estados Unidos.
O assunto andou nas notícias e não me chamou a atenção só pela simpatia de bichos bebuns em tempos de lei seca. Também deixou de cabelos em pé esta que já foi estudiosa de mamíferos e mantém a preferência. As tupaias, também conhecidas como musaranhos-arborícolas, apareceram pela mídia como roedores. Não posso me furtar ao protesto: estão muito longe de roedores!
Para não deixar dúvidas, ponho aqui uma filogenia dos mamíferos, abaixo (do Tree of Life) - observe como uma árvore genealógica. As tupaias, que aparecem como "Scandentia", são na verdade mais aparentadas aos primatas do que aos roedores ("Rodentia"). Os lórises são prossímios, incluídos no ramo dos primatas junto com os lêmures. A confusão não vem só da nossa ignorância dessa fauna do sul e sudeste da Ásia: na Malásia, a palavra tupai indica tanto esquilos (esses sim roedores) como tupaias. Outra confusão surge do termo "musaranho-arborícola". Musaranhos propriamente ditos também não têm muito a ver com as tupaias (aparecem como "Insectivora" na árvore).
É exatamemente por serem quase primatas que o alcoolismo das tupaias é interessante. O próximo passo é entender em detalhes o que na fisiologia delas - e dos lórises lhes permite ingerir tanto álcool sem sofrer as conseqüências motoras - sem falar em ressacas. O interesse maior dos pesquisadores é mesmo compreender a evolução desse aspecto da fisiologia, e porque nós ficamos alegres com uma fração do álcool que as tupaias encaram sem achar que é mais do que uma refeição. Mas pode até, quem sabe, vir a ser útil para tratar dependência alcóolica.