26 fevereiro 2009

O Carnaval Carioca


Poucos ambientes foram tão importantes para a cultura brasileira quanto o carnaval carioca. Foi a partir dele que a música que Assis Valente, Batatinha e Dorival Caymmi tocavam na Bahia deu origem ao que hoje chamamos de samba, através dos blocos carnavalescos. No ano de 1928, a fundação do bloco Deixa falar, por Ismael Silva, no bairro do Estácio, foi um marco no que diz respeito à história do samba carioca. O Deixa falar foi o primeiro bloco dedicado à dança e a evolução ao som do samba.


Data de 1929 o primeiro concurso de sambas, realizado na casa de Zé Espinguela, onde saiu vencedor o Conjunto de Oswaldo Cruz, atual Portela, e do qual também participaram a Mangueira e a Deixa Falar. Alguns consideram este como sendo o marco da criação das escolas de samba. Em 1932, patrocinado pelo jornal Mundo Esportivo, surgiu o desfile das escolas de samba, na Praça Onze, vencido pela Estação Primeira de Mangueira. Em 1935, as agremiações carnavalescas cariocas foram obrigadas a tirar um alvará na "Delegacia de Costumes e Diversões" para poderem desfilar. O delegado titular, Dulcídio Gonçalves, decidido a dar um aspecto de maior organização aos desfiles de escolas de samba, negou-se a conceder o alvará para associações com nomes considerados esdrúxulos, razão pela qual a Portela teve que mudar para o nome atual, ao invés do anterior Vai Como Pode. Portanto, a partir daí, as escolas passaram a adotar a denominação de Grêmio Recreativo e Escola de Samba.


No ano de 1941, o desfile saiu da Praça Onze e passou a ocorrer nas principais avenidas do centro da cidade, como a Avenida Rio Branco. Em 1984, durante o governo de Leonel Brizola, foi construído o sambódromo, sob projeto de Oscar Niemeyer.


Com o tempo, as Escolas de Samba se popularizaram e se multiplicaram, fazendo com que os blocos tomassem formas parecidas com as das escolas de samba, e perdessem importância. Porém, com o aumento da exploração do desfile das escolas de samba como uma grande máquina de produzir receita, e não apenas alegria, os blocos voltaram às graças dos cariocas, aí então passando a se multiplicar.


Não há como desligar determinados músicos de suas escolas de origem. Noel Rosa/ Vila Isabel, Cartola/ Mangueira, Martinho/ Vila Isabel, Silas de Oliveira/ Império Serrano, Monarco/ Portela, Nelson Sargento/Mangueira, Paulinho da Viola/ Portela, Dona Yvonne Lara/ Império Serrano, João Nogueira/ Portela, Ismael Silva/ Estácio de Sá, Clara Nunes/ Portela, Neguinho/ Beija-Flor, entre outros binômios.


Hoje em dia, a produção musical carnavalesca é bem pobre, tanto nos blocos, quanto nos bailes ou nas escolas de samba. Recentemente, para estimular um gênero que estava praticamente extinto, foi criado o Concurso de marchinhas, realizado todo ano na Fundição Progresso, na Lapa. Diante disso, boa parte das marchinhas ou sambas entoados nos milhares de blocos e bailes espalhados pela cidade, são uma ode ao passado.


Em 2009, fim da primeira década do século XXI, pôde ser observado o quanto o carnaval do Rio tem crescido e atraído turistas, além de manter os cariocas na cidade. Os blocos são inúmeros e vivem o dilema de crescerem, e aí superlotarem seus cordões, perdendo assim suas identidades. Diante dessa situação, blocos dissidentes surgem dos maiores provocando uma hereditariedade contínua dos mesmos, iniciando a folia carioca mais cedo e encerrando mais tarde. Concentrações divulgadas ao grande público com horários incorretos são uma tática adotada pelos grandes blocos para evitar a superlotação.


Já as Escolas de Samba tem se profissionalizado cada vez mais, principalmente com o fluxo de mão-de-obra. Não à toa, o Paulinho Mocidade é o intérprete da Imperatriz Leopoldinense, e o Dominguinhos do Estácio puxava a Viradouro. Neste ano, os grandes campeões da sempre contestada disputa do carnaval foram os Acadêmicos do Salgueiro, tradicional escola do Morro do Salgueiro, na Tijuca, com o enredo “Tambor”, finalizando assim uma hegemonia da Beija-Flor de Nilópolis, que, entretanto, manteve força, sendo a vice-campeã com uma apresentação perfeita tratando do “Banho”. O Império Serrano, mais uma vez foi maltratado pelos jurados, caindo novamente, e de forma injusta, ao grupo de acesso, de onde vem a tradicional, e há algum tempo ausente, União da Ilha do Governador. Como diria o estudioso do samba, e salgueirense, Haroldo Costa: “Quando o Salgueiro mexe com África, sai de baixo!” E assim o foi, tanto que o Salgueiro encerrará o desfile das campeãs, sábado, que terá também a Mangueira, Grande Rio, Vila Isabel, Portela e Beija-Flor.

7 comentários:

Maria Guimarães disse...

henrique, você concorda com a vitória do salgueiro? eu apostava tudo na beija-flor e tentei falar com você antes pra saber.

adorei isso de não serem permitidos nomes esdrúxulos! e adorei a idéia de divulgar horários errados pra só ir quem sabe!

o que você acha da comercialização das escolas de samba? tenho lido textos irônicos, as pessoas dizendo que já não tem nada de popular nesses desfiles. mas eu acho que é mais complexo que isso. claro que virou comercial, mas acho que ainda se sente diferença na paixão de quem realmente faz parte da escola.

estou curiosa pra saber tua opinião. ah, outra coisa: o samba-enredo das sereias era antigo. pensei que era obrigatório que as músicas fossem originais. explica?

João Carlos disse...

Logo você, Maria!?... Pondo em dúvida a merecidíssima vitória do meu Salgueiro?... ;)

Respondendo ao que não foi perguntado para mim:

- a comercialização é uma necessidade: financia as alas da comunidade (melhor do que ser bancado por bicheiro e traficante);

- desde 2000 os sambas-enredo (e os enredos, é claro) podem ser repetidos. Eu acho uma péssima idéia, mas o quesito "criatividade" anda em baixa em todas as manifestações culturais no Brasil.

Maria Guimarães disse...

salve, joão carlos, obrigada. fiquei perplexa quando vi que conhecia a música!

concordo com você quanto à comercialização. vou te mandar um artigo que li no fim de semana, coisa de gente que nunca foi a um desfile (nem quer) e fica metido a espertinho, irritante.

e também achei merecida a vitória do salgueiro, um desfile lindo mesmo. eu não torci pela beija-flor, que não gosto de hegemonias. mas a melodia deles me tirou da mesmice. e me deixei impressionar com aquelas águas todas.

Henrique Guimarães disse...

Maria, eu concordo com o Salgueiro campeão, mas apostava na Beija-Flor, assim como você. Inclusive fiz a minha previsão com Beija-Flor em primeiro, Salgueiro em segundo, e Vila Isabel em terceiro. Mas, de fato, a força do Salgueiro com seus tambores fez muita diferença e deu mais graça a um carnaval que teve a Beija-Flor campeã em 2003,2004,2005,2007 e 2008.

Uma coisa importante a se dizer é que a construção da Cidade do Samba elevou o nível estético dos desfiles, mas acaba formando uma elite de escolas que eu não considero saudável. Tinha que ter Cidade do Samba para o grupo de acesso, que também possui diversas escolas tradicionais. Com relação aos patrocínios, esses eu considero muito bem vindos, a Vila Isabel, por exemplo, foi campeã em 2006 falando da América Latina, e recebeu apoio do governo venezuelano. Mas, mesmo assim, a direção das escolas ainda é composta por bicheiros e traficantes, e eles é que determinam o tamanho da participação das comunidades, e de quem vem de fora. Entretanto, mesmo com tudo isso, o desfile das escolas de samba continua sendo altamente popular, cativando os torcedores e membros das escolas em todo o Grande Rio, e, além disso, oferece emprego a muitas pessoas das comunidades, principalmente artistas e artesãos.

Como disse João Carlos, os sambas antigos passaram a ser repetidos no século XXI, o próprio Império, que fez este ano, já havia feito em 2004, quando ganhou o estandarte de ouro com o enredo "Aquarela do Brasil". Outras escolas, como a Portela, também já fizeram o mesmo, e no caso da Tradição, que é uma dissidência da Portela, reviveu o enredo "Contos de Areia", da sua escola mãe, em 2004. Outro caso foi o da Porto da Pedra, que em 2005 repetiu o enredo "Festa profana", da União da Ilha, de 1989.

Maria Guimarães disse...

pra quem acha que carnaval não é cultura, história e erudição, dou-lhes henrique e joão carlos. bela contribuição, esse teu texto.

Mariana Stolze disse...

Nossa, Henrique. Muito bom encontrar isso aqui! Você é uma das pessoas mais inteligentes, perspicazes e talentosas que eu já tive o prazer de conhecer. E é realmente delicioso ler um pouco da também minha história dentro das suas palavras. Beijos em alto som.

João Alexandrino disse...

Olá Henrique! Bem hajas por esse texto excelente, que me leva a lamentar profundamente ainda não ter passado um Carnaval aí no Rio. A minha favorita também era a Beija-Flor, pelo samba, pela beleza do desfile e, sobretudo, por ser a escola mais alegre que eu vi desfilar.