28 março 2009

A inovação científico-tecnológica e os desafios do nosso tempo



“O estado da economia demanda ação pronta e ousada, e agiremos – não apenas para criar emprego, mas para construir novos alicerces para o crescimento. Construiremos estradas e pontes, as redes elétricas e digitais que alimentam o nosso comércio e nos unem. Recolocaremos a ciência no lugar que lhe é devido, e usaremos as magias da tecnologia para melhorar a qualidade do atendimento de saúde e reduzir os seus custos. Convocaremos o sol, a terra e o vento para abastecer os nossos carros e as nossas fábricas. E transformaremos as nossas escolas e universidades para responder aos desafios de uma nova era. Tudo isto podemos fazer. Tudo isto iremos fazer!”

Barack H. Obama[1]



Palavras inspiradoras são as de Barack Obama, grande candidato a farol-guia do mundo em crise. Mas chegarão para nos levar a porto seguro? A julgar pelo recente livro de Judy Estrin [2], discursos inspiradores de grandes líderes são um ótimo princípio para instilar confiança na comunidade e exortá-la a responder aos desafios do momento. Esses são conhecidos de todos, e ao contrário do que muitos pensam não se resumem à crise económica global. São muito maiores os desafios da sustentabilidade da nossa existência, no uso de recursos naturais e seus impactos no planeta que nos acolhe ainda. Mais prementes são os desafios da produção de energias limpas e o controle das alterações climáticas. Para a autora (tal como para Obama), o símbolo do desenvolvimento sustentável teria um potencial catalizador de inovação científica e tecnológica no século XXI, comparável ao que o programa espacial
norte americano teve no sistema de pesquisa e inovação daquele país nas duas décadas após a segunda guerra mundial, levando à consumação definitiva da liderança global dos EUA.

Mas haveria algo errado com o sistema de inovação científico-tecnológica para que os EUA e o mundo pareçam tão atrasados na luta contra os desafios que há tanto tempo se anunciam? O que houve, principalmente nas duas últimas décadas, foi um sistema demasiadamente focado na eficiência e na produtividade em decorrência das pressões da sociedade e de seus líderes. Segundo Estrin, um sistema desse tipo funciona esgotando a energia dos indivíduos em atividades produtivas, não sobrando aquela essencial para a atividade criativa, o verdadeiro pilar da inovação científica e tecnológica. É então importante que a mensagem que chega dos líderes seja de um outro tom, inspiradora e que estimule a inovação. Mas uma sociedade no caminho da inovação depende acima de tudo de indivíduos com determinadas capacidades, que seriam as de: questionar, ser aberto a novas ideias, correr riscos, ser perseverante e autoconfiante. Será possível uma educação para a inovação? Aqui, J. Estrin critica o sistema educativo atual dizendo que ele produz indivíduos com capacidade de seguir manuais de instruções, mas não de questionar e muito menos enquadrar devidamente as questões. A saída para as próximas gerações é, não tanto ensinar inovação como disciplina na escola mas alterar o modo como se lecionam todas as disciplinas, incentivando o questionamento das matérias e os debates em que a criança ou adolescente seja protagonista. Assim se despertam as capacidades de liderança necessárias para uma atividade criativa. A educação dentro da família teria um papel tão ou mais importante, no sentido de permitir à criança ter a autoconfiança necessária para, ao longo de sua vida, questionar de forma construtiva entidades que representem o poder do conhecimento autoritário, sejam parentes, professores, orientadores ou superiores hierárquicos.

Essa empresa, a da promoção da inovação para atender aos desafios da nossa era, extravasa o papel das universidades como instituições promotoras de ciência e inovação, pois é na verdade um projeto de sociedade. À semelhança dos mecenas da Itália renascentista, o Estado, fundações e indivíduos filantrópicos têm papel essencial na promoção da criatividade e da inovação. Sem o investimento incondicional na educação e nas carreiras de jovens com potencial inovador, claramente não será possível vencer os desafios da nova era. O apoio a museus, exposições interativas e atividades curriculares que estimulem a curiosidade e perspectivem uma carreira de exploração científica são também imprescindíveis para aguçar o espírito inovativo.

A cumplicidade da imprensa nesse empreendimento é essencial. Um exemplo que vale recordar, de Portugal, é o concurso Ciência Viva que leva jovens em idade universitária a instituições de pesquisa como o Centro Espacial Europeu e o carinho que esse tipo de iniciativas desfruta na mídia local [ver 3]. Quantas vezes esse carinho é dedicado pela grande mídia brasileira a programas de interação entre jovens e pesquisadores em grandes centros de ciência no Brasil. O que ficou por exemplo da expedição espacial brasileira, divulgada no meio de várias polêmicas que apenas realçaram o seu lado negativo? Quantos jovens terão ficado inspirados pelos textos escritos e lidos na imprensa, naquele ano de 2006? Muitos terão ficado maravilhados com o feito do astronauta Pontes, mas com certeza não através da contribuição de muita da imprensa escrita.

É necessário um novo ambiente na nossa sociedade que acarinhe a boa ciência e a tecnologia realmente inovadoras. As grandes questões do nosso tempo e do nosso futuro deveriam dominar a mídia, de forma mais inspiradora e menos conspiradora, constituindo um verdadeiro ideal de nação e de mundo. Infelizmente, tanto por culpa da imprensa como de nossos líderes, grandes questões são abordadas de forma burocrática e desestruturada, não permitindo ao público ter uma noção de rumo. Um bom exemplo é a autossatisfação da nação brasileira com a autossuficiência no abastecimento de petróleo e a liderança mundial na produção de biocombustíveis. Se esses feitos da tecnologia brasileira são sem dúvida invejáveis, parece faltar alguém que pergunte: biocombustíveis para hoje, e o que para daqui a 20-50 anos? Poucos alertam para o caráter paliativo desses feitos pois nem os combustíveis fósseis nem os biocombustiveis são sustentáveis a longo prazo para suprir o consumo brasileiro e mundial.

Parafraseando Obama, convoquemos o sol, a terra e o vento para garantir a nossa sobrevivência, mas é bom ter cuidado com a terra pois apenas o sol e o vento são absolutamente renováveis. E o uso destes depende absolutamente de indivíduos inovadores inspirados e motivados por sociedades estimulantes. A desculpa de que o Brasil é um país ainda emergente, afogado em problemas civilizacionais muito mais básicos, não será suficiente para explicar às próximas gerações por que motivo o país não foi protagonista nas grandes revoluções do século XXI. Esperemos que não seja por falta das palavras: “Sim, nós podemos” mudar o Brasil e o mundo! Rumo a um porto seguro que sirva de base para explorar outros destinos.


1. Tradução própria de extrato do discurso de posse do presidente dos Estados Unidos da América Barack H. Obama, em 20 de Janeiro de 2009.
2. Estrin, Judy (2008). Closing the Innovation Gap: Reigniting the spark of creativity in a global economy. McGraw-Hill, 300p. [
http://www.theinnovationgap.com/]
3. Teresa Firmino (2006). Concurso do Ciência Viva: Desafios de física levaram duas alunas a centro de testes de satélites. Jornal Público, Quinta-feira 16 de Março de 2006. Matéria completa reproduzida no blog
Ciência e Ideias.

Texto de candidatura ao Curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo científico do Labjor-UNICAMP.

2 comentários:

Antonio B Duarte Jr disse...

Feliz Ano Novo ! Agradeço por nos deixar artigos de ótima qualidade e informações valiosas em seu Blog. Antonio B Duarte Jr. - Diretor do Curso de Analista de Suporte Técnico da Arth Informática.

ccccaio disse...

ahaha sou fã do seu blog :P
fiz um também a poucos dias é http://umpoucodaciencia.blogspot.com
da uma olhada depois, sua opinião é muito importante também :p