18 fevereiro 2007

Onde está Monbiot?

Tell people something they know already and they will thank you for it.
Tell them something new and they will hate you for it.

George Monbiot


Tenho verificado ultimamente que as afirmações acima são largamente verdadeiras. Elas servem para introduzir George Monbiot, britânico, activista, ambientalista, jornalista e professor universitário. Venho seguindo a sua coluna semanal do The Guardian, desde que li “Manifesto for a new world order” (The New Press, 2003). Os seus textos são admiráveis pela riqueza e clareza informativas, de fontes diversas, compondo artigos de opinião bem fundamentados que considero exemplos do tipo de jornalismo reflexivo que me interessa ler e ouvir. Podem ser lidos aqui.

Acabo de ler “Heat: how to stop the planet burning”, (Penguin Books, 2006) o mais recente livro de Monbiot sobre o que podemos e devemos fazer para evitar as consequências mais catastróficas do aquecimento global.

Hoje, após anos de dúvida e negação, parece consensual que o aquecimento global por ação humana é um fato real e mensurável. Mesmo alguém muito distraído terá notado a reverberação pela imprensa do último relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), que pode ser consultado aqui.


Heat
é um manifesto para a mudança baseado numa pesquisa bibliográfica sólida. A pesquisa mais recente sugere que se a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera se mantiver nos níveis atuais, a temperatura global aumentará cerca de 2 graus centígrados (relativamente ao séc.
XIX). Este é o limiar acima do qual se prevê a ruptura do equilíbrio nos grandes ecossistemas: em vez de absorver CO2, a moribunda floresta amazónica começará a libertar milhões de toneladas do composto. Longe dali, à medida que gelos imemoriais começarem a derreter, o solo libertará gases que aumentarão o efeito de estufa. As alterações climáticas terão entrado num processo de retro-alimentaçao positiva que conduzirá ao descontrolo do clima que hoje conhecemos.

Para evitá-lo, Monbiot afirma que devemos evitar que o aquecimento global ultrapasse aquele “limiar crítico”. É possível que já tenhamos ultrapassado o ponto de não retorno. Mas Monbiot escreve-nos “com um espítito otimista”.

E a ameaça é tão óbvia que não vale mais perder tempo combatendo os argumentos dos mais cépticos!

Após dois capítulos introdutórios, Monbiot começa a desenrolar aquele que é o primeiro e único documento, até ao momento, que avança propostas concretas sobre como mudar as nossas vidas para salvar o clima do planeta. Isto, sem esquecer os custos de tamanha tarefa, claro! Só por este motivo, já teria valido a pena ter lido o livro.

O que fazer então?

Necessitamos de uma redução global de 60% nas emissões para evitar atingir o limiar crítico. O que significa que, em média, as nações mais ricas terão de cortar as emissões em 90%. No Reino Unido, será necessário passar de 2.6 toneladas de CO2 emitidas anualmente per capita para 0.33 toneladas. Se à primeira vista parece impossível, Monbiot trata de convencer-nos que uma nação industrial de tamanho médio como o Reino Unido “pode ser descarbonizada e permanecer uma economia moderna ". Como? Primeiro, todos os cidadãos do planeta devem ter o mesmo direito a emitir de gases que produzem efeito de estufa, o que equivale a adotar um racionamento global per capita em conjunto com um mercado de emissões de carbono. Para tornar o sistema de racionamento realizável, os governos precisam investir pesadamente em infraestruturas energéticas alternativas. Isso significa redesenhar sistemas de transporte para nos curar da nossa (tóxico-)dependência do uso individualista do automóvel, promover a transição para sistemas de energia renovável e centrais de gás natural com tecnologias de captura e armazenamento de carbono, e uma nova rede de energia que permita aproveitar a energia produzida por turbinas eólicas instaladas nas plataformas continentais marinhas e energia solar produzida no... Sahara! Monbiot explica-nos como tudo isto será tecnologicamente e economicamente possível, desde que os governos estejam dispostos a fazer a sua parte. Mas não existem governos sem seus eleitores. NÓS!

Além de alterações na matriz energética, é preciso melhorar a eficiência do uso da energia a vários níveis. Uma área com grande espaço para ganhos de eficiência é a da construção de edifícios e habitações. Quem já não ouviu falar de edifícios inteligentes? Pois é necessário investir para os construir e Monbiot faz propostas concretas que mais uma vez se aplicam ao Reino Unido, onde a demanda de energia residencial entre 1990 e 2003 subiu mais do dobro da média nacional. Monbiot apresenta soluções engenhosas para cortar as emissões de carbono, mas preservando, em grande parte, o confortável estilo de vida ocidental. Com a importante excepção de uma extravagância bem carbonada de que tanto gostamos: VOAR! Um vôo Nova Iorque–Londres produz mais gás com efeito de estufa por passageiro que a totalidade da quota anual individual do sistema de racionamento de emissões de carbono. "O crescimento na aviação e a necessidade de combater o aquecimento global não são compatíveis." Um corte nas emissões de 90% significa o fim das viagens para fazer compras em Nova Iorque ou safaris no Quénia. A alternativa é acreditarmos "que estas atividades se justificam apesar do sacrifício da biosfera e das vidas dos mais pobres". Sim, porque os primeiros que sofrerão com o aquecimento global (e já sofrem!) são as populações do Bangladesh ou de muitas regiões de África. Será que a fome e a guerra de etíopes e sudaneses valem o sacrifício do nosso confortável desperdício de energia?

O problema é que parece que vivemos num estado de negação da catástrofe que poderá um dia cair-nos em cima. Apesar de toda a informação que circula, quem se preocupa? Onde estão as grandes manifestações de ativistas? Monbiot afirma que a juventude, filha daquela que vivia em manifestações nos anos 70 e 80, vive hoje demasiado...endividada! Apesar disso Monbiot pretende acordar-nos e persuadir-nos de que vale a pena combater o aquecimento global. Ou, pelo menos, que “todos fiquemos de cama, de tão deprimidos, reduzindo assim o consumo de combustíveis fósseis".

Heat é ao mesmo tempo um “manifesto e um exercício intelectual”. Pela impressionante combinação de detalhes práticos e pensamento criativo, é um documento único e é o único documento do momento que pode servir de guia para a ação. Monbiot conclui que “é possível salvar a biosfera” mas temos de estar preparados para aceitar que limitar a nossa liberdade de poluir significa uma mudança nas nossas vidas.

Mas atenção, a receita de Monbiot não é diretamente transponível para países em desenvolvimento ou emergentes como o Brasil. Esses necessitam de encontrar as suas próprias soluções, com certeza baseadas nos princípios gerais encontrados em Heat. Onde está o Monbiot brasileiro?

Heat: leitura agradável e acessível ao público em geral. Obrigatório neste ano de 2007. Para ler, reflectir e AGIR, com coerência!


1 comentário:

João Carlos disse...

Sem dúvida Monbiot é um grande otimista. A cada dia fica mais evidente que já passamos do "point of no return" e que não se trata mais de uma questão do "se", mas uma questão de "quando" e "quanto".

Mesmo as mensagens alarmistas, tipo "The Day After Tomorrow", ainda apresentam um happy end totalmente irreal.

Não é mais uma questão de como se vai tampar os furos no casco do navio; é correr para os botes salva-vidas. E, como no "Titanic", já se sabe que não há vagas para todos...