14 maio 2006

Entrevistas...

Quando decidiu ser cientista?
Não decidi, optei por ciências exatas aos 15 anos e segui um caminho que me levou à investigação científica.

Foi uma decisão fácil?
Não, aquela opção foi apenas funcional e não existencial.

Quer explicar?
Para alguns, as opções que se fazem na vida parecem simples e as decisões surgem sem dificuldade, como se já tudo estivesse escrito. Aqui, a função que cada indivíduo exerce na comunidade não parece desligada da própria essência do indivíduo, o ser aproxima-se do estar. Para outros, a vida é sempre um mar de possibilidades a serem exploradas, pelo menos em tese. Se me perguntar que outras coisas pensava que gostaria de fazer aos 15 anos eu diria...coisas muito diversas! Mas havia um grande desejo de exploração de novas fronteiras associado à busca da luta por princípios éticos em que acreditava então, e que se mantiveram até hoje. Quando tive de decidir, segui apenas a minha intuição de que poderia encontrar o que procurava em qualquer área do conhecimento.

Mas ainda não percebi o funcional vs. existencial?
É simples, a minha atividade profissional é fazer investigação científica, mas não me considero um cientista, não vivo para a ciência como alguns colegas. A vida apresenta-me muitas outras dimensões que interessa explorar, que possibilitam uma maior versatilidade no uso da imaginação e da emoção.

Considera a hipótese de deixar de fazer ciência?
Para já não, adoro o que faço. Mas quero continuar a sentir que serei sempre livre de mudar...

O que o satisfaz na pesquisa científica?
O processo que conduz à possibilidade de falsificação de teorias estabelecidas e geralmente aceites.

Isso não é um problema?
É-o se você não aceita a ciência ou não compreende como ela funciona ou deveria funcionar.

Mas a ciência sempre funciona assim?
Claro que não! A possibilidade de falsificação surge com o sentido crítico. Muitos cientistas não buscam a falsificação mas sim a corroboração de teorias científicas. Outros não buscam a inovação nas abordagens. E é claro que depende muito da comunidade em que se está inserido. Muitos grupos de pesquisa incentivam a crítica e inovação, outros defendem o status quo. Mas, em última análise é ao indivíduo que cabe escolher o seu caminho e a sua ética científica.


Qual o enfoque da sua pesquisa?
Os processos e a dinâmica da distribuição e abundância de organismos, fenótipos e genótipos, no espaço e no tempo. De forma sucinta, biogeografia e evolução.


Você contribuiu para a falsificação de alguma teoria?
Não, mas isso não é um problema, pois trata-se na verdade de um estado mental e não de uma necessidade real de falsificação sempre que se faz ciência. O que importa é a consciência crítica... Mas sinto-me já feliz se puder dar alguma pequena contribuição para perspectivas alternativas sobre determinados fenómenos. Repare que a pesquisa em biologia trabalha com sistemas complexos, onde cada vez mais é difícil aceitar grandes teorias unificadoras e, por conseguinte, buscar a sua falsificação de forma simplista.

A teoria da evolução não é uma delas?
A teoria sintética da evolução de Dobzhansky, Mayr et al. é geralmente aceite como unificadora da biologia, mas não é uma teoria acabada ou completa, até por ter deixado de fora algumas dimensões importantes do próprio processo evolutivo, como a epigenética ou o desenvolvimento embrionário. É uma teoria que continuará a ser construida com a quantidade de novo conhecimento que está hoje a ser gerada pela integração de áreas da biologia como a genética, genómica, ecologia e desenvolvimento.

Ecologia?
Sim, você não poderá ter a mínima noção de evolução organísmica se não estudar os organismos no contexto das interações do com o meio biofísico em que existem, e em que sobrevivem ou não.

Qual a sua visão sobre a era da genômica?
Está ainda na sua infância. A informação bruta que tem sido gerada supera em muito a nossa capacidade de a entender à luz de uma teoria reducionista e mecanicista de evolução. Basta ler obras recentes de Fox Keller ou Eva Jablonka para chegar a esta conclusão. Mas estou convicto que o nosso conhecimento será cada vaz mais completo sobre os mecanismos de funcionamento de genes no contexto de genomas, no contexto de funcionamento de organismos no contexto da sua ecologia. Mecanismos complexos portanto. A era do reducionismo acabou.

Você acha que é essa a ideia que o público tem da evolução?
É difícil saber exatamente, não tenho tido muito contato... Mas apostaria que a percepção do público sobre evolução reside em Darwin e pouco mais. Existe um problema geral de comunicação de ciência na sociedade, que talvez esteja associado à percepção que o mundo é muito mais complexo do que se pensava e à dificuldade dos cientistas em explicar sistemas complexos, dos comunicadores de ciência de processar a quantidade de informação gerada e, muitas vezes, do receio de induzir dúvida na opinião pública sobre o valor da ciência como meio de fazer sentido da vida.

Esse tema é interessante! Mas isso não é esperar demais da ciência?
Claro que sim. A ciência é apenas um dos pilares do conhecimento sobre os quais deve assentar o sentido que encontramos para a vida, individual e coletivamente.

Qual o principal desafio que se apresenta à ciencia como um todo e a sua relação com a sociedade?
À ciência, revelar o funcionamento de sistemas complexos em geral, à ciência-e-sociedade, juntar cientistas e leigos em espaços virtuais, comunicar interativamente, conhecer os desígnios preocupações de uns e outros, procurando construir um corpo de conhecimento mais abrangente, e que se possa tornar verdadeiramente coletivo.

Que espaços seriam esses?
Blog-fóruns e blog-portais, na internet.

Isso não é utópico?
Chame-lhe antes um grande desafio. Repare que as consequências do nosso fracasso momentâneo podem ser já visíveis nos avanços do misticismo e do obscurantismo, do autismo civilizacional.

Da religião?
Não! Falo de determinados segmentos da sociedade, religiosos ou não, que cultivam a ignorância sobre outras visões de mundo.

Mas isso não existe no mundo da ciência também?
É verdade e é preciso combater essas tendências que eu também apelidaria de autistas civilizacionais. Daí a necessidade de cultivar espaços de interação pública. Repare que não falo só de ciência e sociedade, refiro-me ao conhecimento com um todo, que deve servir de base à ação individual e coletiva. Por exemplo, esses espaços seriam importantes para a ação política também. Poderiam não só contribuir para a difusão, discussão, integração de conhecimento (arte, ciências exatas e humanas, política, etc), e sua democratização na internet, mas também espaços de formação política que faltam hoje na sociedade.

Você fala sério?
Seríssimo!

Mas como isso funcionaria?
Pela mobilização individual para a participação de fóruns coletivos, tendo como objetivo a formação de opinião pública informada e consciente, mais livre e talvez menos sujeita a manipulações por entidades de índole corporativa. Aliás, perdoe-me a divagação, pensando agora no início da nossa conversa, é a isso que associo a atividade científica, à liberdade de questionar e olhar o mundo de diversas perspectivas, de conhecer da realidade que nos cerca e, decidir se esse conhecimento, associado a outros, nos permite estender a capacidade de livre arbítrio na nossa ação consciente sobre o mundo.

Finalmente! a resposta à minha primeira pergunta!
É, como vê também não gosto de conversar de forma "reducionista".

Brindemos então a essa sua consCIÊNCIA! E à mobilização para uma verdadeira cidadania! Você acha mesmo possível?
Acho! O primeiro passo é levantar a nossa blogbunda da cadeira e ir viver um pouco a vida. Você já reparou que existe um mundo lá fora?

Pois é...que coisa! Me desculpe, qual o seu nome mesmo?
Isso interessa?

É, tem razão...talvez não. Agora fiquei um pouco confuso.
É, está na hora...

...da vossa injeção oral, meus senhores!
Saúde!
Saúde!


Excerto da série Entrevistas... do periódico Anais do Hospício da Ciência, 2005.

1 comentário:

Anónimo disse...

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