17 agosto 2006

É possível fazer bom jornalismo de ciência?

O tempo anda escasso, mas a roda tem que girar! E essa pergunta anda como pedra no sapato, queria recolher opiniões sobre ela.

Não tenho dúvidas quanto à importância de se divulgar ciência para o grande público. É muito comum as pessoas, ao saber o que faço (agora jornalismo de ciência, mas era igual quando fazia pesquisa em biologia), me fazerem alguma pergunta sobre uma profunda curiosidade. Algo que viram, algo que pensaram, algo que leram e deixou uma pulga atrás da orelha. As pessoas querem sim saber sobre ciência.

Este ano assisti a uma palestra do biólogo (aposentado) da USP José Mariano Amabis, que falou lindamente (como sempre faz) sobre "O papel do biólogo na educação científica da população". Ele citou Jacob Bronowski, no livro Ciência e valores humanos (1979, Editora Itatiaia): "Qualquer pessoa que abdique do interesse [pela ciência] caminha de olhos abertos para a escravatura".

Segundo Amabis, o biólogo tem papel fundamental em dar acesso ao conhecimento científico e derrubar estereótipos falsos sobre o funcionamento da ciência e sobre a imagem do cientista. Esse papel é desempenhado sobretudo por professores do ensino médio e fundamental. Ele mencionou três ganhadores do prêmio Nobel - Arthur Kornberg (medicina em 1959), Paul Berg (química em 1980) e Jerome Karle (química em 1985), que tinham um ponto comum em sua biografia: uma professora no colégio secundário!

Fora da escola, muito da transmissão do conhecimento científico se dá através de jornais, revistas e televisão. O papel fundamental aí é do jornalista de ciência, seja qual for sua formação.

A meu ver, a formação não é o que mais importa. A maior parte dos jornalistas de ciência em atividade no Brasil se formaram em jornalismo. Por interesse ou circunstâncias, foram atrás de cursos ou leituras para obter embasamento que permitisse escrever sobre ciência. Hoje em dia há cursos de especialização em jornalismo científico, que acolhem pessoas com as formações mais diversas para produzir profissionais capazes de divulgar ciência. Eu acabo de terminar o curso do Labjor, na Unicamp, onde comecei a aprender essa nova profissão. Ainda há muito a aprender, como sempre na vida.

Mas o que é um bom jornalista de ciência? A meu ver, um bom texto é aquele em que a gente bate o olho e precisa ler, os olhos correm e a mente devora aquela informação; que traz idéias e fatos que acrescentem algo ao conhecimento do leitor; que faz o leitor pensar, ter idéias, questionar; com conteúdo equilibrado entre os diversos lados de uma questão. Com certeza pensarei em outros aspectos, mas estes são os que me ocorrem como mais essenciais.

Agora, quantas vezes a gente lê um texto assim? É mais freqüente sermos atraídos pelo título e depois ver no corpo do texto que não era bem assim; ou pior ainda, ir atrás do artigo original e perceber que a mensagem principal foi alterada,
de uma forma ou doutra; ou não passar da terceira linha.

E fico pensando nos erros que eu mesma fatalmente cometi e cometerei. Me entusiasmar por um aspecto da pesquisa e não enxergar o todo; ser convencida por um pesquisador persuasivo e não ver que a discussão envolve outros lados, quem sabe mais corretos; dar mais ênfase do que deveria a algo. Por aí vai. Tá, todo mundo erra. O Marcelo Leite é um dos jornalistas de ciência mais competentes do Brasil, e vez e outra estou eu (e outros) lá no blogue dele protestando porque acho que ele escreveu algo incorreto. Como fazer?

Os blogues têm essa vantagem de permitir a participação de outros, leigos e especialistas. Por isso acredito que tenham um valor imenso em divulgação de ciência - é um espaço onde podemos aprender uns com os outros, e onde leigos vêem através das discussões que não há necessariamente uma verdade única em ciência. Que o conhecimento avança às custas de muitas discussões, de erros e de busca incessante.

Mas não basta. Os leitores de blogues representam uma fração ínfima da população. E mesmo neles, é preciso escrever algo que tenha credibilidade, senão melhor calar-se. Ser bióloga me dá a vantagem de entender com mais facilidade o que leio ou escuto de pesquisadores, dentro da minha área. Por outro lado, quando conheço o tema é difícil não ter opinião - o que pode me levar a ser parcial quando não deveria.

Todos os dias aprendo e busco me aproximar de um bom trabalho. Tenho que acreditar que é possível fazer um bom jornalismo de ciência. Mas tem dias em que o caminho parece tão pedregoso!

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