03 julho 2006

O texto aí em baixo ficou longo (à la Osame, como digo) e árido, sem foto. Ilustro então a biodiversidade brasileira com esta linda foto de Fernando de Noronha, por Nestor Castellán.

01 julho 2006

Pesquisa versus proteção da natureza?

Já falei antes sobre a legislação anti-biopirataria, que acaba coibindo a pesquisa neste país. O tema é inesgotável, haverá sempre reclamações de lado e outro, novidades ou falta delas.

O resumo da história é que muitos pesquisadores se queixam de que a legislação que supostamente protege a natureza na verdade impede que se aprenda sobre ela. Na sessão de encerramento do III Congresso Brasileiro de Mastozoologia (estudo dos mamíferos), no ano passado, Rui Cerqueira (UFRJ) lamentou que no Brasil o zoólogo pode ir preso por fazer o seu trabalho. Segundo ele, nunca antes houve tanta perseguição aos cientistas.

Os cientistas brasileiros alegam que a burocracia é tão imensa que muitas vezes é mais possível estudar outra coisa, ou a natureza (menos rica) de outras paragens. Enquanto isso, lamentam, o desmatamento continua avançando porque os que trabalham na ilegalidade não pedem permissão, não têm endereço universitário nem fixo, portanto são mais difíceis de se capturar.

Escrevi outra notícia na ComCiência porque queria entender se a legislação é mesmo intransponível, e o que pode ser feito. Acho que não cheguei nem perto de entender todas as etapas necessárias para se obter licenças de coleta, pesquisa e envio de material biológico. Mas parece ser quase consenso que a lei precisa ser modificada para agilizar a pesquisa científica. Pelo menos é o que me pareceu ao conversar com Eduardo Vélez, diretor do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio ambiente.

Segundo Vélez o Ibama está em busca dessas alterações, mas outras propostas de lei criminalizam ainda mais o pesquisador. Resta saber qual proposta será favorecida no congresso. Quem se interessa pelo assunto, é bom ficar de olho nos próximos meses.

Leia aqui a notícia que saiu ontem na ComCiência.


Para escrever a notícia, tive conversas muito interessantes com alguns pesquisadores e com Eduardo Vélez, do Ministério do Meio Ambiente. Algumas conversas foram por telefone, outras por e-mail. Recebi respostas muito completas do entomólogo Olaf Mielke, da Universidade Federal do Paraná. Vou copiar aqui (com a permissão do pesquisador) a entrevista na íntegra - não porque eu queira favorecer suas opiniões, mas é o que tenho de mais completo já escrito. Quem quiser pode me mandar outras opiniões, via comentários ou e-mail, que publicarei.

ComCiência - Qual a sua opinião sobre a legislação que regulamenta coleta e envio de material biológico?
Olaf Mielke - Não sou contra uma legislação e até pode existir, no entanto, no mínimo ela tem que ser exequível para poder ser cumprida. A obtenção de uma licença ou autorização não deveria ser difícil e demorada, como temos várias experiências. Não faltam notícias na demora e da falta de resposta por parte do IBAMA para solicitações de licenças ou autorizações, razão de muitos trabalhos ou até mesmo teses com compromisso de término estipulado pelo governo brasileiro, não terem sido concluídos. O problema é que os funcionários do IBAMA não têm conhecimento científico para emitir licença: ciência é coisa de cientista que deseja descobrir coisas novas e por esta razão um funcionário, mesmo pós-graduado em área biológica, não tem, e nem poderia tê-la. Cada caso biológico é um caso. Se fosse fácil somente necessitaríamos de um só biólogo para responder a todas as perguntas!
A legislação foi introduzida pela Lei da Fauna 5.197 e adaptada pela Portaria 332/março 1990. Em primeiro lugar posso afirmar que a lei foi escrita pelo Dr. José Cândido de Melo Carvalho quando com ele trabalhava em projeto de comércio de asas de borboletas que ele queria combater, juntamente com o tráfico de outros animais superiores (araras, macacos, tartarugas, etc.). Esta é a razão de estar explícitamente escrito no artigo 19 a palavra "lepidópteros", ou seja, as borboletas e mariposas, embora logo a seguir diga "e outros insetos", onde as borboletas estão incluídas. O Dr. José Cândido, meu primeiro patrão, amigo e companheiro de algumas excursões às fazendas de seus familiares, nunca condenou a coleta, o transporte e a remessa de exemplares entre instituições brasileiras e internacionais, e pesquisadores autônomos e amadores. Ele mesmo fez isto durante toda a sua vida e como comprovante é só olhar a sua coleção particular que foi vendida ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. Infelizmente a lei foi redatada com bastante imprecisões. Por sua própria indicação orientei um sobrinho dele em organizar uma coleção de lepidópteros que até hoje está ativo. Assim o sendo, agora a lei passou a ser levada ao pé da letra o que faz com que toda a comunidade de biólogos esteja intranquila com o futuro de seu trabalho. A Portaria 332 elaborada por técnicos do IBAMA foi discutida, aprimorada e aprovada em congresso brasileiro de zoologia, realizado em fevereiro de 1990 em Londrina com cerca de 2000 zoólogos presentes; esta ai foi adequada e sempre atendeu às necessidades dos zóologos e biólogos em geral, pois que a maioria dos animais é invertebrado e para a sua coleta e transporte (este não mencionado, embora tenha que ser óbvio) para fins científicos e didáticos não havia necessidade de licença, ou autorização. Esta conclusão também se baseou na impossibilidade de o IBAMA conseguir atender o volume de prováveis solicitações de licenças ou autorizações.

ComCiência - É preciso traçar estratégias para inibir a biopirataria -- como fazer isso?
Olaf Mielke - Em primeiro lugar é necessário distinguir biopirataria de ciência, ou seja coletar, transportar e enviar material biológico para esta finalidade. Biopirataria: para mim se caracteriza quando alguém coleta material biológico para fins de produzir algum produto químico, genético, ou outro, visando lucros, ou seja, um produto farmaceutico, estético, etc., possuindo aspecto econômico. Para isto deveria ter uma regulamentação simples mas eficiente. O que está proposto é uma regulamentação "a priori", quando ainda não se conhece o resultado. Tenho a impressão que se fizermos uma legislação cujo cumprimento seja fácil e rápido, todas as pessoas ou empresas se submeteriam facilmente; até deveriam retornar alguma parte dos lucros, quem sabe ao CNPq para subsidiar pesquisas. Mas como está, é muito mais fácil apropriar-se de algum pouco material de uma forma não conveniente e depois dizer que o produto primário provém de algum país vizinho, e ficar com todo o lucro. Lembre-se que a Amazônia, onde está a tal biopirataria, não é só brasileira. Além do mais, quanto mais remédios surgiram para cuidar da nossa saúde, melhor. A biopirataria deve ser inibida, mas isto não justifica utilizar métodos que terminam com outras ciências. No caso da zoologia é muito fácil verificar se o animal é para fins científicos ou educacionais, ou comerciais. Outra estratégia para inibir a biopirataria é só fazer com que as instituições brasileiras, que devem conhecer os princípios biopirateados, os produzirem em escala industrial e disponibilizá-los comercialmente. Ai talvez não houvesse concorrência, pela desistência dos estrangeiros, e o Brasil ganharia dinheiro. Não estou muito familiarizado com os produtos biopirateados, no entanto, fala-se num produto da jararaca que noutro dia, em reportagem do Estado de São Paulo, foi esclarecido pelo próprio pesquisador brasileiro. Outras vezes são apreensões de aranhas carangejeiras; estas certamente são enviadas para pet-shops na Europa onde são vendidas para amantes da natureza que as mantém em casa, outros ainda são de insetos mortos destinados a colecionadores. Em qualquer feira de entomologia na Europa (e há dezenas por ano) se vende aranhas, escorpiões (não são insetos) e vários insetos vivos, ou mortos, de todas as partes do planeta para estas finalidades, contra a qual não se deve ter objeções e muito pelo contrário, até deveria ser estimulado no Brasil. Isto cria o interesse e o respeito pelo meio ambiente, tão necessário no Brasil. Não é a coleta que extermina com os invertebrados. Só para se ter uma idéia: na plantação de soja morrem 50 insetos por metro quadrado de inseticida aplicado. Quantos insetos morrem no Brasil por ano em plantação de soja? É só saber quantos metros quadrados são plantados e multiplicá-los por 50. E até hoje os insetos não terminaram.
Ciência: A coleta, transporte e remessa para fins científicos deveria continuar como está na Portaria 332, ou não ter legislação. Quando é para fora do país também deveria ser livre como sempre foi, pois as instituições remetentes mantém anotados em seus acervos o material enviado.
Finalidade educacional deve ser estimulada, e se for para fora do país poderia ser controlado de maneira simples (as delegacias regionais do IBAMA poderiam ter a prerrogativa da emissão da licença, com número controlado de animais por espécie por ano, ou algo assim), pois se for material vivo, ele certamente morrerá antes de a licença chegar do IBAMA central. Com uma legislação restritiva não vejo como continuar a ministrar aulas práticas nas universidades brasileiras; e só com aulas teóricas certamente não se atinge o objetivo programado. Sem o acesso ao material os cursos certamente perderiam o seu valor.

ComCiência - O que deveria ser modificado na legislação, do ponto de vista de facilitar a pesquisa científica?
Olaf Mielke - As leis em vigor, incluindo a dos Crimes Ambientais (9.605) são contraditórias; assim penso, deveria haver uma nova lei sobre tudo isto - se tiver que haver lei. Antes de mais nada, ciência é inovação e isto é de difícil regulamentação. Consequentemente o cientista ligado às instituições oficiais, ou seja, empregados pelos governos, deveriam ter a liberdade de trabalhar. Os casos reais de biopirataria documentados não deveriam inibir as demais ciências e não gerar esta paranóia toda. Há riscos em tudo na vida. Até durante o deslocamente de carro para o trabalho pode haver um acidente com morte, mas não é por isto que deva se eliminar o carro, ou o trabalho! Países do primeiro mundo não têm regulamentação para envio de exemplares de sua biota. Será que só o Brasil e mais alguns países do segundo mundo (Colômbia e ??) têm princípios ativos que poderiam gerar dinheiro?

ComCiência - Colaborações internacionais são necessárias? O trabalho não poderia, muitas vezes, ser feito aqui no Brasil (sem enviar material biológico para o exterior, portanto)?
Olaf Mielke - Aqui, ao contrário do que muitos burocratas pensam, ela é de fundamental importância para o biólogo. Antes de mais nada, qualquer ciência não pode ser local e exercida por uma só pessoa. Em todas as ciência há intercâmbio com colegas e colaboradores, e a biologia não deve ser diferente. Por exemplo: Em qualquer estudo biológico sempre se tende a comprovar a filogenia de um determinado grupo e isto só pode ser feito através do estudo dos exemplares, de qualquer lugar onde estejam. Num caso específico de lepidópteros: As espécies do gênero Celaenorrhinus têm uma distribuição geográfica pan-tropical, logo para estudá-las necessita-se de exemplares de todos os países onde as espécies ocorrem, ou nunca se conseguirá compreender a sua filogenia. Como isto também vale para pesquisadores de outros países, eles necesitam de exemplares brasileiros, logo uma permuta é conveniente. Sempre os entendimentos são bilaterais! Consequentemente o envio de material biológico tem que ser facilitado. Isto é um exemplo em estudo restrito, porém se deseja estudar a filogenia de uma família ou grupo maior, necessita-se de material de todo o grupo. A filogenia de Hesperiidae, uma família cosmopolita de lepidópteros, necessita, consequentemente, material de todas as partes. Logo intercâmbio é de extrema importância. Nestes casos também participam, além de colegas, os seus estudantes nos mais diversos níveis, e normalmente produzindo trabalhos publicados...
No caso da biologia, há mais exemplares brasileiros nos museus estrangeiros que nos brasileiros, uma vez que aqui nunca se deu muita importância à biologia, infelizmente isto ainda continua atualmente. Ao invés de se propor medidas saneadoras, acompanhadas com recursos financeiros, para estudar a biota brasileira, o que se vê de fato é um desestímulo ao seu estudo, manifestado pela falta de recursos e pela legislação complicadora. Muitos exemplares, ou mesmo, coleções biológicas brasileiras se perderam por falta de cuidado das instituições. No Museu Nacional, Rio de Janeiro, chuveu na coleção de lepidópteros, estragando centenas de exemplares valiosos; há outros exemplos.
Ainda mais, os tipos, ou seja, os exemplares sobre os quais se baseiam as descrições originais das espécies, estão quase todos em outros países. Isto se deu pelo fato de que aqui a zoologia só se iniciou no início do século passado, enquanto que o fundador da nomenclatura zoológica publicou o livro marco da zoologia em 1758 (na Suécia). Estes tipos jamais retornão ao Brasil, e também não necessitam voltar, pois depois de estudá-los e compará-los com exemplares em nossas coleções ele perde praticamente o seu enigma. É só o cientista brasileiro visitar o lugar onde estão depositados e ele resolve o seu problema.
O Brasil é um dos poucos países em que se deseja regular o acesso à sua biodiversidade; nos USA não há regulamentação, na Alemanha há, mas devido à conclusão de sua desnecessidade não é mais aplicada, outros países desenvolvidos também são assim. No caso de lepidópteros tenho conhecimento de que nos USA há alguns milhares de pesquisadores autônomos e amadores, na Bélgica e na Espanha há sociedades lepidopterológicas em que o Rei é o patrono. Nos USA e em toda a Europa há talvez centenas de sociedades entomológicas que congregam pesquisadores profissionais, autônomos e amadores, inclusive publicando as suas prórias revistas.
Concluindo: Uma opinião conclusiva é difícil, no entanto, se tiver que haver uma legislação, então que seja de aplicação fácil e rápida. Não é o cientista profissional, autônomo ou amador o responsável pela saida de produtos economicamente válidos, pois estes nem os conhecem. Pelo simples fato de não se conhecer, não se pode proibir de os biólogos trabalharem, ainda mais que o próprio governo brasileiro diz desejar conhecer a sua biodiversidade. Se assim o for, terá que permitir aplicar os métodos científicos aplicados internacionalmente. O Brasil não é uma ilha no planeta.

22 junho 2006

Quem acredita em acupuntura?


Esta notinha é em homenagem ao meu professor
Marcelo Knobel, que alertou os alunos do Curso de Especialização em Jornalismo Científico do Labjor (Unicamp) a desconfiar da pseudociência - conhecimento aparentemente científico, mas não testado conforme manda a ciência.

Pois a tal pseudociência, como a acupuntura, acaba aparecendo até em periódicos sérios. Neste caso, a conceituada revista científica norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, ou PNAS. Em 1998, uma equipe composta de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine e de algumas instituições coreanas usou ressonância magnética para enxergar o efeito de estimulação de pontos de acupuntura (acupontos) na atividade do córtex cerebral. Eles demonstraram que havia uma correlação específica, que não havia sido comprovada até então. O artigo completo pode ser encontrado aqui.


Mas agora, oito anos depois, alguns pesquisadores do grupo mudaram de idéia. Fizeram estudos mais aprofundados e concluíram que não há especificidade dos acupontos, pelo menos no que diz respeito a dor e analgesia. A retração do artigo original entrou ontem no site da PNAS. É interessante notar que somente os autores com nomes coreanos (mesmo que radicados nos Estados Unidos) concordam com retirar as conclusões de 1998. O que isso quer dizer, não sei.

21 junho 2006

Amazônia para crianças

Vai aqui uma sugestão de leitura para quem tem filhos pequenos - ou simplesmente gosta de belos livros. O cipó branco, de Florence Breton, foi publicado pela Companhia das Letrinhas (setor infantil da Companhia das Letras) em abril, mas na época esqueci de pôr um aviso aqui.

O livro conta as aventuras do tamanduá-mirim Neniq, que vive na Amazônia e um dia segue um cipó branco pelas árvores acima. As ilustrações são lindíssimas, um deleite mesmo.

Depois da história, o livro tem uma parte didática. Com os mesmos desenhos deslumbrantes e texto gostoso, Florence Breton leva o leitor num passeio pelas camadas da floresta - desde o chão até a copa das árvores mais altas. No caminho mostra as características de cada estrato e alguns animais que ali vivem.

Para que fosse o mais correto possível em termos biológicos, o livro passou por uma revisão técnica - que foi a minha contribuição.

14 junho 2006

Prêmios para publicar na Nature

Na edição da Nature desta semana vem uma nota fascinante sobre uma prática em crescimento em alguns países asiáticos: prêmios em dinheiro para quem publica nas revistas mais cotadas, como a Science e a própria Nature.

Segundo o artigo, a partir do fim deste mês pesquisadores sul-coreanos receberão um bônus de 3 mil dólares para cada artigo publicado em periódicos de elite. Na China, esse valor pode chegar a dez vezes mais. No Paquistão pesquisadores podem receber entre mil e 20 mil dólares, de acordo com o fator de impacto acumulado em um ano para suas publicações.

Alguns defendem a iniciativa, que seria uma forma de premiar a excelência acadêmica. Mas de forma geral a Nature apresenta argumentos contrários à prática, que estimula a competitividade acirrada e a busca por publicar a qualquer preço, e deixam a ética científica e acadêmica de lado.

Será que isso pode levar à publicação de ciência de pior qualidade? Com certeza vai exigir ainda mais dos revisores, para impedir que aconteça.

Não posso deixar de lembrar do texto da Suzana aqui neste blogue, no dia 13 de fevereiro deste ano: "Seleção natural no meio acadêmico: que vença o pior?". É o caso de parar e pensar...

10 junho 2006

Viajantes pelo Brasil


No ar novo número da ComCiência, este mês com o tema "Cronistas e viajantes". Coube a mim investigar a viagem de Martius, que até hoje tem enorme influência na botânica brasileira. O resultado está na reportagem "Von Martius: viajante-naturalista-historiador", em parceria com Mariella Oliveira.
Quem tiver interesse no assunto, recomendo vivamente a leitura do relato de Spix e Martius, Viagem pelo Brasil. As descrições são deliciosas!

09 junho 2006

Saparia


A diversidade de sapos e afins na Mata Atlântica é imensa e cheia de surpresas. Veja reportagem minha na revista Pesquisa Fapesp.
A primeira foto, de Hypsiboas bischoffi, saiu com crédito errado - é do João Alexandrino.

08 junho 2006

Revisão por pares via blogue!?!


A prestigiosa revista Nature acaba de apresentar uma forma inovadora de avaliar os artigos submetidos para publicação: expô-los a escrutínio público num blogue oficial.

A revisão por pares é a forma disseminada através da qual periódicos científicos avaliam os trabalhos submetidos para publicação. O artigo é enviado para dois ou três pesquisadores da área, com competência para avaliar sua qualidade. Em busca de isenção, procura-se cientistas que não tenham envolvimento direto com a pesquisa, nem inimizades notórias com o grupo postulante a publicação.

Mesmo assim, a validade do processo é muito discutida. Será mesmo possível alguma imparcialidade? Será melhor (ou possível) preservar o anonimato em ambos os sentidos (os avaliados não sabem quem são os avaliadores e vice-versa)? Ana Cláudia Lessinger recentemente comentou a questão em seu Via Gene. Há também um artigo interessante na PLoS Biology. As sugestões em geral não conseguem fugir muito do sistema já vigente. Como disse um amigo, o sistema de revisão por pares é péssimo, mas não inventaram nada melhor.

Até agora (?). Em seu número publicado hoje (vol. 441, n. 7094, p. 668), a revista Nature apresenta uma sugestão interessante. Autores que aceitarem participar do teste terão seus artigos expostos num site aberto no qual qualquer um poderá opinar, desde que assine seu comentário. Ao mesmo tempo, o trabalho será submetido ao processo normal de revisão por pares. Quando os revisores selecionados terminarem sua avaliação, os comentários obtidos no formato aberto serão levados em conta por editores e autores. O teste tem duração prevista de três meses, durante os quais a revista manterá um espaço para discussão online. A intenção não é substituir a revisão por pares, que a revista considera um bom sistema, mas acrescentar a ele.

Os artigos que participem do teste estarão abertos ao público, inclusive jornalistas, durante o processo de avaliação. Poderão portanto ser divulgados, mas o editorial alerta para os riscos de se divulgar resultados que ainda não foram validados por revisão.

Promete ser um exercício interessante, vale a pena ficar de olho.

06 junho 2006

Arca de Noé anfíbia


Uma nota rapidinha, li uma matéria no New York Times que não resisto a comentar.

O fungo quitrídio, ou Batrachochytrium dendrobatidis, vem causando rebuliço na comunidade sapófila (escrevi uma notícia sobre o assunto para a ComCiência em fevereiro, veja aqui). O fungo causa a quitridiomicose, que ataca regiões queratinizadas. Em adultos se aloja na pele, em girinos destrói os dentículos, que são estruturas de queratina.

Estudos na América Central mostram um cenário aterrador, as descrições parecem filme de terror. O quitrídio avança ao longo da cadeia montanhosa centroamericana, deixando atrás de si um tapete de sapos mortos. Espécies endêmicas, ou únicas daquela região, parecem correr sérios riscos de serem varridas da face da Terra.

Agora pesquisadores norte-americanos resolveram agir, e é o que conta a matéria do New York Times de hoje. Encheram suas malas de sapos, e embarcaram para os Estados Unidos. A reportagem descreve uma ação de resgate de emergência, sem grandes discussões de como esses bichos serão mantidos e qual o futuro que lhes aguarda. Vão construir um Panamá em miniatura em algum zoológico, e daqui a décadas compraremos passagens para Atlanta quando quisermos ver o paraíso tropical panamenho?

A questão é polêmica, vou deixá-la para especialistas.

P.S. O quitrídio já foi detectado em vários pontos do Brasil, mas até agora não há sombra da letalidade que causa em outros lugares.

31 maio 2006

Estratégias de pesquisa

No suplemento Mais da edição de domingo da Folha de São Paulo, Marcelo Leite fez um convite à leitura de A Controvérsia dos Transgênicos, de Hugh Lacey (Idéias & Letras). O texto desse convite pode ser lido no blog Ciência em Dia. Não li nenhum dos livros de Hugh Lacey mas consegui descobrir uma entrevista sobre o mesmo tema, que ele deu à revista Teoria e Debate, em 2001. Gostei e espero ter a oportunidade de ler um de seus livros em breve.

O problema de que trata Hugh Lacey é o da influência de valores sociais nas estratégias de pesquisa, ou seja nas abordagens (ângulos de observação e iluminação) que cientistas decidem adotar ao estudar determinados sistemas ou fenómenos. O tema é muito relevante e deve ser objeto de reflexão profunda na comunidade científica. Não é essa reflexão que procuro aqui e agora. Apenas aproveito para recordar um breve episódio da minha passagem pela Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Foi em novembro de 2003, por ocasião de uma visita de
Richard Lewontin à UC Berkeley para falar nas The Charles M. and Martha Hitchcock Lectures, palestras dirigidas essencialmente ao público leigo. No primeiro dia o tema de Lewontin foi Gene, Organism and Environment: Bad Metaphors and Good Biology. No segundo, como seria de esperar, The Concept of Race: The Confusion of Social and Biological Reality. Aconselho a que vejam os vídeos das palestras através do site da University of California Television.

Na segunda palestra, sobre o conceito de raça humana, Lewontin usou grande parte seu tempo mostrando evidências quantitativas da diversidade genética entre populações humanas. Evidências de estudos clássicos mostrando que a diversidade genética humana estaria principalmente distribuída entre indivíduos de populações dentro de grupos raciais (cerca de 85%) e não entre populações de diferentes raças. E que a pequena proporção de diferenças entre raças (cerca de 5%) teria sido essencialmente determinada por deriva genética em pequenos e isolados grupos populacionais. Por outro lado, a homogeneidade de frequências génicas nas populações humanas seria explicada pelas extensas migrações humanas, regionais e continentais. No entanto, estas evidências pareciam contrastar com a definição de grupos raciais, que seriam então resultado da nossa percepção superficial, skin deep, nas palavras de Lewontin.

Uma das suas conclusões é que as diferenças não poderiam ser explicadas apenas pela ação da seleção natural, como alguns tinham proposto. No final da palestra, Lewontin exemplifica com os problemas da explicação de diferenças da pigmentação da pele e cor e textura do cabelo através da ação da seleção natural. A explicação preferida de Lewontin seria a seleção sexual (na verdade, uma forma de seleção natural), de parceiros semelhantes da mesma população, que tenderia a favorecer certos alelos de genes determinantes do fenótipo naquela população. Não havia, contudo, evidências para apoiar qualquer hipótese. Um dos problemas é que os genes responsáveis pelos fenótipos da cor da pele nunca tinham sido encontrados, embora Lewontin acreditasse na sua existência, algures no genoma.

Cling! Nessa altura surge a questão na minha mente, provocativa, claro! Ali estava Lewontin falando sobre como as raças eram uma construção social, não uma realidade biológica. Mas havia algo curioso na forma como tinham sido apresentadas as evidências. Qual o motivo da minimização das diferenças entre as populações humanas, sendo esta atitude diametralmente oposta à abordagem normalmente seguida pelos biólogos da evolução, no estudo de espécies que não a humana? Em evolução, interessam-nos principalmente as diferenças entre populações e procuramos estudá-las o mais aprofundadamente possível. Por que parecia acontecer o oposto com o estudo da espécie humana, por exemplo, no caso da genética da cor da pele, que Lewontin desconhecia por completo?


Resolvi perguntar-lhe! Uma fila de interessados formava-se junto ao microfone disponibilizado para o efeito. Quando lá cheguei era o último da fila e, azar, chegada a minha vez, acabou o tempo. Resolvi perguntar mesmo assim. Abordei Lewontin logo que desceu do palco e perguntei:

— Você afirmou que a definição de raças humanas é uma construção social, como que uma vitória de valores sociais sobre a realidade biológica. Mas eu fiquei admirado com o pouco que se sabe sobre as características responsáveis pela percepção social de raça. Não acha que, neste caso, parece verificar-se o mesmo problema em sentido contrário, com valores sociais que negam o conceito de raça “impedindo” (por ser politicamente incorreto!) o avanço do conhecimento sobre a evolução daqueles fenótipos e da própria espécie humana?

Richard— Sei onde você quer chegar. Cada um escolhe aquilo que quer estudar, se é que você me entende [I know where you’re getting at. Each one chooses the things that’re worth studying, if you know what I mean] !

Deu uma cúmplice piscada de olho, e foi-se!

Fiquei surpreso pois não esperava a resposta. Esperava que me dissesse que até então tinha sido difícil encontrar genes responsáveis pela determinação da pigmentação da pele, pela complexidade genética dos fenótipos e/ou por limitações metodológicas.

Na época, tive a sorte de fazer pós-doutorado com David Wake e Craig Moritz, no Museum of Vertebrate Zoology, da University of California – Berkeley. No dia seguinte, tivemos uma reunião de laboratório com Richard Lewontin. Foi uma conversa interessante em que ele ficou admirado por ver ali um bando de pesquisadores trabalhando com uma grande diversidade de organismos (fungos, anfíbios, répteis, aves) enquanto ele havia devotado toda a sua pesquisa a um organismo-modelo, a mosquinha da fruta (Drosophila sp.). Nós estudávamos os organismos no seu meio, ele havia sempre estudado o seu organismo em frascos. Lewontin não fazia a mínima ideia da ecologia da mosquinha da fruta. Perguntei-me então como se podia chegar a saber algo sobre EVOLUÇÃO sem estudar os organismos no seu meio natural. Seria por isso que Lewontin parecia não mostrar tanta apreciação pela seleção natural como mecanismo promotor de evolução, sendo que esta não pode ser estudada em frascos? Mas não era ali a altura de fazer perguntas provocativas. Eramos muitos, e eu já tenho uma tendência natural a monopolizar debates! Fiquei calado. Depois comentei com David Wake o episódio do dia anterior e o meu pensamento sobre Lewontin. É bom esclarecer que Dave conhecia Lewontin (e também Gould) por serem da mesma geração e terem estado juntos na Universidade de Chicago, nos anos 60. Dave foi peremptório!

— Dick Lewontin, tal como Steve Gould, sempre foram cientistas com uma agenda política clara. São cientistas excelentes mas têm algumas visões empedernidas sobre algumas questões que eles acham importantes de acordo coma sua agenda marxista-leninista.

É conveniente que fique claro que Dave Wake é um homem com um pensamento político de esquerda moderada. Dave não tinha nada contra homens de esquerda, apenas algumas reservas relativamente ao pensamento radical, de esquerda ou de direita.

Minha curiosidade aguçada levou-me a procurar sobre o pouco que realmente se conhecia sobre genes ligados à expressão de fenótipos da cor da pele. Encontrei dois artigos recentes e enviei as referências a Lewontin. Afinal sempre havia algo! Não obtive resposta, claro. Hoje, com três anos volvidos, existe mais alguma informação sobre o tema, que tem sido explorado no âmbito da pesquisa sobre o câncer da pele. Podem encontrar uma revisão razoável sobre o assunto na Wikipédia.

Richard Lewontin é um dos grandes nomes da genética da evolução do século XX. Mas hoje, tal como durante alguns momentos da sua palestra, tenho dificuldade em ler e ouvir o seu discurso para o público leigo sem pensar na sua estratégia de abordagem. Mas vejam o que ele próprio diz numa excelente
entrevista que deu em 2003, em Berkeley.

...
No início dos idos anos de 90, tive um professor de genética que considerei o melhor professor de toda a minha graduação em Biologia. António Amorim tinha um excelente poder de comunicação, associando o interesse geral da cátedra à sua personalidade e aspecto irreverentes, quase revolucionários. Acontece que ele não acreditava na seleção natural como um dos motores da evolução. A teoria neutralista de Motoo Kimura bastava-lhe e chegou a escrever um pequeno livro em 2002, A espécie das origens - genomas, linhagens e recombinações, sobre como Darwin e os arquitetos da Nova Síntese estavam completamente enganados no seu programa adaptacionista. Para Amorim, a ideia da selecção natural é uma explicação mais ideológica do que científica, além de totalitária e circular. Quando iniciei depois a minha carreira de pesquisa, ainda não conseguia perceber como pretendia negar evidências, que me pareciam claras, já na altura, de que tanto fenómenos aleatórios (mutações neutrais, deriva genética) como seleção natural tinham o seu papel na explicação dos padrões de evolução. Não entendia a limitação paradigmática de António Amorim, mas muitos me diziam que a explicação eram as suas tendências marxistas-leninistas.

Quando falei com Lewontin, já estava melhor preparado para entender, quando ele me piscou o olho maroto, tive a certeza!

No meio do meu doutorado, após de uma discussão animada com o meu co-orientador holandês, percebi que tinha iniciado uma luta consciente contra a tentação do paradigma diretor, da perspectiva enganadora, do olhar míope, seja de esquerda ou de direita, vindo do céu ou do inferno. Por isso, também, vos mostrei a animação abaixo, que comentarei no momento próprio.

27 maio 2006

Abstração...



© Copyright 2002, Jim Loy

P.f., observem a animação acima durante 1 minuto. Se quiserem, partilhem sensações e ideias que a imagem possa ter suscitado. Após algum tempo, escreverei algo sobre o que imagem significa para mim.

25 maio 2006

A ciência fantástica da evolução humana

Experimentei reações diversas ao ler o artigo da Folha de São Paulo divulgando o estudo da revista científica Nature sobre fluxo génico (hibridização) entre as linhagens ancestrais humana e chimpanzé. Aqui está o resumo do artigo de Patterson et al. (Petal):

The genetic divergence time between two species varies substantially across the genome, conveying important information about the timing and process of speciation.

Here we develop a framework for studying this variation and apply it to about 20 million base pairs of aligned sequence from humans, chimpanzees, gorillas and more distantly related primates.

Human-chimpanzee genetic divergence varies from less than 84% to more than 147% of the average, a range of more than 4 million years. Our analysis also shows that human-chimpanzee speciation occurred less than 6.3 million years ago and probably more recently, conflicting with some interpretations of ancient fossils.

Most strikingly, chromosome X shows an extremely young genetic divergence time, close to the genome minimum along nearly its entire length.

These unexpected features would be explained if the human and chimpanzee lineages initially diverged, then later exchanged genes before separating permanently.


A primeira reação foi de desagrado pela forma como o artigo científico foi tratado pela imprensa, algo que foi já comentado abaixo pela Maria. Se quiserem ler um excelente artigo jornalístico sobre a matéria, leiam o de Carl Zimmer
aqui.

A segunda foi de curiosidade e interesse pela metodologia que teria sido usada no artigo.
Seguidamente, focarei o meu comentário apenas na parte científica, que me interessa particularmente. É um exercício de crítica do artigo, que procurei escrever de modo simples mas, por vezes, denso.

O modo de especiação é algo que tem interessado os biólogos da evolução desde Darwin tendo-se tornado um dos temas centrais da biologia evolutiva (e.g. Mayr 1963). O modo mais simples de especiação que pode ser imaginado envolveria uma separação única entre duas espécies instantaneamente formadas, com interrupção completa de fluxo génico. No entanto, é provável que este modelo seja demasiado simplista. A primeira violação ao modelo que podemos imaginar é um processo de isolamento entre sub-populações de uma espécie interrompido por episódios de fluxo génico (migração, hibridização), possíveis tão só até que seja atingido o isolamento reprodutivo entre as subpopulações, que se tornariam então espécies. Estes dois modelos alternativos permitem gerar previsões que podem ser usadas para testar alternativamente os modelos diante de dados reais sobre espécies de interesse (para mentes mais matemáticas e probabilísticas, aqui ficam algumas referências: Wakeley 1996; Nielsen & Wakeley 2001; Hey & Nielsen 2004).


Tento explicar de forma simples. Existindo um processo de especiação por isolamento com migração, podemos esperar um aumento da variância da divergência genética entre sequências de DNA de diversas porções do genoma das duas espécies. Isto é, comparando as sequências de dois genomas das duas espécies, esperariamos encontrar porções mais diferenciadas geneticamente e outras porções menos diferenciadas. Isto é intuitivo se pensarmos no que acontece com sequências de DNA em populações isoladas: de forma simplista, a tendência é acumularem mutações de forma independente, ao mesmo tempo que a deriva genética (para uma explicação didática do conceito, ler as colunas Deriva Genética de Sérgio Pena na revista Ciência Hoje online) e/ou seleção podem contribuir (embora nem sempre) para um aumento da diferenciação. Quando indivíduos de populações diferenciadas, mas ainda não isoladas reprodutivamente, se encontram e acasalam dá-se recombinação (mistura, embaralhamento) de porções dos dois genomas diferenciados. Após um ou vários eventos de recombinação entre genomas que eventualmente se especiam completamente, comparando os dois genomas destas duas novas espécies, esperariamos encontrar tanto regiões homólogas mais semelhantes entre as espécies como regiões mais diferenciadas entre as espécies, como resultado daquele processo de embaralhamento ao acaso de genomas ao longo do processo de diferenciação.

Pois são estas as premissas fundamentais para a primeira das sugestões que o artigo de Petal nos faz. Tendo observado uma ampla gama de valores de divergência genética entre diversas regiões dos genomas humano e chimpanzé, que correspondem a uma diferença de cerca de 4 milhões de anos para a datação da divergência entre formas ancestrais das duas linhagens, os autores propõem que a elevada variância seria explicada por pelo menos um evento de hibridização entre um ancestral da linhagem humana com um ancestral da linhagem chimpanzé.

[Hybridization] could explain the wide range of divergence times (more than 4 Myr): at some loci human and chimpanzee lineages share ancestry around initial separation, whereas at others the genetic ancestry is more recent at the time of hybridization.

Aqui reside um dos problemas desse artigo. É que os autores escolheram ignorar ao longo do artigo todo o efeito do tamanho da população ancestral que terá originado tanto humanos como chimpanzés – o nosso ancestral comum. E apresentam as suas razões na seguinte frase:

[Other studies] produced inconsistent estimates of ancient diversity owing to small data sizes, ignoring the effects of recurrent mutation, and simplifying assumptions about the demography of ancient populations.

Mas não deveriam nunca ter ignorado que os resultados observados por Petal seriam igualmente esperados como resultado de uma população de tamanho elevado, aí de 50.000-70.000 indivíduos, tal como é previsto em artigos publicados anteriormente, muitos dos quais não citados por Petal. John Hawks (antropólogo e geneticista, professor da Universidade de Madison) faz um comentário bem crítico sobre o artigo, que aconselho a ler no weblog
johnhawks.net.

Curiosamente, quase em simultâneo com o artigo de Petal, foi publicado um artigo de
Innan & Watanabe (IW) na edição de Maio da revista Molecular Biology and Evolution, com o seguinte resumo:

The coalescent process in the human-chimpanzee ancestral population is investigated using a model, which incorporates a certain time period of gene flow during the speciation process. a is a parameter to represent the degree and time of gene flow, and the model is identical to the null model with an instantaneous species split when a = infinity. A maximum likelihood (ML) method is developed to estimate a, and its power and reliability is investigated by coalescent simulations. The ML method is applied to nucleotide divergence data between human and chimpanzee. It is found that the null model with an instantaneous species split explains the data best, and no strong evidence for gene flow is detected. The result is discussed in the view of the mode of speciation. Another ML method is developed to estimate the male-female ratio (alpha) of mutation rate, in which the coalescent process in the ancestral population is taken into account.

A principal conclusão é que um modelo que pressupunha um período de diferenciação populacional com fluxo génico anterior ao processo de separação das linhagens é rejeitado a favor de um modelo de separação simples. Assim, sugere que a divergência genética entre humanos e chimpanzés é concordante com um modelo em que não teriam existido fenómenos importantes de isolamento (e hibridação) na população ancestral dos chumanos (uso aqui a expressão de John Hawks para designar o ancestral comum a chimpanzés e humanos).

A segunda observação que leva os autores a reforçar a hipótese de hibridação é a redução da divergência entre sequências do cromossoma X chumano, relativamente à divergência média entre cromossomas autossómicos. Os autores revelam que a hipótese de hibridação explicaria por exemplo a maior redução da divergência no caso chimpanzé-humano do que no caso rato-humano.

Mas ainda que assim tivesse sido (é possível!), a questão é se o resultado seria esperado de acordo com o que se sabe sobre e evolução do cromossoma X. Nos mamíferos, os machos apenas têm uma cópia do cromossoma X (as fêmeas têm duas cópias), o que reduz a população de cromossmas X a ¾ da população de cromossomas autossómicos (duas cópias nos machos e nas fêmeas). Como a chance de replicação equivale a chance de mutação, que é a base da diversificação genética entre espécies, desta redução no efetivo populacional do cromossoma X espera-se que resulte uma redução da sua divergência genética entre espécies aproximadamente proporcional, ou seja 75% da diversidade esperada nos cromossomas autossómicos.

Por outro lado, a taxa de replicação cromossómica nas linhas germinais feminina e masculina é distinta: a replicação nos machos (formação de gâmetas) é contínua enquanto as fêmeas nascem com um número fixo de gâmetas, que não será reposto por replicação ao longo da vida. Mais uma vez estas diferenças se refletem no efetivo populacional de gâmetas, que por sua vez determinam a chance de mutação (maior efetivo equivale a maior chance de mutação e a menor chance de deriva genética ou extinção). Muitos estudos se têm debruçado sobre esta questão designada como o viés mutacional macho-fêmea (o parâmetro alfa). Por outro lado, sabe-se que a replicação da linha germinal masculina dos primatas é 5-6 vezes superior à das fêmas (Hurst & Ellegreen 1998). Então os valores esperados de redução da diversidade entre cromossoma X e cromossomas autossómicos deveriam ter valores máximos daquela ordem de grandeza.

Se compararmos alguns dos valores reportados em estudos diversos temos:
alfa-Petal = 7
alfa-Petal (corrigido para a hipótese de divergência menor devido a hibridação) = 1.9
alfa-Innan&Watanabe = 2.7-4.4
alfa-outros = 5
alfa-rato-humano = 1.9-2.1

Podemos então concluir que existe uma grande variação em estimativas de alfa, sendo que os menores valores são obtidos na comparação rato-humano e através da correção efetuada por Petal. Vamos por partes:

i) seria esperado que alfa fosse menor na comparação rato-humano devido ao menor tempo geracional dos ratos relativamente aos humanos, que resultaria numa menor taxa de replicação nos machos e redução do viés alfa;
ii) a correção de Petal é efetuada para resolver o paradoxo inexistente da diferença de alfa na comparação rato-humano e chimpanzé-humano. Mas acontece que essa diferença seria esperada de acordo com previsões teóricas! Concluo então que a correção de Petal foi um exercício que seria lícito em si, mas nunca para legitimar apenas a hipótese preferida. Considero isto uma manipulação grosseira da análise com o objetivo de dirigir a discussão e conclusões do artigo.

Petal fazem ainda uma estimativa da redução da diversidade do cromossomo X na linha ancestral chumana por comparação por exemplo com a linha ancestral humana-gorila. É calculado então um parâmetro R que mede aquela redução, para o qual é esperado um valor próximo de 0.75. É apresentado um valor muito reduzido para o R-chumano (0-0.29) comparado com o R da linha ancestral humana-gorila (0.68-1.00). Para compreender a forma de cálculo de R tiver que penar, lendo as mais de 40 páginas das notas suplementares fornecidas online. Para concluir que, mais uma vez, há uma incoerência no cálculo da comparação chumana versus outros primatas: só para os chumanos se usa uma calibração fóssil enquanto para outras usam-se estimativas resultantes da análise de dados genómica. Se tivesse havido coerência, o valor chumano a comparar seria 0-0.62, cujo valor máximo se aproximaria mais do valor esperado.

No final, Petal afirmam que a única explicação para os resultados seria a ocorrência de seleção ao nível do cromossoma X. Mas isso não é nada de novo! O cromossoma X tem sido ligado a especiação em outros organismos por poder atuar como agente de infertilidade nos machos, resultando em incompatibilidade entre indivíduos de populações diferenciadas. Essa é exatamente a hipótese trabalhada por Petal. Mas a seleção não teria necessariamente de estar ligada a hibridação entre espécies, poderia ser um processo populacional em populações subdivididas, que não seriam nem chimpanzés nem humanas. Esta ocorrência de várias populações seria coerente com algumas evidências genéticas para uma população ancestral de tamanho elevado, tal como sugerido por artigos publicados anteriormente. Enfim, nada de novo a não ser pelo spin.

Resumindo, o artigo é interessante por discutir uma ideia que talvez não tivesse sido convenientemente explicitada anteriormente. Mas a ideia de Petal não provém de novas evidências, que não possibilitam decidir sobre hipóteses alternativas, provém antes da própria influência que a ideia exerceu na análise das evidências. Fiquei desanimado por os autores não desenvolverem testes de hipóteses, pelo que o artigo se torna essencialmente descritivo. Nesse sentido, o artigo é uma desilusão e não vale toda a cobertura midiática sensacionalista que lhe tem sido dedicada.

Após engolir 45 páginas de ciência fantástica, nada palatável, rogo-me o direito de uma sessão de paranóia crítica.
Aqui vai uma boa abertura para um artigo jornalístico:

Petal fazem incidir uma nova luz sobre a evolução humana, apesar das poucas novas evidências que apresentam, com excepção do seu peso em megabases de DNA.

E para me fazer feliz, em português:

Assim é a infância das ciências genómicas,
trocando o dólar pela megabase.
E com ela a Nature,
surfando nessa onda galopante,
novas luzes e nuances,
aproximando da arte a ciência complexa.
Cautela meus amigos cientistas e não cientistas,
para que a onda vos não engula a mente crítica.


E em inglês:

There goes the Petal,
windblown,
thrown,
by the grand master blower,
the wind.
To the vagaries of Nature,
spins and twists,
wishes of the grand master,
chance of all things,

serendipity.
Turn nature into a big mess,
only decypherable,
turning science into art!
…there goes Nature surfing the wave.


E em californiano:

J: Hey Dude! What's this guy talking about?
M: Oh, it's awfully euphemistical...
J: What do you mean?
M: He's just giving Nature the F... word.
J: F... awesome, Dude! Is it Simpsons' time yet?
Tivo: The Siiimmpsoonnnss!!!!



Referências...

Hey J, Nielsen R (2004) Multilocus methods for estimating population sizes, migration rates and divergence time, with applications to the divergence of Drosophila pseudoobscura and D. persimilis. Genetics 167, 747-760.

Hurst, L. D., and H. Ellegren. 1998. Sex biases in the mutation rate. Trends Genet. 14:446–452.

Innan H, Watanabe H. 2006. The effect of gene flow on the coalescent time in the human-chimpanzee ancestral population. Mol Biol Evol 23:1040-1047.

Mayr E (1963) Animal species and evolution. Belknap Press, Harvard.

Nielsen R, Wakeley J (2001) Distinguishing Migration From Isolation: A Markov Chain Monte Carlo Approach. Genetics 158, 885-896.

Taylor, J., Tyekucheva, S., Zody, M., Chiaromonte, F., Makova, K.D. Strong and Weak Male Mutation Bias at Different Sites in the Primate Genomes: Insights from the Human Chimpanzee Comparison. Mol Biol Evol 23, 565-573 (2006).

Wall JD. 2003. Estimating ancestral population sizes and divergence times. Genetics 163:395-404.

Wakeley J (1996) Distinguishing migration from isolation using the variance of pairwise differences. Theoretical Population Biology 49, 369-386.

22 maio 2006

Sensacionalismo prejudica compreensão de pensamento evolutivo

Na semana passada causou espécie a notícia de que humanos e chimpanzés teriam se acasalado após a separação das duas linhagens a partir de um ancestral comum.

O artigo científico, "Genetic evidence for complex speciation of humans and chimpanzees" [Evidências genéticas de especiação complexa entre humanos e chimpanzés], foi publicado na edição eletrônica da prestigiosa Nature no dia 17 deste mês. O trabalho, feito por pesquisadores da Universidade Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos, mostra que a separação entre as linhagens que deram origem ao que hoje são humanos e chimpanzés não aconteceu de uma vez. Isso quer dizer que há uns 5 ou 6 milhões de anos (a estimativa anterior era de 7 milhões), uma espécie deu origem a duas linhagens distintas mas ainda capazes de procriar entre si. Esses cruzamentos adiaram a separação entre as duas espécies, que ao longo dos milhões de anos que se seguiram acumularam diferenças e deram origem a humanos e chimpanzés.

A notícia veiculada pela news@nature, agência de divulgação que infelizmente também tem acesso restrito a assinantes, preserva certa cautela em seu título: "Chimpanzee and human ancestors may have interbred" [Ancestrais de humanos e chimpanzés podem ter cruzado entre si]. Infelizmente, as palavras que destaquei na tradução do título se perderam na mídia em língua portuguesa. A Folha de São Paulo de 18 de maio trouxe a notícia "Humano e símio se acasalavam, diz DNA"; o (bom) portal de ciência português Ciência Hoje (nada a ver com a xará brasileira) tropeçou ainda mais feio - "Homens e chimpanzés tiveram sexo já depois de terem começado separação" (ufa, este tem acesso liberado a internautas).

Vale a pena transcrever o início do texto da Folha:
"Humanos e chimpanzés normalmente não se consideram mutuamente atraentes em termos sexuais nem seriam capazes de ter filhotes férteis. Mas nem sempre foi assim entre os ancestrais evolutivos desses dois primatas." Tá, há uma nesga de cautela em mencionar que se trata dos ancestrais evolutivos dos dois primatas, mas o tom geral põe em dúvida as intenções da especialista em chimpanzés Jane Goodall na foto acima (emprestada de www.theoaklandpress.com). Principalmente quando a matéria cita o paleontólogo Dan Lieberman, que teria dito que "Meu problema é imaginar um hominídeo e um chimpanzé olhando um para o outro como parceiros adequados - para não ser muito grosso".

Não se trata de grossura, mas de ignorância. O antropólogo talvez tenha achado a brincadeira tão óbvia que se permitiu a piada. Mas a questão é séria, porque reforça uma visão fixista da vida, que remete mais a criacionismo do que a evolução: a idéia de que os seres vivos já surgiram idênticos ao que são hoje. Que fique bem claro: os tais ancestrais de humanos e chimpanzés eram muito pouco parecidos com a Jane Goodall e seu amigo da foto - foram precisos milhões de anos após terem atingido isolamento reprodutivo para que as duas espécies chegassem às aparências atuais. Eles eram na verdade muito semelhantes entre si - o suficiente, sim, para olhar um para o outro e ver um parceiro sexual desejável.

20 maio 2006

H.N.

Ao contrário do que muitos possam pensar, ela não nasceu privilegiada. Como é característico a todo recém-nascido, sua formação se deu, basicamente, através da observação.

A curiosidade infinita de todos que a ela se dedicaram concluiu que o mundo era finito (ao alcance de sua visão); acima dele estaria Deus (o criador de tudo e de todos) e abaixo (no centro da terra), o Inferno (tal qual descreveria mais tarde Dante Alighieri) – o que ia ao encontro de todas as estórias e lendas que há muito se ouviam passar por gerações.

O homem e, conseqüentemente, a Terra, eram o centro do Universo. Tudo era composto por 4 elementos fundamentais: ar, fogo, água e terra – dependendo da proporção da composição, o elemento primordial resultante faria com que o objeto tivesse um movimento ascendente ou descendente em relação à Terra.

À medida que ela foi crescendo, começou a falar! – atualmente, não imaginamos como isso possa ter sido um problema, mas foi, e dos grandes...

Naquela época não existia o papel ou correlatos (mesmo a pele de carneiro era muito pouco divulgada e o papiro não tinha sido amplamente divulgado; mais escassos ainda aqueles que dominavam algum tipo de escrita).

Assim, a divulgação se dava através da comunicação oral, que era extremamente diversificada em sítios muito próximos (povos a cerca de 20 km se expressavam por dialetos completamente diferentes).

Então, aconteceu um fato, que poucos se deram conta, nossa protagonista teve que se tornar essencialmente urbana!

Sim, as cidades precisaram estar constituídas, para que as pessoas, pelo menos falassem a mesma “língua” e tivessem os mesmos interesses (ou curiosidades), para que nossa protagonista se desenvolvesse.

Conseguiram, então, partir para um novo momento, confrontando idéias e debatendo pontos de vistas. Foi assim que, literalmente, o mundo “virou”!

Quando as experiências passaram a utilizar instrumentos, tudo foi potencializado, principalmente a curiosidade e as hipóteses daí advindas: mas foi com a luneta que a principal mudança começou.

Entendeu-se o Universo como infinito, o sol como centro da galáxia (até então, o Universo); e, todas as mudanças filosófico-culturais daí resultantes. Acreditem, foi uma reviravolta e tanto!

Aliás a prática de experiências era efervescente! Todos chamados à apresentação de uma nova descoberta ficavam maravilhados com as tentativas, quer resultassem positivas ou não.

Porém, como aplauso e vaidade são quase simultâneos...os desígnios iniciais foram alterados: a população, que participava ativamente da comprovação de uma dada experiência nova, foi simplesmente rechaçada; foram criadas sociedades, que passaram a disputar, entre si, não mais por servir à H.N., mas por prestígio (àquele, que também acaba resultando dos aplausos).

Muita, muita coisa se passou desde então. A H.N. cresceu, está madura, e ao ser registrada, recebeu a nova identificação: Ciência.

Agora ela chora, ao ver tantos cientistas éticos que não conseguem fundos para desenvolver seus trabalhos adequadamente; e, por tantos jornalistas, que sem entendê-la ao certo, generalizam a todos que lhe servem com alcunhas de “antiéticos” e “incompetentes”.

Pobre Ciência...

Texto de Silvia Cléa.

17 maio 2006

A física explica amplitude dos sentidos

Nossa capacidade de detectar uma ampla gama de estímulos não depende das características individuais das células do sistema sensorial. Ao contrário, ela parece ser explicada por características da interação entre esses neurônios. É o que dizem os físicos Osame Kinouchi e Mauro Copelli (blogue SemCiência) que, através de uma simulação em computador, acabam de deixar sua marca nos fundamentos da psicofísica.

O uso de modelos matemáticos para explicar fenômenos biológicos tende a ser visto com desconfiança, como demonstram os comentários de Marcelo Leite e de David Biello sobre o artigo de Kinouchi e Copelli. Eu mesma persisti nessa desconfiança até recentemente, quando me ocorreu que na verdade esses modelos têm muito em comum com grande parte da pesquisa científica. Por exemplo, hoje em dia não há quem duvide de que o código que nos compõe reside na informação genética. Mas é preciso ver o DNA para acreditar nisso? Enxergar o seu funcionamento, ver como ele dá origem a proteínas que por sua vez darão forma a muito do que somos? Esse conhecimento, hoje em dia sedimentado, dependeu de modelos. Embora estes não sejam matemáticos, o princípio é o mesmo: com base no que se observa, pesquisadores desenvolvem uma teoria para explicar um dado fenômeno. A teoria permite que se faça previsões, que enquanto se revelarem verdadeiras reforçam a teoria vigente. A tarefa do cientista é buscar situações em que as previsões não se comprovem; se não encontrarem, há grandes chances da teoria ser verdadeira. Simulações como a de Kinouchi e Copelli seguem os mesmos princípios.

Leia a notícia na revista ComCiência.

14 maio 2006

Entrevistas...

Quando decidiu ser cientista?
Não decidi, optei por ciências exatas aos 15 anos e segui um caminho que me levou à investigação científica.

Foi uma decisão fácil?
Não, aquela opção foi apenas funcional e não existencial.

Quer explicar?
Para alguns, as opções que se fazem na vida parecem simples e as decisões surgem sem dificuldade, como se já tudo estivesse escrito. Aqui, a função que cada indivíduo exerce na comunidade não parece desligada da própria essência do indivíduo, o ser aproxima-se do estar. Para outros, a vida é sempre um mar de possibilidades a serem exploradas, pelo menos em tese. Se me perguntar que outras coisas pensava que gostaria de fazer aos 15 anos eu diria...coisas muito diversas! Mas havia um grande desejo de exploração de novas fronteiras associado à busca da luta por princípios éticos em que acreditava então, e que se mantiveram até hoje. Quando tive de decidir, segui apenas a minha intuição de que poderia encontrar o que procurava em qualquer área do conhecimento.

Mas ainda não percebi o funcional vs. existencial?
É simples, a minha atividade profissional é fazer investigação científica, mas não me considero um cientista, não vivo para a ciência como alguns colegas. A vida apresenta-me muitas outras dimensões que interessa explorar, que possibilitam uma maior versatilidade no uso da imaginação e da emoção.

Considera a hipótese de deixar de fazer ciência?
Para já não, adoro o que faço. Mas quero continuar a sentir que serei sempre livre de mudar...

O que o satisfaz na pesquisa científica?
O processo que conduz à possibilidade de falsificação de teorias estabelecidas e geralmente aceites.

Isso não é um problema?
É-o se você não aceita a ciência ou não compreende como ela funciona ou deveria funcionar.

Mas a ciência sempre funciona assim?
Claro que não! A possibilidade de falsificação surge com o sentido crítico. Muitos cientistas não buscam a falsificação mas sim a corroboração de teorias científicas. Outros não buscam a inovação nas abordagens. E é claro que depende muito da comunidade em que se está inserido. Muitos grupos de pesquisa incentivam a crítica e inovação, outros defendem o status quo. Mas, em última análise é ao indivíduo que cabe escolher o seu caminho e a sua ética científica.


Qual o enfoque da sua pesquisa?
Os processos e a dinâmica da distribuição e abundância de organismos, fenótipos e genótipos, no espaço e no tempo. De forma sucinta, biogeografia e evolução.


Você contribuiu para a falsificação de alguma teoria?
Não, mas isso não é um problema, pois trata-se na verdade de um estado mental e não de uma necessidade real de falsificação sempre que se faz ciência. O que importa é a consciência crítica... Mas sinto-me já feliz se puder dar alguma pequena contribuição para perspectivas alternativas sobre determinados fenómenos. Repare que a pesquisa em biologia trabalha com sistemas complexos, onde cada vez mais é difícil aceitar grandes teorias unificadoras e, por conseguinte, buscar a sua falsificação de forma simplista.

A teoria da evolução não é uma delas?
A teoria sintética da evolução de Dobzhansky, Mayr et al. é geralmente aceite como unificadora da biologia, mas não é uma teoria acabada ou completa, até por ter deixado de fora algumas dimensões importantes do próprio processo evolutivo, como a epigenética ou o desenvolvimento embrionário. É uma teoria que continuará a ser construida com a quantidade de novo conhecimento que está hoje a ser gerada pela integração de áreas da biologia como a genética, genómica, ecologia e desenvolvimento.

Ecologia?
Sim, você não poderá ter a mínima noção de evolução organísmica se não estudar os organismos no contexto das interações do com o meio biofísico em que existem, e em que sobrevivem ou não.

Qual a sua visão sobre a era da genômica?
Está ainda na sua infância. A informação bruta que tem sido gerada supera em muito a nossa capacidade de a entender à luz de uma teoria reducionista e mecanicista de evolução. Basta ler obras recentes de Fox Keller ou Eva Jablonka para chegar a esta conclusão. Mas estou convicto que o nosso conhecimento será cada vaz mais completo sobre os mecanismos de funcionamento de genes no contexto de genomas, no contexto de funcionamento de organismos no contexto da sua ecologia. Mecanismos complexos portanto. A era do reducionismo acabou.

Você acha que é essa a ideia que o público tem da evolução?
É difícil saber exatamente, não tenho tido muito contato... Mas apostaria que a percepção do público sobre evolução reside em Darwin e pouco mais. Existe um problema geral de comunicação de ciência na sociedade, que talvez esteja associado à percepção que o mundo é muito mais complexo do que se pensava e à dificuldade dos cientistas em explicar sistemas complexos, dos comunicadores de ciência de processar a quantidade de informação gerada e, muitas vezes, do receio de induzir dúvida na opinião pública sobre o valor da ciência como meio de fazer sentido da vida.

Esse tema é interessante! Mas isso não é esperar demais da ciência?
Claro que sim. A ciência é apenas um dos pilares do conhecimento sobre os quais deve assentar o sentido que encontramos para a vida, individual e coletivamente.

Qual o principal desafio que se apresenta à ciencia como um todo e a sua relação com a sociedade?
À ciência, revelar o funcionamento de sistemas complexos em geral, à ciência-e-sociedade, juntar cientistas e leigos em espaços virtuais, comunicar interativamente, conhecer os desígnios preocupações de uns e outros, procurando construir um corpo de conhecimento mais abrangente, e que se possa tornar verdadeiramente coletivo.

Que espaços seriam esses?
Blog-fóruns e blog-portais, na internet.

Isso não é utópico?
Chame-lhe antes um grande desafio. Repare que as consequências do nosso fracasso momentâneo podem ser já visíveis nos avanços do misticismo e do obscurantismo, do autismo civilizacional.

Da religião?
Não! Falo de determinados segmentos da sociedade, religiosos ou não, que cultivam a ignorância sobre outras visões de mundo.

Mas isso não existe no mundo da ciência também?
É verdade e é preciso combater essas tendências que eu também apelidaria de autistas civilizacionais. Daí a necessidade de cultivar espaços de interação pública. Repare que não falo só de ciência e sociedade, refiro-me ao conhecimento com um todo, que deve servir de base à ação individual e coletiva. Por exemplo, esses espaços seriam importantes para a ação política também. Poderiam não só contribuir para a difusão, discussão, integração de conhecimento (arte, ciências exatas e humanas, política, etc), e sua democratização na internet, mas também espaços de formação política que faltam hoje na sociedade.

Você fala sério?
Seríssimo!

Mas como isso funcionaria?
Pela mobilização individual para a participação de fóruns coletivos, tendo como objetivo a formação de opinião pública informada e consciente, mais livre e talvez menos sujeita a manipulações por entidades de índole corporativa. Aliás, perdoe-me a divagação, pensando agora no início da nossa conversa, é a isso que associo a atividade científica, à liberdade de questionar e olhar o mundo de diversas perspectivas, de conhecer da realidade que nos cerca e, decidir se esse conhecimento, associado a outros, nos permite estender a capacidade de livre arbítrio na nossa ação consciente sobre o mundo.

Finalmente! a resposta à minha primeira pergunta!
É, como vê também não gosto de conversar de forma "reducionista".

Brindemos então a essa sua consCIÊNCIA! E à mobilização para uma verdadeira cidadania! Você acha mesmo possível?
Acho! O primeiro passo é levantar a nossa blogbunda da cadeira e ir viver um pouco a vida. Você já reparou que existe um mundo lá fora?

Pois é...que coisa! Me desculpe, qual o seu nome mesmo?
Isso interessa?

É, tem razão...talvez não. Agora fiquei um pouco confuso.
É, está na hora...

...da vossa injeção oral, meus senhores!
Saúde!
Saúde!


Excerto da série Entrevistas... do periódico Anais do Hospício da Ciência, 2005.

09 maio 2006

Pesquisadores ou biopiratas?

Quem acompanha a grande mídia talvez tenha a sensação de que os pesquisadores são os maiores responsáveis pela biopirataria no Brasil. Um pesquisador tenta levar mamíferos taxidermizados para o Museu Goeldi em Belém, quando a licença indicava que os espécimes deveriam ir para o Inpa em Manaus; outro põe no correio um pacote com invertebrados vermiformes, endereçados à Alemanha. São casos de coleta e envio de material biológico com documentação insuficiente, às vezes de má interpretação da legislação por parte dos pesquisadores ou dos fiscais.
Pesquisadores que trabalham com diversidade biológica se queixam da legislação, que impossibilitaria seu trabalho. É desse aspecto que trato em notícia publicada hoje na ComCiência.

06 maio 2006

Anfíbios sobrevivem às custas da pele da mãe


Uma equipe internacional de pesquisadores descreveu uma nova forma de cuidado parental para anfíbios. Algumas espécies de cecília (foto) produzem uma pele modificada da qual os filhotes se alimentam logo após saírem dos ovos. O artigo original, que saiu na Nature em 13 de abril, inclui entre seus co-autores os brasileiros Carlos Jared e Marta Antoniazzi, do Instituto Butantan. A foto foi cedida por Carlos Jared.
Leia minha notícia na ComCiência.

28 abril 2006

Há mais aves nos centros urbanos hoje?



Você já reparou se há na sua vizinhança uma maior abundância e diversidade de passarinhos e afins? Muita gente tem essa impressão, especialistas inclusive. Veja reportagem minha na revista Ciência e Cultura.

Aproveito para pôr aqui uma foto linda da minha amiga Silvia Cléa, que não pude pôr na revista. Os periquitos fazem a festa na varanda dela!

27 abril 2006

Meu avô


Tive hoje a emoção de publicar na ComCiência uma notícia sobre meu avô: "IBGE homenageia geógrafo que estabeleceu divisão do país em regiões".

Aqui, não resisto a ser mais pessoal e mostrar o Fábio de que me lembro - o vô Fábio. Na foto, com a vó Marina.

Saudades.

20 abril 2006

UE com gripe?

Portugal talvez seja o país menos bem preparado da Europa para enfrentar uma eventual pandemia de gripe das aves, de acordo com o estudo divulgado pela revista britânica The Lancet. Reproduzo abaixo texto da notícia da agência Lusa.

As autoridades de saúde lusitanas alegam que o estudo está desfasado e que estamos preparados. E para a Copa, também!?

Não me admiraria que as duas afirmações fossem verdadeiras, pois o estudo data de Novembro de 2005. Acontece que apenas no Outono de 2005 a gripe das aves se tornou verdadeiramente um assunto europeu, com a deteção do vírus H5N1 em aves da Turquia e Roménia. Desde então, foram registados casos de gripe das aves em quase todos os países europeus com exceção de Espanha e Portugal. Seria natural então que muitos países tivessem tomado medidas preventivas de acordo com a sensação de perigo iminente, que teria sido superior na Europa Central e do Norte. Seria interessante se os Pirenéus continuassem a exercer os seus efeitos de barreira biogeográfica!? Por outro lado, na Ibéria peninsular, Portugal foi sempre o país mais periférico (na verdade, de toda Europa continental), a nível político, geo-estratégico, económico e cultural. Lembremos, a vocação atlântica, os Descobrimentos, a anglofilia... Isto explicaria as diferenças com relação a Espanha, no estudo d'A Lanceta. Existirão porventura explicações mais próximas no tempo, e menos psicanalíticas, como riqueza nacional e qualidade do seu serviço nacional de saúde. Mas não estraguemos a minha diversão!

Consultando o Dossier Gripe das Aves do jornal Público, constato que a percepção de risco em Portugal aumentará gradualmente até ao Outono de 2006, altura do ano em que aves migradoras imigram do Norte da Europa, procurando abrigos de invernação mais meridionais (inteligentemente, esperam que as hordas de turistas regressem para norte...). E as autoridades portuguesas parecem ter acelerado o anúncio de medidas preventivas nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2006. Ainda bem!

É então aceitável, que Portugal estivesse menos bem preparado que outros países europeus em Novembro de 2005? Sim e não! Sim, por causa da tal diferença de percepção do perigo iminente, que tentei justificar acima. Não, porque a condição de país periférico, que no passado se salvou das desvantagens (glaciações do Quaternário, desenvolvimento, guerras mundiais) e das vantagens (glaciações do Quaternário, desenvolvimento, guerras mundiais, ah ah!) do centro da civilização europeia, não nos salvaria da aleatoriedade do acaso, da excepção à regra, de processos evolutivos não determinísticos. Afinal, qual a chance de o vírus H5N1 entrar em Portugal à boleia de uma ave, se hospedar num lusitano legítimo e, finalmente, se propagar entre lusitanos! Talvez ínfima, mas...!? Se acontecesse, seria mais uma criação lusitana para o Mundo.

Tenho uma certa vontade de iniciar uma digressão sobre como este atraso na reação ao perigo iminente da gripe das aves é um epifenómeno de uma certa estratégia empírico-determinista de sobrevivência, usada por organismos que têm de fazer opções. Não o vou fazer, fica para mais tarde.

Politicamente mais preocupante, para a União Europeia, é a constatação de que poucos países incluíram nos planos a necessidade de colaboração com outros países, apesar de este ser um "imperativo" na luta contra a doença. Mas então para que queremos a UE senão para promover a colaboração dos povos para lá da economia de escala e da geo-estratégica global? Espero que desde Novembro de 2005, também esta realidade se tenha alterado. A bem de um projeto europeu ainda mais integrativo, em que acredito apesar da (e sobretudo pela...) minha identidade nacional periférica.


Gripe das aves: Portugal é o país menos bem preparado da Europa
Lusa, Agência de Notícias de Portugal S.A.


Portugal é o país menos bem preparado para enfrentar uma eventual pandemia de gripe das aves entre os 21 países europeus com planos nacionais de prevenção, segundo um estudo publicado hoje pela revista científica The Lancet. O documento, intitulado "De que forma está preparada a Europa para uma pandemia de gripe? - Análise dos planos nacionais", foi realizado pelos cientistas Sandra Mounier-Jack e Richard J. Coker, do departamento de Saúde Pública da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, com base nos dados disponíveis em Novembro de 2005, com base nos planos nacionais de luta contra uma possível pandemia.

Em declarações ao jornal Público, a 14 de Abril, a propósito deste estudo, a sub-directora-geral da Saúde Graça Freitas afirmou que os investigadores analisaram apenas o plano estratégico publicado, que inclui orientações genéricas . "O estudo está desfasado. Garanto que estamos preparados", afiançou a responsável, citada pelo jornal.

Na classificação da preparação dos países para a eventual chegada da doença entre os humanos, Portugal ocupa o último lugar do grupo dos menos preparados, seguido da Polónia, Roménia, Lituânia, Letónia, Itália e República Checa, que obtiveram uma classificação de cerca de 38 por cento, menos 20 pontos percentuais que a média. O grupo dos mais bem preparados, com uma classificação de 70 por cento, é liderado pela França, seguida da Alemanha, Irlanda, Holanda, Suécia, Suíça e Reino Unido. O grupo intermédio das três categorias de países é constituído, por ordem decrescente, pela Áustria, Dinamarca, Estónia, Grécia, Noruega, Eslováquia e Espanha e obteve uma classificação de 53 por cento.

Nos vários critérios analisados, Portugal ocupa o último lugar no que respeita ao planeamento e coordenação, intervenção da saúde pública, na resposta dos serviços de saúde e nos serviços essenciais necessários e o penúltimo na vigilância e na capacidade de colocar o plano em acção, ficando em todos abaixo dos cerca de 41 por cento. Melhor classificação foi obtida na comunicação - cerca de 60 por cento -, a única área temática que coloca o país no grupo intermédio.

O estudo, publicado na versão "on-line" da revista britânica, realça também o facto de 20 dos 21 países analisados terem desenvolvido uma estratégia anti-viral (com diferentes níveis de detalhes), bem como uma estratégia de imunização para uma vacina, sendo que Portugal foi o único país a deixar o desenvolvimento de uma estratégia nestes campos para "uma fase posterior". E constata que 13 países elaboraram guias para o uso de drogas anti-virais e 14 pretendem imunizar toda a sua população se o "stock" de vacinas for suficiente.

Em termos gerais, o estudo conclui que, embora a preparação em termos de vigilância, planeamento, coordenação e comunicação seja "boa", a manutenção dos serviços essenciais, a capacidade de pôr os planos em acção e as intervenções da saúde pública são "provavelmente inadequadas". Segundo os cientistas, poucos países incluíram nos planos a necessidade de colaboração com outros países, apesar de este ser um "imperativo" na luta contra a doença. Nas conclusões, referem que "o compromisso dos governos na maioria dos países europeus é forte e o nível de preparação é em geral bom". No entanto, "as lacunas na prevenção mantêm-se e existem variações substanciais entre os países, com implicações importante para os mesmos". Por isso, aconselham uma melhoria na cooperação entre os países, através da partilha de experiência, de forma a "assegurar a coerência" dos planos.

O estudo abrangeu os países da União Europeia, os candidatos Bulgária e Roménia e a Suíça e Noruega, tendo eleito 21 planos nacionais para avaliação de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), representando 93 por cento da população. Todos os planos foram elaborados numa estimativa de mortes devido à gripe das aves entre 230 e 465 pessoas por 100 mil habitantes.

O vírus da gripe das aves infectou 196 pessoas desde 2003, tendo matado 110.

14 abril 2006

Política com ciência

Reproduzo abaixo um texto do historiador português José Pacheco Pereira, no jornal Público. Um estudioso do comunismo, ex-deputado social democrata, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu, autor do blog Abrupto (que está no top 100 da Technorati). Fala da política em Portugal, mas reparem que o seu pensamento é de relevância geral, com exceção de alguma especificidade lusitana (ex: os poucos sujeitos nomeados).

Alguma semelhança com políticos que encenam peça tragicómica, num teatro perto de si?

Público
Quinta-feira, 6 de Abril de 2006

Artigo de opinião por Pacheco Pereira, historiador

Como o "politiquês" é um código árido de comunicação entre políticos de segunda, tende a ser muito conservador e a manter fórmulas que remetem para uma concepção do país que já tem pouco que ver com a realidade. O "politiquês" é uma corruptela de um Portugal "conhecido" apenas dos artigos de jornais, de reuniões partidárias e jantares-comícios, de graçolas e bocas de conversa de café e de corredor, por gente que não lê e não estuda. A única coisa que actualiza os praticantes do "politiquês é verem o professor Marcelo todas as semanas, que lhes dá uma certa lubrificação discursiva e argumentativa, que sozinhos nunca teriam.

Contrariamente ao que pensam os próceres da direita do dr. Portas e da esquerda do dr. Louçã, a questão não é ideológica, ou pelo menos, não é essencialmente ideológica, nem sequer de "centrão" versus dicotomia esquerda/direita. O mundo puro das ideologias soçobrou quando a sociedade moldada pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, que lhes tinha dado origem, se defrontou com pequenos problemas como a revolução da informação, a bomba termonuclear, o terrorismo apocalíptico, a crise do Estado-providência, a mediatização do espaço público, a "cultura de massas", o consumismo, etc. Hoje, ideologias globais, que ofereçam interpretações globais e coerentes para todos os problemas, leituras sistémicas baseadas em tradições do passado (como é a esquerda e a direita), não servem a não ser para os órfãos identitários, uma forma típica de conservadorismo.

O problema é para já regressar a formas de piecemeal reformism, no sentido popperiano, de uma política mais modesta, mais experimental, menos de engenharia social e mais de pequenas intervenções numa realidade que tem outras leis e outras regras que é suposto conhecer a fundo. Ora uma condição fundamental para fazer este tipo de políticas é estudar, discutir, confrontar e produzir orientações, linhas de acção que se avaliem pela prática e não pela obsessão pela abstracção. E, durante ou depois, medir essas políticas com os interesses, as ideias, as "partes" que dividem numa democracia as pessoas.

Os partidos portugueses dão pouca importância ao estudo da realidade, e à formulação de orientações conhecidas, escritas, programáticas, porque isso contraria o tacticismo pragmático. Os partidos precisam de fazer uma considerável reconversão de recursos internos, abandonando ou reduzindo as tarefas partidárias de aparelho antigas, sobrevivências do tempo em que os partidos faziam o seu próprio marketing, publicidade, previsões eleitorais, etc., para outro tipo de organização mais voltada para a criação de think tanks, produção de documentos de orientação, todo um esforço de estudo, análise e produção de política que a complexidade dos problemas exige.

Os partidos precisam de virar uma parte importante da sua actividade interna das funções burocráticas, elas próprias tão cheias de funcionários recrutados por protecções e amiguismo, para um novo tipo de voluntariado político, a quem o partido deve dar meios, gastando aí recursos que hoje esbanja mantendo um número de funcionários excessivo, empregues em tarefas quase fictícias.

Não estou a dizer que os partidos devam ser dirigidos por académicos e professores, na sequência de uma tendência nefasta que já existe no sistema político e comunicacional de achar que as opiniões académicas de "peritos", de "sábios", estão à margem e acima da política.

Precisamos é de políticas que incorporem a maior quantidade de saber possível, que sejam produzidas por cidadãos que usem os seus conhecimentos a favor de uma ideia de "bem público", que conheçam melhor o seu país, estudem os problemas e sejam capazes de ouvir e de pensar sem ser com o "politiquês" pavloviano que se usa hoje em Portugal.